Com dificuldades para se adequar às regras para renovar parcerias com a prefeitura que vencem no final do mês, dezenas de entidades que atendem crianças pequenas e pessoas em situação de vulnerabilidade temem deixar de receber repasses do governo — e ter de interromper atividades.
Os atuais convênios com o poder público vão até o dia 31. Parte das instituições ainda não tem toda a documentação exigida para firmar um novo termo de parceria nos moldes do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, aprovado em 2014. Sem recursos e pedindo apoio à prefeitura, a regularização até o fim deste ano parece inatingível — alguns processos costumam levar meses.
— A gente vive com a água quase no pescoço — diz Jussara Cabeda, presidente do Centro Comunitário Jardim Renascença, no bairro Cascata.
A instituição, que atende mais de 90 crianças com escola de Educação Infantil e serviço de convivência no contraturno das aulas, precisa apresentar um Plano de Prevenção contra Incêndio (PPCI), mas não tem dinheiro para o projeto. Na área onde está inserida, não há outras que prestam os mesmos serviços.
— Há lugares em que fechar uma creche é um problema sério, porque é a única — observa Luiz Alberto Mincarone, coordenador geral do Fórum Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Nas 163 entidades conveniadas à Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), as pendências mais frequentes eram falta de liberação pela Vigilância Sanitária (115 casos), ausência de PPCI (89 casos) e inexistência de alvará de localização (72 casos). A fundação não informou quantas conveniadas estão em dia com as normas.
Fasc diz que alternativas estão sendo estudadas
Na Secretaria Municipal de Educação (Smed), cujas parcerias atendem mais de 19 mil crianças em creches, cerca de 20 instituições ainda não haviam conseguido se regularizar, frente a aproximadamente 200 que já estavam devidamente credenciadas e prontas para prorrogar os serviços por pelo menos dois anos. A falta de certidões negativas de débito também é uma das dificuldades enfrentadas.
— É inevitável que algumas não consigam atender aos critérios, mas será uma minoria — argumenta o secretário de Educação, Adriano Naves de Brito. — Teremos de fazer chamamento público para o atendimento dessas vagas.
As entidades queixam-se de falta de apoio da prefeitura. Presidente do Conselho Municipal de Assistência Social, Maria de Fátima Cardoso do Rosário afirma que a Fasc não disponibilizou técnicos para ajudá-las a se regularizar, nem estabeleceu um diálogo com o conselho.
Não podemos comprometer o serviço público em função de uma burocracia.
ANA PAULA RODRIGUES
Coordenadora da assessoria jurídica da Fasc
Representante do Fórum dos Trabalhadores do Sistema Único da Assistência Social, Jucemara Beltrami mostra preocupação com as pequenas instituições, que ficam em regiões mais vulneráveis. Lembra que várias entidades, especialmente em vilas, estão em áreas que não são regularizadas e não podem comprovar posse do imóvel.
É o caso da Associação Madre Teresa de Jesus, no Morro Santana, que comprou um imóvel em área invadida.
A entidade ingressou no ano passado com ação de usucapião, mas a decisão judicial ainda não saiu. Também conseguiu ajuda de um engenheiro e, em fevereiro, entrou com pedido para o PPCI.
— Estamos lutando muito — relata Valéria Santoro, vice-presidente voluntária da organização.
Coordenadora da assessoria jurídica da Fasc, Ana Paula Rodrigues admite que existem casos de instituições que não têm alvará de localização por estarem em área verde ou em razão de cedência de área, mas ameniza:
— Não é nada que seja tão grave que não se possa solucionar.
Ela destaca que a Fasc "não tem interesse em rescindir convênios". Sem especificar quais, a fundação diz que estão sendo estudadas alternativas:
— Não podemos comprometer o serviço público em função de uma burocracia.
Clima é de preocupação
Em uma Brizoleta ao lado da Praça Nossa Senhora de Belém, em Belém Velho, a criançada corre animada, sem tomar ciência das preocupações da tesoureira Heloísa Viñolo, membro da diretoria voluntária da Associação Comunitária de Belém Velho (Ascobev). Para completar a documentação e continuar recebendo os repasses da prefeitura, a instituição de convivência e fortalecimento de vínculos precisa do PPCI.
— Por enquanto, temos só extintores de incêndio — diz.
O problema é o dinheiro: a entidade não tem verbas em caixa. Heloísa conta que, recentemente, gastou do bolso para comprar carne para as crianças.
A assessora jurídica da Fasc afirma que foi criada uma comissão, liderada pela Secretaria de Relações Institucionais e com fluxo dentro de várias pastas, que analisa formas de ajudar as organizações a apresentarem o mais rápido possível todos os alvarás. O secretário de Educação acrescenta que um eventual repasse extra para as instituições não tem previsão legal.
O marco regulatório
- Embora, em Porto Alegre, as áreas de assistência social e educação sejam as mais afetadas, o Marco Regulatório, sob a Lei nº 13.019/2014, estabelece regras para as relações entre as organizações da sociedade civil e o poder público nas mais diferentes áreas.
- O marco entrou em vigor para União e Estados em 2016 e, nos municípios, em janeiro deste ano, tendo aplicação regulamentada com decreto do prefeito Nelson Marchezan em junho.
- Uma das principais modificações trazidas pela legislação é a priorização do chamamento público para a seleção das entidades que firmarão parceria.
- Em um primeiro momento, instituições já conveniadas a Smed e Fasc foram dispensadas deste processo. Mas o termo de parceria, que precisa ser firmado até 1º de janeiro, de acordo com o secretário de Educação, terá validade de dois anos — depois, elas terão de participar da concorrência.