Mesmo com ausência do alvará que valida o Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (PPCI), hospitais só podem ser interditados havendo constatação de iminente risco à vida. Isso ocorre quando são descumpridas as cinco normas mínimas de prevenção: saídas de emergência desobstruídas, extintores de incêndio suficientes, sinalização adequada, iluminação de emergência e treinamento de pessoal, a chamada brigada de incêndio. Levantamento de GaúchaZH aponta que apenas três dos 36 hospitais de Porto Alegre têm alvará de combate a incêndios.
— Não se interdita apenas pela falta de documentação. Ausência de PPCI não é sinônimo de inexistência de prevenção instalada. Raras são as interdições, pois, para a gente fazer isso, tem de estar em vias de acontecer alguma coisa — pontua o chefe da Divisão de Segurança Contra Incêndio do Corpo de Bombeiros de Porto Alegre, major Ederson Fioravante Lunardi.
O incêndio no Fêmina é citado como exemplo de hospital sem PPCI, mas com plano de ação. Situação assim ameniza, mas não elimina os riscos, considera o oficial:
— Hospitais e asilos, que são locais com dificuldade de locomoção e retirada das pessoas, são problema. É claro que (o Fêmina) tinha alguma prevenção, porque a brigada de incêndio evacuou o prédio, e os bombeiros só precisaram combater o fogo. A retirada rápida das pessoas evitou tragédia maior. Mas isso serve de alerta — comenta.
O engenheiro civil Telmo Brentano, especializado em incêndios, explica que são importantes áreas de refúgio em hospitais: espaços isolados por uma porta corta-fogo com uma saída por escada. Ele alerta para os altos riscos de episódios como esse em uma casa de saúde:
— A maioria das pessoas em enfermaria necessita de apoio para se deslocar. Muitas estão inconscientes, como em uma UTI, e outras imobilizadas. Então, precisam de ajuda. E aí se faz a pergunta: será que há treinamento no hospital para uma situação de emergência? Será que os responsáveis têm treinamento periódico, sabem como agir, o que fazer em uma situação dessas? É tudo uma questão de gestão. (...) Mas aí entra um elemento importante que se chama fator humano, a negligência humana em tudo. Essa parte de incêndio, que é relativamente nova, sempre fica para o final — avalia.
Legislação dificulta aplicação de multas
O major Lunardi reclama da subjetividade das leis que tratam do tema quando o assunto é multas. Ele diz que o Corpo de Bombeiros sente-se inseguro e que, por isso, nenhuma multa foi aplicada em Porto Alegre desde a sanção da Lei Kiss, em 2013. Mas isso vai mudar em 27 de junho, quando entra em vigor a resolução técnica nº 5 parte 6, garante. O documento estabelece procedimentos administrativos para fiscalização e aplicação das penalidades decorrentes do descumprimento. As penalizações previstas variam de R$ 1.465,17 a R$ 2.734,98. A opinião do oficial é partilhada pelo diretor da Escola de Engenharia da UFRGS, Luiz Carlos Pinto da Silva Filho :
— É preciso um decreto regulamentador, pois a aplicação das multas ficou em uma zona cinza — avalia.
O engenheiro civil Telmo Brentano afirma que a Lei Kiss ainda precisa de aperfeiçoamentos. Ele defende que já existe, no país, uma legislação avançada e que é a mais eficiente na prevenção contra incêndios:
— Eu sigo a legislação de São Paulo, que é a melhor do Brasil. Dezoito Estados já seguem. Aqui, no Rio Grande do Sul, estão reescrevendo a legislação da Kiss e tem muitas coisas que não estão em vigor. Bastaria aplicar a legislação de São Paulo, que está atualizadíssima, apenas com adaptações. Sempre penso que a legislação deveria ser mais pé no chão, mais objetiva. Mas a Lei Kiss já é um avanço em relação à anterior — defende.
Crítico à falta de prevenção em edificações, Brentano alerta que a cultura no país precisa mudar:
— Como muitos hospitais são antigos, os prédios devem sofrer adaptações. Só que elas são complicadas, porque não estavam previstas originalmente. Há falta de dinheiro, não existe gestão que impulsione, então o negócio vai se enrolando por anos até que seja resolvido. Se acontece um incêndio, aí todo mundo lembra que tem que fazer alguma coisa. O brasileiro não é proativo, não previne: ele reage.
O Corpo de Bombeiros pretende intensificar a fiscalização, com forças-tarefas, algo que não acontece atualmente — nenhum trabalho de fiscalização nos hospitais foi feito recentemente. O major garante que efetivo há: em Porto Alegre, dos 250 bombeiros, 52 trabalham exclusivamente no setor de prevenção de incêndios.
Três formas para obter o alvará no RS
1 - Certificado de Licenciamento do Corpo de Bombeiros (CLCB)
Para edificações de até 200 metros quadrados. Proprietário precisa declarar existência de extintores e de brigada de incêndio, além de saídas, sinalização e iluminação de emergência. Não há necessidade de vistoria ou projeto. Proprietário só é penalizado se, em caso de fiscalização, for constada a ausência dos itens. Não tem prazo de validade.
2 - Plano Simplificado de Proteção Contra Incêndio (PSPCI)
Exigido para prédios com até 750 metros quadrados. Proprietário também tem de declarar existência de extintores e de brigada de incêndio, além de saídas, sinalização e iluminação de emergência. Não há necessidade de vistoria ou projeto, porém, prazo de validade é de cinco anos. Se a atividade for considerada de risco baixo, como hospitais, não é preciso contratação de responsável técnico. CTGs e clubes sociais são exceções à regra. Para ambos, tendo até 1,5 mil metros quadrados não há necessidade de projeto ou vistoria do Corpo de Bombeiros.
3 - Plano de Prevenção Contra Incêndio (PPCI)
Para imóveis acima de 750 metros quadrados ou que ofereçam risco, como posto de combustíveis, é exigido o plano completo, chamado de PPCI. Alvará de hospital tem validade de cinco anos. Não havendo mudança estrutural, não há necessidade de elaboração de novo PPCI, apenas pedir a vistoria para renovação do alvará ao fim do período.