Declarações de Nelson Marchezan sobre os problemas de gestão e o alto custo da Carris aos cofres públicos – mais de R$ 50 milhões por ano, segundo o prefeito – provocaram uma mobilização de uma parte dos funcionários e de um grupo de vereadores e colocaram a centenária empresa pública de ônibus no centro de mais uma polêmica na Capital.
Na Rádio Gaúcha, dia 21 de setembro, Marchezan disse que o índice de roubo de peças dos ônibus é muito grande. A resposta o veio em forma de mensagens pela internet e em um panfleto distribuído aos passageiros nos terminais de ônibus, que acusa o prefeito de tentar “desmoralizar a empresa Carris e seus funcionários”.
– Fizemos quase 10 mil panfletos. Foi a maneira que achamos de mostrar o que está acontecendo. Ele (Marchezan) está numa tentativa desesperada de colocar a população contra nós. Está atacando a Carris de forma grosseira, jogando ao vento coisas que não tem nem provas – diz Felipe Suteles, delegado sindical da empresa.
O texto é assinado pela Frente Parlamentar em Defesa da Carris e do Transporte Público de Qualidade, grupo formado por vereadores e representantes dos funcionários, presidido pelo vereador Roberto Robaina (PSOL). Na manifestação, a Frente diz que o furto de peças nunca foi provado. Procurado por ZH para tratar do assunto, o gabinete de Marchezan encaminhou as questões à Carris, que respondeu por meio de nota. Segundo a direção da empresa, as informações de auditorias que verificaram o desaparecimento de materiais serão encaminhadas à Justiça "no momento oportuno".
A Frente critica outras manifestações de Marchezan, como a entrega de R$ 10 milhões em prêmios motivacionais nos últimos cinco anos – o grupo diz que, na verdade, foram R$ 3 milhões. Ainda rebatem a crítica do prefeito sobre "a impossibilidade" de demitir maus funcionários – conforme o texto, basta comprovar a má conduta em sindicância.
Problema bem conhecido pelos passageiros, a razão para a falta de ônibus – e o mau estado dos que circulam – também é um ponto de divergências. As mensagens da Frente dizem que desde 2016 não há licitação para aquisição de peças e listam os ônibus que estão parados na garagem por falta de material. Em nota, a prefeitura argumenta que está realizando licitações, que teriam sido revisadas para obter melhoria de preços.
– Os rodoviários acordaram para o problema. Montamos uma frente contrária à privatização, para levantar argumentos que demonstrem que isso é um grave erro e dar um canal para que os trabalhadores se empoderem. A Carris tem um papel de reguladora do mercado, pode ter mecanismos de controle adotados pela própria cidadania e pelos rodoviários – argumenta o vereador do PSOL, cujo gabinete custeou os panfletos distribuídos pelos funcionários.
Segundo Suteles, orientações da prefeitura e da direção da Carris nos últimos meses têm dificultado ainda mais o trabalho dos funcionários e a circulação das linhas da empresa na Capital. Em março, foram proibidas horas extras. E uma prática comum na Carris para driblar a falta de peças – a retirada de peças boas de ônibus estragados para consertar outros – foi vedada.
– A desculpa era de que havia veículos muito sucateados. É verdade, mas esses fizeram muitos outros rodarem. Hoje, não tem essa opção, e os ônibus parados representam prejuízo. O prefeito estabeleceu um prazo de um ano para a Carris melhorar, mas não deu condições para que a gente pudesse reerguer a empresa – protesta Suteles, acrescentando que, desde abril, rodoviários têm passado por revistas na entrada e na saída do expediente.
Em agosto, o Ministério Público de Contas (MPC) pediu ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) a realização de uma auditoria operacional na Carris. A manifestação ocorreu depois de uma representação encaminhada pela Comissão de Funcionários da empresa, juntamente com o PT, em maio.
A representação, assinada pelo procurador-geral Geraldo Da Camino, pedia que fossem analisadas supostas inconformidades relacionadas à falta de investimentos na estrutura da empresa, prejuízos acumulados nas últimas gestões e ao sucateamento da frota. Segundo Da Camino, uma manifestação sobre o assunto deve ocorrer durante o dia de hoje.
OS PONTOS DA CONTROVÉRSIA
Veja as críticas feitas por Marchezan e respondidas pela Frente Parlamentar em Defesa da Carris e do Transporte Público de Qualidade. E as acusações da Frente, respondidas pela direção da Carris por nota
Furto de peças
O QUE DIZ A CARRIS: a Controladoria Geral do Município e auditorias reportaram graves falhas, inconsistências e o desaparecimento de materiais estocados da Companhia Carris. O procedimento de gestão de peças demonstrou diferenças entre o estoque físico e o que está no sistema de estoque. Essas divergências ocorrem por controle inadequado no processo, falhas operacionais e desvios. A Carris ressalta que todas as apurações serão encaminhadas à Justiça no momento oportuno, e que está tomando as providências indicadas em relação aos apontamentos, como mapeamento dos pontos críticos, organização dos fluxos de estoque e controle do setor de almoxarifado.
O QUE RESPONDE A FRENTE: não há provas ou registros das câmeras de vigilância sobre furtos.
Falta de peças
O QUE DIZ A FRENTE: desde dezembro de 2016, não há licitação para compra de peças. O uso de peças de veículos parados para arrumar ônibus que podem rodar e minimizar a falta de componentes foi proibido, aumentando a falta de carros na rua.
O QUE RESPONDE A CARRIS: a gestão atual está realizando a aquisição de peças, de acordo com o processo licitatório (Lei 8.666/93), e atendendo ao Decreto 19.645/2017, de janeiro de 2017, que prevê a revisão de contratos e a melhoria de preços nas negociações. As peças necessárias para a manutenção dos veículos estão sendo licitadas. O intercâmbio de peças afeta o controle de rastreabilidade, onerando o custo de mão de obra (retirar de um carro, colocar no outro e novamente para recolocar no primeiro) comparado com o custo do serviço de mão de obra quando existe a peça e se aloca no coletivo com a necessidade de reparo. Além disso, muitas peças de um coletivo já saem de fábrica com numeração controlada pelo Detran (Certificado de Registro do Veículo).
Revista em funcionários
O QUE DIZ A FRENTE: a direção da empresa está fazendo revistas na entrada e na saída do expediente, submetendo funcionários a constrangimento.
O QUE RESPONDE A CARRIS: o processo de revista é visual, sendo realizado apenas em carros e bolsas ou mochilas, e consiste num procedimento interno com embasamento legal que tem por objetivo a segurança patrimonial e dos funcionários.
Dificuldade para demitir
O QUE DIZ A CARRIS: as dificuldades para demitir ocorrem devido à rigidez na comprovação de atos irregulares e a fragilidade de leis que possibilitam processos contra a empresa e a reintegração dos funcionários.
O QUE RESPONDE A FRENTE: não há lei impossibilitando que maus funcionários sejam demitidos. Apenas é preciso comprovar em sindicância a má conduta.
Prêmio motivacional
O QUE DIZ A CARRIS: ao todo, 1.937 colaboradores receberam o prêmio, número que corresponde à parcela de 85,2% dos funcionários no ano de 2016. Os critérios contemplam metas individuais e coletivas, além de uma gratificação natalina. Nos últimos cinco anos foram investidos em torno de R$ 10 milhões em prêmios.
O QUE RESPONDE A FRENTE: o valor citado pela prefeitura é inflado – na verdade, seria de R$ 3 milhões.
CCs
O QUE DIZ A FRENTE: enquanto a prefeitura proibiu horas-extras e diz não ter verbas para compra de peças, contrata cargos em comissão para a Carris.
O QUE RESPONDE A CARRIS: a Carris reduziu o número de CCs. Tem 21 cargos, 0,9% do quadro funcional. Os CCs foram contratados por avaliação de conhecimento técnico e passaram por processo seletivo conforme a lei. A remuneração dos CCs corresponde a 3,8% da folha de pagamento da companhia.