Desde 2015, o número de passageiros transportados pela Trensurb vem diminuindo, após um pico, registrado em 2014. Em 2018, por exemplo, foram 51.751.903 usuários, 3,3 milhões a menos do que em 2017, quando 55.056.632 passageiros usaram o trem para se deslocar por Porto Alegre e Região Metropolitana.
Para muitos usuários ouvidos pela reportagem, o motivo para esta diminuição parece claro: o aumento de tarifa. Em fevereiro de 2018, a passagem, que custava R$ 1,70, passou para R$ 3,30 – um acréscimo de 94%. Mas os anos seguidos de queda indicam que esta não é a única razão.
Segundo a Trensurb, a demanda do transporte coletivo está significativamente interligada ao sistema econômico. A situação do país e o número de desempregados têm forte influência, então, no número de passageiros do transporte público em geral. Sendo os trens um elo entre Porto Alegre e a Região Metropolitana, rota de milhares de trabalhadores todos os dias, o desemprego também tem o seu papel na demanda.
“As viagens obrigatórias, principalmente por motivo de trabalho e estudo, são diretamente afetadas pela desaceleração da economia, uma vez que nessas épocas aumenta o desemprego”, afirmou a Trensurb, por meio da assessoria de imprensa.
O número de desempregados confirma esta teoria. No terceiro trimestre de 2018, dados mais recentes disponíveis, a estimativa do IBGE era de que havia 487 mil desempregados no Estado, o que representa 8,2% das pessoas com mais de 14 anos desocupadas. Especificamente na Região Metropolitana, esta porcentagem vai para 10,1%, e vem subindo de 2014 para cá – mesmo período no qual diminuiu o número de passageiros transportados.
Poder de compra
A economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e especialista em mercado de trabalho Lucia Garcia acrescenta, além do desemprego, outra questão relacionada à crise econômica que afeta o número de passageiros nos trens: o poder de compra.
– Faz sentido o número de passageiros diminuir com o aumento do desemprego. A situação econômica tira renda, obviamente, de quem perde seu trabalho, mas não apenas destas pessoas. Quem está empregado também perde poder de compra, e segura o consumo. Logo, não usa tanto o transporte – explica.
"Esse valor faz diferença"
A dona de casa Riana Sanches, 54 anos, do bairro Rio Branco, em Canoas, é o retrato da diminuição dos usuários nos trens. Até 2017, ela costumava deslocar-se até o Centro de Porto Alegre pelo menos duas vezes por semana, para ir à igreja. Quando precisava fazer compras, preferia o Mercado Público, também na Capital, e as lojas da região, pelos preços e opções disponíveis.
– Fazia isso porque a passagem era barata, o deslocamento compensava. Depois que aumentou, parei. Imagina, só para a igreja seria um gasto de R$ 13,20 por semana. Se eu gastar demais, no fim do mês o orçamento não fecha. Esse valor faz diferença, dá para comprar muita coisa. Agora, só venho até Porto Alegre quando realmente preciso – disse ela, ontem, na Estação Mercado, quando acompanhava a filha em um compromisso.
Atualmente, Riana resolve tudo o que pode em seu bairro ou no centro de Canoas. Se o trajeto até Porto Alegre é inevitável, ela tenta mandar o marido, José Francisco, 72 anos.
– Ele é aposentado, não paga mais a tarifa. Se é possível, ele resolve tudo por mim – finaliza.
Mudança não é evidente
Apesar do alto número de passageiros a menos ano a ano, a mudança nem sempre é sentida pelos usuários ouvidos pela reportagem. O vigilante Paulo Pavan, 51 anos, usa o trem há mais de 20 anos para se deslocar do bairro Mathias Velho, em Canoas, onde mora, até o centro de Porto Alegre.
– No horário em que eu pego, por volta das 6h, está sempre cheio. Não percebo que tem menos passageiros – conta.
Discurso semelhante tem a empregada doméstica Sandra Pires, 59 anos, do bairro Niterói, também em Canoas:
– Só vejo diminuir em época de férias, mas isso sempre foi assim. Eu pego trensurb há mais de 30 anos, todos os dias, e no horário de pico sempre tem movimento.
Carlos Daniel Stork, 21 anos, de São Leopoldo, anda de trem quatro vezes por semana há quatro anos, para trabalhar em Porto Alegre. Por ser usuário em horários variados e, muitas vezes, fora do pico, ele percebe a diminuição:
– Principalmente depois que a passagem aumentou. Alguns horários, que antes eram cheios, agora não são tanto.