Um estudo encomendado pela Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional (Metroplan) apontou que a única forma de evitar enchentes na área central de Eldorado do Sul, na Região Metropolitana, é cercando-a com muro ou dique de contenção. Se conseguir ser tirada do papel, a obra teria hoje valor quase quatro vezes acima do orçamento total da cidade para 2018, que é de R$ 107,4 milhões.
Segundo o superintendente do órgão, Pedro Bisch Neto, não há outra forma de evitar novas enchentes na região. A empresa contratada durante os dois últimos anos para apurar a situação apontou que o maior problema de Eldorado é ter sua principal área urbanizada tão próxima do rio — a menos de dois quilômetros. Vizinha do Parque Estadual Delta do Jacuí, uma área de preservação ambiental que separa o rio Jacuí de cinco de seus 13 bairros, Eldorado já teve 60% dos 38 mil moradores atingidos numa única cheia.
A partir de sobrevoos, levantamentos topográficos e uma série de estudos que, inclusive, previram enchentes a cada cinco, 10, 50 e 100 anos na cidade, a empresa contratada pela Metroplan apontou nove alternativas de obras de contenção. Em todas elas, Eldorado do Sul ficará dentro de um paredão de concreto, talude ou dique que podem ter 8.480 metros, 8.695 metros ou 10.350 metros, dependendo da escolha. O custo total da obra ficará entre R$ 205 milhões e R$ 411 milhões.
— A solução não pode ser paliativa e, muito menos, pequena. É um caso muito sério. Por enquanto, é só um estudo com orçamento. Não há dinheiro disponível e será preciso buscar parceiros — alerta o superintendente.
Mesmo sabendo que a obra não tem previsão de ocorrer nesta gestão, Pedro afirma que o estudo tem importância por apresentar, pela primeira vez, a solução ideal para o problema de uma região que cansou de conviver com os alagamentos. A próxima etapa do levantamento será a contratação do Estudo de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto Ambiental, também previstos no projeto.
— Porto Alegre viveu situação parecida com Eldorado e encontrou nos taludes da Avenida Edvaldo Pereira Paiva e no muro da Mauá as soluções para o problema das cheias — justifica Pedro.
Medo volta a cada chuva
Basta começar a chover para a assistente administrativa desempregada Denise Cristina de Araújo Ribeiro, 43 anos, mudar toda a rotina da casa que divide com o filho Eduardo Ribeiro da Silva, 21 anos, na Rua Sete de Setembro, no bairro Cidade Verde, em Eldorado do Sul. Móveis são erguidos sobre cavaletes, roupas são colocadas em sacos plásticos e Denise não dorme.
Morando há mais de duas décadas ao lado do Parque Estadual Delta do Jacuí, ela sabe que se chover mais de dois dias seguidos poderá ver o bairro, o pátio e a casa serem invadidos pelas águas do rio.
— Ainda não consegui recuperar as perdas materiais que tivemos nas últimas enchentes. Fiquei traumatizada — confessa.
Destruída aos poucos
Na maior delas, em 2015, Denise ficou 16 dias abrigada na casa de amigos, enquanto a própria morada estava com quase dois metros de água dentro. Naquela enchente, dos 34,3 mil habitantes, 20 mil foram atingidos. Mais de 2 mil pessoas tiveram que sair de casa e quase 300 ficaram abrigadas no ginásio do Loteamento Popular.
Construída no início da década de 1990, a casa de alvenaria de Denise vem sendo destruída aos poucos a cada nova enchente. O piso da cozinha, por exemplo, afundou 20 centímetros, e as paredes estão rachando. Certa vez, depois de uma cheia, a quantidade de dejetos que ficaram acumulados dentro da moradia levaram a família a ficar mais dias fora até a limpeza ser concluída.
— Mantenho minhas vacinas em dia, como a antitetânica, por medo de pegar alguma doença vinda com a enchente. Como sei que ninguém vai querer comprar minha casa, preciso estar preparada para as próximas cheias. Mas o medo é muito grande.
Canal por baixo da BR-290
O temor de moradores como Denise não é isolado. O próprio secretário municipal de Planejamento, Fábio Leal, reconhece que a situação está insustentável.
— Temos um problema muito sério em Eldorado do Sul, que precisa ser resolvido com urgência. A obra mais importante da cidade é a construção de algum tipo de contenção que nos mantenha livres dos alagamentos. Há um projeto em estudo, mas até que ele saia do papel já estamos vendo a possibilidade de uma solução que possa amenizar as cheias — destaca Fábio.
Segundo o secretário, a medida paliativa que vem sendo discutida com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) é a abertura de um canal por baixo da BR-290, com a construção de um pontilhão sobre a estrada, que permitiria a chegada até o Guaíba das águas das cheias que inundam o parque estadual. Hoje, esta água acaba parando dentro da área central da cidade, que faz divisa com a área de preservação. E, na maioria das vezes, chega em menos de duas horas — tempo suficiente apenas para os moradores saírem em segurança com o mínimo possível de bens materiais.
Olheiros se organizam via WhatsApp
Enquanto o impasse continua, os moradores de Eldorado buscam alternativas para não serem surpreendidos ainda dentro de casa pelas cheias. Uma delas são os grupos de WhatsApp com olheiros nos trechos próximos ao Delta. Fábio Nunes Soardi, 20 anos, é um dos responsáveis por alertar os mais desavisados.
Quando a plantação de arroz começa a submergir em águas turvas nos fundos da Rua Vitória, a última do bairro Chácara e da cidade, antes do rio, Fábio tem a certeza de que o Jacuí se aproxima da área central — distante dois quilômetros do trecho onde o rio começa a transbordar em períodos de chuva intensa. Dos 13 bairros da cidade, pelo menos cinco — Cidade Verde, Vila da Paz, Pinheira, Picada e Assentamento Integração Gaúcha (Irga) — acabam tomados pela água quando a enchente avança.
— Por aqui, o mais comum são as casas terem dois andares: o primeiro só para acomodar a água do Jacuí. Quem não consegue subir o terreno acaba sendo ainda mais prejudicado — lamenta Fábio.
Histórico de cheias
Com quase 35 mil habitantes, Eldorado do Sul tem a área central cercada pelo rio Jacuí. O histórico recente mostra os problemas enfrentados por quem vive na cidade. Em 26 de setembro de 2007, 12 mil moradores de Eldorado do Sul foram atingidos pelas cheias do Rio Jacuí, que durou uma semana. A Defesa Civil municipal considerou aquela a maior enchente na cidade. Outra parecida teria ocorrido em 1984, mas não nas mesmas proporções de atingidos.
Dois anos depois, uma nova enchente atingiu pelo menos mil moradias em quatro bairros — Cidade Verde, Chácara, Picada e Vila da Paz. Mais de 500 casas ficaram sem energia elétrica porque 11 transformadores de distribuição de energia precisaram ser desligados.
No início de outubro de 2015, porém, as águas do Jacuí inundaram oito dos 13 bairros, naquela que até hoje é considerada a maior das cheias de Eldorado do Sul. O único Pronto-Atendimento da cidade ficou ilhado e precisou ser transferido para um dos únicos pontos secos de Eldorado do Sul. Junto com o PA, fecharam o Centro de Epidemiologia, a Unidade Básica de Saúde Cidade Verde, a Farmácia Municipal e as escolas estaduais e municipais. Ao todo, 6.590 alunos ficaram sem aulas.