"Se essa rua, se essa rua fosse minha... Eu mandava, eu mandava ladrilhar". Foi com velha cantiga na cabeça que a psicóloga Claudia Coelho, 47 anos, começou a transformar uma escadaria abandonada no maior orgulho do bairro Jardim Carvalho, na zona leste de Porto Alegre. Os 88 degraus que ligam as ruas Professor Antonio Peyrouton Louzada e Aristídes Rosa receberam mosaicos coloridos, técnica também utilizada para a construção de um pequeno palco em forma de violão no pé do morro. O ponto reouve o movimento do passado e de quebra ganhou um nome, que faz referência à canção popular: Escadaria Ladrilhar.
— Como diz a letra, a rua é nossa. O espaço que é mais teu do que qualquer outro é o público, nada mais justo que agarrar isso para a gente — diz ela.
Moradora do bairro desde criança, Claudia recorda que a escadaria nunca foi interessante. Com o passar do tempo, foi se degradando, juntando limo, gerando algumas quedas, e passou a ter um ar de insegurança — a psicóloga conta que era o ponto de fuga para ladrões que cometiam crimes no bairro. Foi em um sonho, literalmente, que ela vislumbrou a escadaria revitalizada e colorida. Bastou acordar para decidir que era possível inverter a lógica de abandono, que, na sua avaliação, estava muito vinculada aos problemas da rua — como o esgoto a céu aberto.
— Eu propus à comunidade: quem sabe a gente faz alguma coisa para Porto Alegre nos enxergar, para o poder público nos enxergar.
A psicóloga, que leva jeito com mosaico, conta que com R$ 5 mil arrecadados e a ajuda de cerca de 20 pessoas que "colocaram a mão na massa" conseguiu tirar o projeto do papel.
— A gente não precisa de muitas pessoas pra realizar um trabalho grandioso. Os valores são pequenos, e o número de pessoas também não é tão grande, mas o que vale é o jeito que isso se transforma.
A escadaria foi inaugurada com festa em dezembro do ano passado, e o palco foi providenciado na sequência, com o objetivo de que o lugar deixasse de ser uma passagem e convidasse as pessoas a ficar. A Ladrilhar já recebeu apresentação de bandas, aula comunitária de ioga e, na semana passada, ocorreu a projeção de um filme na escadaria, como um cinema a céu aberto. Cerca de 25 pessoas prestigiaram.
— A gente não só revitalizou o espaço, a gente revitalizou as relações. Têm vizinhos que eu não estava mais vendo com tanta frequência, algumas coisas estavam se perdendo.
Melhorias na iluminação, os moradores já conseguiram com o poder público. Agora, eles querem pleitear um corrimão, para dar mais segurança, principalmente, aos idosos.
— Não existe nenhuma ação que esteja desvinculada de política. É óbvio que a gente não vai ser ingênuo de achar que vai fazer o papel do poder publico, dos governos, mas a gente precisa mostrar que tem a força.
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