De terno risca de giz sobre uma camisa branca de bolinhas, lenço, gravata e meias vermelhos, Roque Rauber, 78 anos, conduz GaúchaZH pelas escadas da casa de swing mais famosa de Porto Alegre:
— Até limpei o corrimão para mostrar o andar de cima para vocês. Acho que vocês não precisam dele, mas eu tenho que me agarrar. Estou ruim da perna — conta o dono do Sofazão.
Inaugurado em 1992, o local na Zona Norte acumula poeira desde que teve as portas fechadas por falta de alvará no fim do ano passado. Combinada com uma artrose no joelho que dificulta a locomoção, a interdição foi a deixa para a folclórica figura do entretenimento noturno na Capital decidir pendurar as chuteiras.
No começo deste ano, Padre Roque, como é conhecido, colocou o negócio à venda. O valor não divulga, mas aceita, inclusive, um carro como pagamento.
— Ou seja, vendo barato. Não tenho mais condições físicas. Quero um relax — diz, sentado em um estofado comprido que lembra o nome do lugar.
O sossego é uma escolha recente na vida do homem ordenado padre em 1967 — e licenciado da igreja três anos mais tarde. Durante as últimas três décadas, trabalhou intensamente para, na própria definição, "promover encontros". Dos mais variados. Enquanto no térreo de seu estabelecimento "meninas da casa" recebiam clientes desacompanhados, quem ia em dupla podia interagir como e com quem bem entendesse também no segundo andar. Nele, além de duas salas reservadas — onde um aviso em folha de ofício destaca que é preciso ser convidado para entrar —, o "céu dos casais", como chama o camarote, permitia vista privilegiada do que ocorria no primeiro piso. Se num bar convencional casais fazendo sexo explícito entre si, com terceiros ou em grupo podem chocar, no Sofazão cenas como essas eram ordinárias — e esperadas — em uma noite absolutamente regular.
Roque era uma espécie de recepcionista e mestre de cerimônias do lugar, convocando o público à diversão, que ia noite adentro. Nem sempre, porém, as coisas foram assim. Quando ingressou na vida noturna porto-alegrense, a casa de swing era um ideal cercado de tabus.
Por cerca de um ano, o homem nascido em Bom Princípio, no Vale do Caí, tentou estimular a clientela a se soltar contratando shows e promovendo brincadeiras eróticas. Mas não tinha jeito. Enquanto alguns casais iam para quartos reservados, a maioria contentava-se em apenas observar. Até que um problema técnico mudou a sorte do padre (para a igreja, não existe "ex-padre").
— Depois do terceiro show, faltou energia elétrica. Sentei, cruzei os braços e pensei: "Seja o que Deus quiser". Quando a luz voltou, estavam todos transando — recorda Roque, que considera o episódio "mais uma história bonita" do Sofazão.
Desde 2017, empreendimento funcionava na Rua Santa Catarina
Após 25 anos, em 2017, Roque migrou o empreendimento de uma pequena via próxima da Avenida Assis Brasil, a Itararé, onde fez fama, para uma casa de dois pavimentos a pouco mais de um quilômetro dali, na pacata Rua Santa Catarina. Buscava a regularização do imóvel quando a prefeitura fez a visita derradeira.
Fora de funcionamento, a casa conta hoje com apenas parte da estrutura do bar: quatro mesas em frente aos famigerados sofás, um cano de pole dance, ares condicionados, cortinas vermelhas, tubos de álcool gel presos à parede, duas camas redondas e duas retangulares. E espelhos. Muitos espelhos.
— Essas camas são fortes. Aprendi que tinham de ser assim nos anos 1990, quando quebraram o primeiro sofá — sorri.
Famoso instrumento de divulgação do Sofazão, um ônibus adesivado que circulava pela cidade — em dias de jogos do Inter, o padre colorado estacionava-o em frente ao Beira-Rio — foi vendido, e, segundo ele, transformado em um motor home.
É em tom sereno que o simpático senhor fala sobre quase qualquer assunto, dos relacionamentos conturbados com "mulheres ciumentas" até os planos para o futuro, que passam por ler notícias nas redes sociais e, de vez em quando, interagir com os amigos em um dos quatro perfis no Facebook — nos quais soma alguns milhares de contatos. Depois de uma aventura política malsucedida — candidatou-se a vereador pelo PDT em 2012 —, garante que não aspira mais a uma cadeira no parlamento.
— A sociedade continua hipócrita — avalia.
Apesar da desilusão nas urnas — angariou cerca de 600 votos —, orgulha-se do que acredita ser um legado deixado pelo Sofazão, que, na sua percepção, mudou a mentalidade das gerações mais novas. E, ao contrário do que a ordenação poderia sugerir, não vê pecado na atividade que o transformou em celebridade local.
— Temos que rever conceitos. Pecado é fazer o mal, e tenho certeza que só fiz o bem. Graças ao Sofazão, muitos casais vivem felizes hoje.