De "encoxadas" no corredor lotado a encostar o pênis na vítima durante a viagem: ataques a mulheres em ônibus e no trem não são novidade. Buscando torná-los menos corriqueiros, um projeto de lei que pode ser votado nesta quarta-feira (1º) na Câmara Municipal de Porto Alegre estabelece o Programa de Combate ao Assédio Sexual no Transporte Coletivo.
A intenção é fazer que as empresas de transporte se empenhem mais em coibir abusos — prevê campanhas educativas para estimular denúncias, criação de ouvidorias para receber relatos e encaminhá-los à polícia e treinamento da tripulação dos veículos sobre como proceder.
Responsável pela Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam), Tatiana Barreira Bastos afirma que não dispõe de estatísticas sobre ataques a mulheres no transporte público da Capital — já que os registros são catalogados por crimes, e não pelo espaço onde são praticados —, mas garante que a quantidade de boletins de ocorrência é muito inferior ao número real de abusos. A delegada acrescenta que, quando ocorrem casos de grande repercussão, como o do homem que foi detido em São Paulo por ejacular em mulheres, é perceptível o aumento na procura pelas delegacias.
— Não é porque acontece com frequência que vamos dizer que é algo aceitável ou natural. Não é. Isso é muito pautado nas questões de gênero, de o homem se sentir legitimado a agir dessa forma. Se nós mulheres não fizermos nada, mais legitimado eles vão se sentir — destaca Tatiana, lembrando que testemunhas também podem denunciar.
A delegada relata casos graves no transporte coletivo de Porto Alegre — há alguns meses, uma mulher contou ter sido ameaçada com uma faca para masturbar o agressor durante viagem. Mas a policial destaca que abusos como as "encoxadas" também precisam ser denunciados:
— Se não tiver violência ou grave ameaça, é uma importunação ofensiva ao pudor. Ele vai ser identificado, vai ser responsabilizado. Muitas vezes, não vai ser preso, mas vai ter um ônus, uma sanção penal para aquilo, e isso está gerando um antecedente criminal para ele. Agora, se nada for feito, vão progredindo na violência.
Para elaborar o projeto que tramita na Câmara, a vereadora Fernanda Melchionna (PSOL) utilizou uma pesquisa divulgada no ano passado pela organização internacional de combate à pobreza ActionAid _ o levantamento cita que 86% das mulheres brasileiras ouvidas sofreram assédio em público e 68% das entrevistadas disseram que viagens no transporte público estão entre as situações em que sentiram mais medo.
— A gente quer uma política que comece a desnaturalizar o que não é natural — destaca Fernanda.
A própria vereadora lembra de um caso de assédio que sofreu aos 12 anos em uma viagem intermunicipal, quando um homem tentou lhe tocar. Conta que, assustada e insegura, trocou de assento.
— Mas, se tivesse uma campanha educativa, eu saberia que podia ter falado para o motorista e poderíamos ter deixado esse cara na Polícia Rodoviária Federal para ser preso — acrescenta.
Treinamento inexistente
GaúchaZH questionou os consórcios que operam o sistema em Porto Alegre e a Carris, que é empresa pública. O consórcio Mob respondeu que não há um registro específico de reclamações de assédio e que não há um treinamento específico para motoristas e cobradores em relação ao tema. A Carris afirma que já recebeu queixas de usuárias, sem informar quantas, e garante que "sempre presta assistência à vítima na hora do ocorrido, oferecendo os meios necessários para efetivação das medidas que ele ou ela queiram adotar" e que as tripulações comunicam imediatamente o fato para registro pelo Departamento de Operações da Companhia.
Por meio da assessoria de comunicação da Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP), na manhã desta quarta (1°), os consórcios Viva Sul, Mais e Via Leste afirmaram que não tem nenhum registro de reclamação sobre assédio.
Na Trensurb, 12 queixas e relatos de assédio foram recebidos neste ano. A empresa informa que usuários que presenciarem ou forem vítimas de violência ou assédio no trem urbano podem entrar em contato por meio do telefone de emergência (51) 3363-8026 ou mandar SMS para o canal de denúncias/emergências (51) 98463-9836. Se a situação for recente ou estiver ocorrendo no momento, o agente de segurança mais próximo se desloca até o local e a Brigada Militar é acionada.
Como denunciar
A ocorrência de assédio pode ser registrada em qualquer delegacia de polícia. Também é possível ligar para o Disque Denúncia, 181.
Para obter informações, há o Ligue 180, canal direto de orientação sobre direitos e serviços públicos para a população feminina em todo o país. Também é possível tirar dúvidas pelo telefone da Deam de Porto Alegre: (51) 3288-2172.
Se você estiver sendo assediada, peça ajuda ao cobrador ou a outros passageiros. É possível acionar a Brigada Militar pelo 190.
Dois ataques com desfechos diferentes
Em 29 de setembro, Porto Alegre teve um caso semelhante ao que gerou repercussão nacional em São Paulo algumas semanas antes. Um homem foi preso em flagrante por estupro contra uma jovem de 18 anos dentro de um ônibus da linha T4, na Zona Norte. Conforme a Polícia Civil, passageiros detiveram o homem e impediram que o ônibus seguisse viagem. O coletivo ficou parado até a chegada de uma equipe de policiais na Rua Dom Diogo Souza.
Conforme testemunhas contaram aos policiais, o homem estava de pé no corredor do ônibus e se aproveitava para encostar o órgão genital em uma passageira. A mulher teria insurgido contra o suspeito, recebendo o apoio de outras pessoas que também estavam no ônibus. Uma outra jovem, também de 18 anos, afirmou que o mesmo homem abusou dela na linha.
O segundo caso, na linha T3, em 19 de outubro, ainda não foi esclarecido. Um vídeo que circulou na internet mostra um homem sendo expulso pelos passageiros de veículo da Linha T3. A companhia afirma que motorista e cobrador questionaram a suposta vítima, logo após o ocorrido, para saber se ela queria chamar a polícia, mas a mulher solicitou seguir a viagem normalmente. A conduta do homem reprimido pelos usuários não foi confirmada, e as imagens do veículo não elucidaram o que ocorreu, mas a Carris registrou a ocorrência de suspeita de assédio na 2ª Delegacia da Polícia Civil. Segundo o delegado Cesar Carrion, porém, sem a vítima ou alguma testemunha que tenha visto o que o homem fez, não é possível dar continuidade à investigação.
Vagão para mulheres é adotado em outras capitais
Os frequentes casos de assédio levaram à criação de vagões só para mulheres em metrôs e trens de capitais brasileiras. No final do ano passado, o chamado "vagão rosa" começou a operar em Belo Horizonte (MG), e, em janeiro deste ano, foi a vez de Recife (PE).
A iniciativa já existe desde 2006 no metrô do Rio de Janeiro. Há, inclusive, lei que garante vagão exclusivo para mulheres em trens e metrô. A medida foi regulamentada pelo governo do Rio em agosto deste ano, e infratores podem pagar multa.