O mandato de Nelson Marchezan na prefeitura de Porto Alegre está perto de completar um ano marcado pelo expressivo número de baixas nos primeiros escalões. Pelo menos 18 colaboradores com funções de liderança limparam as gavetas até novembro — o que resulta, em média, na perda de um auxiliar graduado a cada duas semanas e meia.
Ao sair, a maioria dos afastados alega "razões pessoais", mas os reais motivos para a debandada são outros. As verdadeiras causas somam a dificuldade de adaptação ao estilo de Marchezan, visto como centralizador e pouco flexível, a problemas estruturais do município, como falta de recursos e excesso de burocracia para destravar projetos. O prefeito considera normal o número de saídas do primeiro escalão (veja aqui a entrevista completa).
Dos 18 nomes em postos estratégicos que buscaram novos rumos, apenas dois foram exonerados por decisão da prefeitura. Os demais decidiram entregar o cargo depois de ficar poucos meses na cadeira — em alguns casos, poucos dias. O ex-diretor de jornalismo Alexandre Bach, por exemplo, permaneceu três semanas no Paço Municipal até desistir do serviço público, sob a justificativa de que não conseguia conciliar a atividade no município com projetos particulares.
O peso dos demissionários também chama atenção: um dos principais articuladores da eleição do tucano, o progressista Kevin Krieger saiu ainda em maio. Até agora, deixaram a gestão quatro secretários, um secretário adjunto, oito diretores, dois procuradores e o líder do governo na Câmara de Vereadores, entre outras funções de alto nível.
GaúchaZH conversou, sob condição de anonimato, com oito ex-colaboradores que pediram afastamento. Somente dois confirmaram as versões oficiais para as suas saídas. Os demais apontaram uma combinação entre o método de trabalho de Marchezan e a difícil situação estrutural da prefeitura como a causa das defecções precoces.
Em relação ao perfil do prefeito, uma das queixas mais frequentes é a condição exaustiva e, para alguns, contraproducente de serviço.
— O Marchezan costuma delegar ideias genéricas de projetos. Aí, quando tu apresentas o projeto, ele vai no detalhe do detalhe e faz um monte de pedidos que jamais haviam sido mencionados antes. Pede mil coisas diferentes. Então tu tens de refazer todo o trabalho uma, duas, três vezes. Profissionais mais gabaritados não costumam se sujeitar a isso — comenta um ex-integrante do primeiro escalão.
A gente se submete ou vai embora. Optei por sair
EX-INTEGRANTE DA PREFEITURA
A falta de autonomia é outra constante entre as razões secretas de quem abandonou o cargo. Embora não se manifestem sobre suas renúncias, os ex-secretários Kevin Krieger e Maria de Fátima Paludo foram abatidos por esse viés da atual gestão. Kevin não recebeu poder suficiente para fazer a articulação política do governo, e Maria de Fátima viu um projeto de revitalização do Viaduto Otávio Rocha ser freado por Marchezan.
— Não se tem autonomia. Quem tem a caneta é o prefeito, e a gente se submete ou vai embora. Eu optei por sair. A gente sempre tem de agir de acordo com as diretrizes gerais de um governo, mas, dentro disso, precisa ter liberdade de ação — conta uma pessoa com passagem pelo primeiro escalão.
Para especialistas, confrontos frequentes e instabilidade prejudicam gestão
Tantas trocas em pouco tempo, segundo o advogado e especialista em Gestão Pública Ney Francisco Hoff Jr., prejudicam a prestação de serviços à população por parte do governo:
— A gestão pública precisa consolidar processos, e isso ocorre por meio da continuidade nos postos de comando, além dos princípios. Quando há uma maior estabilidade, aumenta a chance de as políticas se tornarem mais efetivas para o cidadão.
A professora de Gestão de Pessoas da PUCRS e consultora organizacional Loraine Bothomé Müller afirma que, na iniciativa privada, chama-se de "análise de turnover" a avaliação da rotatividade de pessoal.
— Quando se trocam frequentemente as pessoas subordinadas a um gestor, é hora de parar para pensar. O conflito é bom, mas o confronto, não. Conflito é quando há divergência de ideias. Confronto traz a ideia de que alguém deve perder — diz Loraine.
Os confrontos têm sido frequentes no governo municipal, em crise com os próprios servidores e com a Câmara Municipal — agravada pela declaração de Marchezan de que "parlamentar é cagão", dada em um congresso do MBL. Esses estremecimentos, segundo os demissionários, também comprometem o ambiente interno de trabalho e o andamento de projetos. Sobram frustração e vontade de dar adeus ao serviço público.
— Só fica quem tem interesse político ou precisa do emprego. Se não, tu acaba só te queimando — resume um dos principais nomes a deixar a prefeitura neste tumultuado primeiro ano de mandato.
Burocracia e revolta de servidores contribuem para saídas
Não se resumem à figura do prefeito Nelson Marchezan as razões que têm levado muitas pessoas a deixar o governo municipal. Obstáculos como uma pesada burocracia, falta de recursos e a contrariedade de parte do funcionalismo de carreira em abraçar os planos da atual gestão também compõem a receita que ocupantes de cargos de alto nível se recusam a engolir.
Profissionais oriundos da iniciativa privada ou com carreiras sólidas em outras áreas do setor público se viram às voltas com um cenário desgastante. Têm de liderar servidores revoltados com propostas de mudanças em planos de carreira, nos hábitos de trabalho e com salários parcelados. Além disso, faltam recursos para implantar as políticas — a prefeitura pode ter déficit superior a R$ 700 milhões no ano que vem.
— Tem servidores que cruzam os braços, então fica uma situação bastante difícil — comenta um ex-secretário.
É uma enrolação sem fim. O problema da prefeitura é cultural
EX-TITULAR DE SECRETARIA
Diretor-geral do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), Alberto Terres sustenta que os servidores tentam prestar o melhor serviço possível, mas são afetados por más condições de trabalho que incluem falta de pessoal e de equipamentos:
— Na emergência de saúde mental da Vila Cruzeiro, temos 27, 30 pessoas internadas para dois técnicos em enfermagem e uma enfermeira. Faltam equipamentos no meio ambiente para cuidar de árvores e praças. O servidor é contra o sucateamento do serviço público promovido por essa gestão.
Em meio a tudo isso, a reforma administrativa profunda, feita de uma vez só no início do ano, extinguiu secretarias e unificou outras, o que exige tempo de adaptação às novas rotinas.
— A reforma administrativa foi muito grande, e é natural que tenha desorganizado muitos setores. Talvez fosse melhor ir fazendo por partes — opina o mesmo ex-secretário.
O ex-titular de outra secretaria exemplifica o desgaste para fazer andar medidas simples:
— Nós queríamos oferecer um serviço para as pessoas no verão, mas aí começa a confusão. A gente faz uma autorização de pagamento, vai para a Fazenda, a Fazenda nega, o assunto vai para um comitê gestor, é uma enrolação sem fim. O problema da prefeitura é cultural.