Uma casa na árvore incomum desponta em formato de pirâmide no topo de um flamboyant do Parque Moinhos de Vento. Com vista exclusiva em uma das áreas mais nobres de Porto Alegre, um morador de rua apoiou um colchão sobre os galhos, fez um teto de guarda-chuva e lona e improvisou paredes com lençóis e peças de roupa suas — isso tudo a mais de cinco metros de altura.
Para alcançar o abrigo — que aparece apenas aos mais atentos, entre a cancha de bocha e os campos de futebol —, o homem salta de galho em galho com grande habilidade: em apenas 10 segundos, chega na sua cama. Jardineiro do parque, João Batista de Silveira, 49 anos, compara-o a um gato. Ou melhor, a uma lenda:
— É o Tarzan de Porto Alegre.
O dono da barraca tem 28 anos e identifica-se como Miti, nome que tem tatuado no antebraço. Nega-se a dar o nome de registro "porque é muito feio", mas disse que a repórter podia chamá-lo de Miti Snoop Dogg — alcunha justificada pela semelhança com o rapper americano.
Vestindo moletom e Havaianas, o homem negro de pelo menos 1m80cm de altura diz que nasceu na Florêncio Ygartua e foi parar na rua porque não gostava de morar com sua tia. Desde criança, seu sonho era ter uma casa na árvore, conta ele, e no flamboyant do Parcão encontrou o sossego e a paz que desejava. Relaciona, também, outras comodidades de morar na árvore:
— Se eu como um doce na cama, os farelos já vão direto pela janela e caem lá no chão. Não vem formiga.
Miti afirma que nunca caiu da árvore — os esfolados no cotovelo, segundo ele, são consequência de tombos de skate. Garante que não tem medo de virar na cama de noite e despencar. E nem de vendaval.
— Aí que fica legal. Parece que estou voando de paraglider — acrescenta.
Gritando do topo da árvore para a repórter, que não conseguiu escalar nem o primeiro galho, o homem se exibe.
— Aqui, posso fazer minha ioga, ó — diz ele esticando uma perna em cada galho e estendendo os braços. — E aqui é banco pro pessoal da visita — afirma, sentando-se em uma formação de galhos que se assemelha a um trono.
Mas Miti não costuma receber visitas. Relata que alguns amigos até tentaram alcançar sua casa, e chegaram só até a metade. Isso não significa solidão: ele frisa que fica na companhia dos passarinhos:
— Vem pomba, bem-te-vi, sabiá... Se eu tenho laranja, vem pica-pau comer também.
Miti se descreve como um poeta, mas garante seu alimento cuidando de carros na Padre Chagas. Na via mais badalada do Moinhos de Vento, ele é um ser folclórico, conta Ulysses Leal, 23 anos, vendedor da Void General Store. O jovem diz que Miti — que por ali é chamado de Padrinho — costuma ajudar a recolher os bancos e as garrafas na hora de fechar a loja.
— Ele é doidão, mas é super do bem — diverte-se Ulysses.
Sociólogo aponta combinação de motivos para a escolha
Segundo levantamento realizado pela UFRGS e divulgado pela Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) no final de 2016, o número de pessoas adultas que vivem nos logradouros de Porto Alegre cresceu 75% em oito anos. O estudo mostrou instabilidade familiar e uso de drogas e de álcool como os principais motivos da ida para a rua. Também evidenciou que a maior parte da população abordada (52,1%) dorme cotidiana e prioritariamente em lugares de risco, improvisados e com forte exposição a condições climáticas.
O sociólogo Antonio Marcelo Pacheco, que há seis anos viveu entre os sem-teto para pesquisar o tema, relata que encontrou moradores de rua abrigados sobre árvores — inclusive dentro de troncos com espaço oco — e até em bueiros. O pesquisador credita a escolha a uma combinação de motivos: se esconder e, por segurança, permanecer em espaços de grande visibilidade, como parques e taludes do Arroio Dilúvio.
— Eles costumam procurar um lugar razoavelmente público e que ao mesmo tempo seja protegido — explica.