Às vésperas de completar 120 anos, o Asilo Padre Cacique luta para tirar as contas do vermelho. Dezoito demissões foram realizadas nas últimas semanas, e a instituição suspendeu ingresso de idosos — com capacidade para 150 pessoas, hoje abriga 128. Enquanto a direção faz um apelo por doações (que mantêm a casa), uma auditoria está sendo realizada para apontar novos cortes de despesas.
A organização não governamental fechou o ano passado com um déficit de 2,5 milhões, e 2018 não começou mais animador: o primeiro quadrimestre soma um déficit de 617 mil. O presidente, Edson Brozoza, define a situação financeira como "desesperadora" e não descarta a possibilidade de fechar as portas.
Os custos com pessoal são o que mais pesam nessa conta, de acordo com o presidente. De R$ 3,3 milhões em 2014, a despesa subiu para R$ 4,7 milhões em 2017. Brozoza destaca que nos últimos anos a instituição investiu muito na qualidade do atendimento aos moradores, com profissionais de diversas áreas de saúde. É que o asilo apostou alto no Fundo Municipal do Idoso, criado em 2011, mas o resultado foi decepcionante, segundo ele. O projeto do Padre Cacique previa a captação de R$ 14 milhões, mas alcançou pouco mais de R$ 750 mil até então.
— O fundo permite ao empresário doar 1% do imposto a pagar sem nenhum centavo de custo. Nos últimos três anos foram para Brasília mais de R$ 2 bilhões (em impostos) que poderiam ter ficado aqui para os idosos — lamenta Brozoza, que ainda aposta no investimento de empresários para melhorar a situação da organização.
Outro complicador foi uma ordem do Ministério Público do Trabalho. Grande parte dos funcionários vinha de cooperativas, mas precisaram ser substituídos por profissionais com a carteira assinada pelo próprio asilo.
Apesar do momento turbulento nas contas, a rotina na casa segue animada, seja com o baile semanal, as tardes de trabalhos manuais, as sessões de cinema ou as missas. Paulo Antônio Meirelles, 77 anos, morador da casa há cinco anos, enfatiza as rodas de samba _ atração que também deve marcar o 120º aniversário da casa, no dia 19.
— Antigamente, eu passava na frente do asilo, mas não sabia como era bom aqui. E sou muito bem tratado, graças a Deus!
- 2014 - Superávit de R$ 1.356.707
- 2015 - Superávit de R$ 1.094.195
- 2016 - Déficit de R$ 881.600
- 2017 - Déficit de R$ 2.553.127
Cinco histórias do Asilo Padre Cacique
128 idosos, 94 funcionários e cerca de 150 voluntários levam vida aos corredores centenários do Asilo Padre Cacique. Conheça cinco histórias de gente que compõe a entidade:
Dois veteranos: 47 e 17 anos de Padre Cacique
Faz 47 anos que o Padre Cacique é o lar de Anita Helga Knoerr. É mais da metade da vida da porto-alegrense, que completou 84 anos nesta semana. A moradora mais antiga ingressou na casa para cuidar da mãe, mas acabou permanecendo após a morte dela. Agora é Anita quem é cuidada pela família que ganhou no local. Ela já não recebe mais visitas — 40% dos idosos do asilo não têm mais vínculo familiar.
Pousando na enfermaria em razão da necessidade de cuidados contínuos, a idosa tem bastante dificuldade para se comunicar — abaixado a seu lado para ficar à altura dela na cadeira de rodas, Romeu Guzzo precisava repetir o que ela falava para a repórter. O assessor da direção da casa conhece Anita há 17 anos, desde que começou a trabalhar lá. Ele apresenta a idosa como uma das rainhas da primavera da casa e chama atenção para a sua vaidade: Anita usa três colares, duas pulseiras e brincos vermelhos.
— Está sempre cheia do ouro — observa, perguntando em seguida se ela se lembra qual das bijuterias foi ele quem deu.
Questionada sobre o carinho que sente por Guzzo, Anita segura na mão dele e responde com clareza, dispensando traduções:
— Ele é meu amigo. Amigo de coração!
Durante alguns segundos, o funcionário fitou o teto, tentando segurar as lágrimas. Não teve muito sucesso.
— Se eles gostam, eles gostam. A gente sabe que é sincero — comentou, depois de deixar a enfermaria.
Rumo aos cinco anos de namoro
O cupido não nega visita ao Asilo Padre Cacique. Relacionamentos iniciados dentro da casa já terminaram até em casório, com direito a cerimônia na igreja, vestido branco e buquê.
Um dos "casais 20" é formado por Shirley Gomes Pereira, 80 anos, e Paulo Antônio Meirelles, 77 anos. Ficou ainda mais popular depois que apareceu na capa de ZH no Dia dos Namorados, há três anos. Guardadas com carinho, as páginas amareladas são exibidas com orgulho pela idosa até hoje.
Os dois fazem questão de dar nova entrevista e mostrar que continuam firmes e fortes, rumo aos cinco anos de compromisso. O relacionamento começou no segundo dia de Shirley na casa, e não demoraria para as enfermeiras encarnarem Silvio Santos no petulante questionamento: "é namoro ou amizade?". Namoro seria.
Paulo dorme no setor 4, Shirley dorme no setor 5, e eles se encontram de manhã para o café — companhia que se estende pelo almoço, café da tarde e jantar. Mas, como em qualquer relacionamento, nem tudo são flores. Shirley diz que Paulo é só "mais ou menos" romântico.
— Tá queimando meu filme — responde Paulo, às gargalhadas.
Fazendo um "mea culpa", Shirley admite que é ciumenta — as mulheres ali são "muito saídas", diz ela. Mas sua característica é até apreciada pelo ex-caminhoneiro.
— Se não existe o ciúme, nem que seja só um pouquinho, não existe o amor — diz Paulo.
Elza e Preta: inseparáveis
Desde que Preta apareceu na porta do asilo, no temporal de janeiro de 2016, Elza Pacheco dos Santos, 78 anos, fez dela sua grande companheira. A cadela segue a idosa pelos corredores do Padre Cacique, e tem vezes que senta junto à porta da enfermaria em vigília até a dona sair. Dizem que, para achar uma, é só localizar a outra. E vice-versa.
A paixão pela Preta e pelo vira-lata Vinagre dá uma trabalheira para a equipe do asilo. Descobriram que Elza, que sofre de Alzheimer, andava deixando de comer para levar sua comida aos cachorros (a quem não falta ração). Então, as refeições da idosa passaram a ser supervisionadas. Ela também já deixou a cama em plena madrugada para fazer companhia aos bichinhos no quintal.
Durante a visita da reportagem, Elza pega uma vassoura sem cabo para varrer a entrada da casinha dos cachorros, enquanto fala com eles. Ao avistar a dona, Preta deita com a barrigona para cima, recebendo de prontidão um carinho de Elza. Evitando conversa, a idosa responde com clareza a apenas uma pergunta da repórter, sobre o que ela acha da Preta:
— Ela é muito sem-vergonha.
O Forrest Gump do asilo
Hermínio Costa d'Andrea é definido pelo presidente Brozoza como o Forrest Gump do Asilo Padre Cacique. E ele corresponde à fama de contador de histórias.
— Tem que ficar o dia inteiro aqui para ouvir — diz a figura de boina azul, manta quadriculada e óculos apoiados sobre o nariz.
Antigo líder comunitário de Porto Alegre e jornalista, continuou usando esses talentos depois de entrar na casa, em 2005. Participou por anos do jornalzinho interno, chamado O Cacique, onde tinha até um espaço opinativo: a "Coluna do Hemínio". Aproveitava para puxar a orelha dos colegas barulhentos, para elogiar funcionários e dar dicas de utilidade pública — "Cuidado rapaziada que não tem cabelo, os médicos falaram que tem que proteger a cabeça".
Com 93 anos, Hermínio não escreve mais o informativo. Mas ao se despedir da repórter, entrega a promessa — junto com alguns bombons Ouro Branco e dois pacotes de erva-mate:
— Vai sair! Não te preocupa: vai sair!
As artistas da casa
Duas tardes por semana, o subsolo do Asilo Padre Cacique se transforma em um ateliê. Voluntárias e moradoras unem forças para criar uma pilha de cachecóis em tricô, enfeites em crochê, sacolas de panos e outras peças feitas a mão.
A bancária aposentada Marilaine de Oliveira Bainha, 61 anos, é voluntária na oficina de artes manuais há 13 anos. Em vez de ensinar, muitas vezes é ela quem aprende. Já lhe ensinaram a fazer tartaruga de crochê e bolsa por ali.
Mas quem primeiro chega ao compromisso é a moradora Maria Loeny Kindlein, 79 anos. Nessa semana, trabalhava em uma esteira de crochê em formato de peixe, que visualiza decorando uma mesa ou uma estante na casa de um comprador sortudo. Estima que leve de uma ou duas semanas para terminar — mas entregar em larga escala nunca foi o objetivo da atividade mesmo.
— A gente faz crochê, conversa, ri, bobeia. Faz bem, distrai a cabeça — conta.
As linhas e materiais são recebidos como doação, e as peças confeccionadas são vendidas na recepção do asilo e em eventos para angariar verbas à instituição.
Comemoração
Para celebrar o aniversário de 120 anos do Asilo Padre Cacique, no dia 19, haverá uma programação especial aberta ao público. Uma cerimônia, com a participação da Banda do Exército, será realizada a partir das 9h, com missa às 10h. À tarde, vai rolar uma roda de samba, das 14h30min às 17h.
Como ajudar
— É possível realizar doações de valores com ou sem dedução no imposto de renda. Saiba como aqui.
— O asilo aceita alimentos não perecíveis, leite, café, produtos de higiene pessoal e de limpeza. No momento, há mais necessidade de fraldas geriátricas e medicamentos (AAS infantil, Enalapril 10 mg, Omeprazol 20mg, Captopril 50mg, gel hidratante Saf Gel, Dipirona gotas, Sinvastatina 20mg, Paracetamol 500mg e 750mg e Metformina 500mg e 850mg).
— Também é possível dar apoio aos idosos com visitas, programando eventos de recreação e desenvolvendo trabalho voluntário. Saiba mais pelo telefone (51) 3233-7571.
Você sabia? Construção do asilo teve mãozinha da princesa Isabel
— A instituição leva o nome do seu idealizador, Joaquim Cacique de Barros. O padre baiano começou a construção do então Asylo da Mendicidade (inicialmente para atender mendigos) em 1881, e era ao mesmo tempo administrador, operário e arquiteto.
— O imperador Dom Pedro II mandou suspender a obra em 1883, alegando que não concedera licença para a construção de uma casa de mendigos nos terrenos do Colégio Santa Tereza.
— Em viagem à Província do Rio Grande do Sul, em 1885, a princesa Isabel conheceu o padre Cacique e recebeu de moradores uma petição solicitando a revogação do embargo, a ser entregue a seu pai.
— Em 1887, quando o imperador teve que se afastar para tratamento de saúde, ela assumiu a regência do Império e revogou a ordem de embargo das obras, dando licença para a continuidade.
Fonte: Padre Cacique, A História Contada em Fotos (livro ainda não publicado)