A música que marcou gerações de torcedores de Imperadores do Samba e Bambas da Orgia agora dá nome a uma apresentação inédita nesta terça-feira (31), no Teatro Renascença, em Porto Alegre. No show, chamado Só tem um problema nesse amor, a velha guarda das duas escolas de samba deixa a rivalidade de lado e divide o mesmo palco.
A música chamada Caso de Amor, escrita por Edson Vieira no início da década de 1990, conta a história de um amor (quase) perfeito — só havia um problema entre o casal: um deles é Bambas, o outro é Imperadores. A composição se tornou sucesso e foi reproduzida por diversos cantores do Carnaval porto-alegrense, mas foi na voz de Carlos Medina (1947-2011) — intérprete da Imperadores em 15 carnavais e dos Bambas em dois — que se tornou marcante.
A idealização e produção do show é de Nilton Pereira. Ele esteve à frente da bateria dos Bambas por mais de 15 anos e é um dos ensaiadores mais antigos e de maior reconhecimento no Carnaval da cidade. Conhecido entre os carnavalescos por Mestre Nilton — título que recebeu do público após ter alcançado nota máxima junto à bateria por oito anos consecutivos —, ele criou há três anos a Velha Guarda da Bateria dos Bambas da Orgia. O grupo é formado por ritmistas que tocaram na escola na época em que os ensaios eram realizados no Força e Luz, local alugado como sede da azul e branco entre o final da década 1970 e início da década de 1990.
Graças ao projeto, antigos ritmistas dos Bambas que não faziam mais parte da bateria oficial puderam voltar a tocar. A Velha Guarda da Bateria se tornou um sucesso entre as demais agremiações e passou a ser convidada para diversas apresentações. Com tamanha repercussão, um ano depois, surgiu a ideia de complementar o grupo com a criação da Velha Guarda Musical, composta por voz, cavaco e violão. O êxito, segundo Nilton, se deve à grande amizade que já existia entre os componentes.
A maior parte do grupo tem mais de 60 anos. Conforme Nilton, são pessoas que já fizeram muito pela escola, até tirar dinheiro do próprio bolso para ajudar a entidade. Mesmo assim, por vezes, foram tratados com alguma indiferença ou excluídos de determinadas atividades por serem veteranos.
— O projeto foi como reacender um braseiro. O pessoal está com a autoestima lá em cima. Tem um caso bem especial de um integrante que tinha perdido a esposa e logo depois perdeu a filha. Quando surgiu o projeto da Velha Guarda da Bateria, ele não queria participar, mas acabou indo por insistência dos amigos. Há pouco tempo, ele nos revelou que foi a convivência com o grupo que o tirou da tristeza — relata Nilton.
A Velha Guarda da Bateria já realizou dois grandes shows: em 2015 e em 2016, ambos no Teatro Renascença. Em 2017, a intenção era surpreender, então, surgiu a ideia de unir as duas grandes rivais do Carnaval da Capital.
— A ideia de fazer um show com as duas escolas surgiu de um lampejo despretensioso. Quando falei para a Velha Guarda dos Bambas, alguns ficaram receosos, o que é normal dentro da rivalidade que existe entre as duas escolas, mas a maioria gostou. Com os encontros, a certeza de que daria certo foi crescendo, e a relação entre os grupos foi amadurecendo. Fizemos os primeiros ensaios separados e, quando unimos os dois grupos, a afinidade foi maravilhosa — conta Nilton.
Rodrigo Costa, presidente da Imperadores do Samba, relata que sempre foi a favor da união de Bambas e Imperadores em função da tradição e representatividade das duas escolas, mas que nunca conseguiu ter um retorno disso na mesma proporção.
— Quando falei do convite à velha guarda, todos ficaram muito emocionados, pois se sentiram valorizados. Desde que receberam a notícia, eles estão em êxtase — ressalta o presidente.
Projeto valoriza membros antigos
Para Rodrigo, a melhor coisa do projeto é privilegiar os componentes mais antigos da escola, para mostrar que é preciso valorizá-los. E que é assim, com união, que se faz Carnaval. Além disso, ele conta que a proposta veio ao encontro do trabalho de valorização que ele tem procurado fazer com o grupo.
Ademira da Silva, 69 anos, é componente da Velha Guarda da vermelho e branco. Ela está tão feliz com o companheirismo do grupo que não sabe o que vai fazer quando os ensaios acabarem.
— Estou me sentindo valorizada, não quero que termine — diz, aos risos.
Mas os benefícios dessa união vão além da questão musical e carnavalesca. Silvio Luiz Garcias, 65 anos, integrante da Velha Guarda da Imperadores, afirma que os ensaios para a apresentação ocupam muito mais do que tempo.
— Os encontros preenchem lacunas que antes eram ocupadas por problemas. Agora, temos um dia da semana só para nos divertirmos. Além disso, o projeto reavivou nossa autoestima. Ficamos velhos e passamos a ser vistos como inúteis, somos preteridos. Agora, estamos nos sentindo importantes. A música tem uma vibração muito positiva. Nos ensaios, cantamos e damos muita risada. É muito saudável — conta Silvio.
A coordenadora da ala de baianas e integrante da Velha Guarda dos Bambas Neuza Moraes diz que o sentimento mais importante que se formou no grupo é o de igualdade.
— Criamos uma amizade que fez a rivalidade ficar em segundo plano. Hoje, nos abraçamos e convivemos sem nenhuma diferença — afirma Neuza.
Claudio Vieira, 81 anos, é a voz oficial da Velha Guarda Musical dos Bambas da Orgia. Apelidado carinhosamente por Nilton de "carro-chefe", ele já foi presidente, atuou em diversos cargos e é um dos mais antigos componentes da azul e branco. E se depender dele, a parceria será duradoura.
— A rivalidade é só no desfile. Agora, o clima é de confraternização — afirma.
Sobre a possibilidade de continuidade, Nilton afirma que ela existe.
— O pessoal tem demonstrado vontade de seguir com o projeto. O fato de todos estarem felizes mostra que é possível esse convívio, pois mais do que rivalidade, há respeito e prazer em fazer as coisas juntos — afirma o mestre.
Mas ele confessa que, mesmo assim, sempre rola uma "corneta":
— Se alguém erra, o outro grupo já faz piada e vira uma diversão só. Nos ensaios, cada escola fica de um lado, mas na hora das fotos eles gostam mesmo é de se misturar. Estou muito satisfeito de isso ter dado tão certo, tudo foi acontecendo de forma muito espontânea, então, naturalmente, da união da velha guarda das duas escolas, vai permanecer o projeto Só tem um problema nesse amor.
Serviço
Velha Guarda Musical de Bambas da Orgia e Imperadores do Samba apresenta o show Só tem um problema nesse amor.
Data: 31 de outubro, às 21h
Local: Teatro Renascença (Avenida Erico Verissimo, 307, Porto Alegre)
Ingressos: dois quilos de alimento não perecível
O teatro dispõe de 284 lugares, e os ingressos serão disponibilizados mediante a retirada de senhas distribuídas uma hora antes do início do show.
Falando em Carlos Medina
Haverá um tributo ao intérprete no dia 23 de novembro, às 20h, no Centro Cultural CEEE Erico Veríssimo (Rua dos Andradas, 1.226, Porto Alegre).
Ingressos disponíveis a R$ 25, a partir de 1º de novembro, no Fatirrê Centro de Beleza Afro.