Uma festa de formatura realizada na noite de sexta-feira (4), em Porto Alegre, terminou em ocorrência policial por agressão, supostamente motivada por homofobia.
Na madrugada de sábado (5), um dos convidados, o psicólogo e empresário Marcus Vinicio Soares Beccon, 53 anos, esteve no Palácio da Polícia para relatar ter sido imobilizado no piso do salão de festas da Associação Leopoldina Juvenil e ter recebido tapas e chutes de um grupo de homens. As agressões teriam ocorrido depois de um beijo entre ele e seu namorado, o universitário Raul Silveira Weiss, 22 anos.
Vini Beccon, como é conhecido, submeteu-se a exame de corpo de delito no Departamento Médico Legal. Ele tornou o caso público no fim de semana, pelas redes sociais – postou fotos que mostram ferimentos nos braços.
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A festa foi organizada para celebrar a formatura de uma aluna da Faculdade de Direito da PUCRS (Zero Hora não está divulgando os nomes porque a polícia ainda não examinou a ocorrência e não confirmou os nomes dos envolvidos). Weiss, que está no último semestre do curso e foi colega da formanda, era um dos convidados. De acordo com o relato de Beccon, por volta da 1h40min do sábado, depois de receber um beijo rápido de Weiss no salão, um grupo de homens aproximou-se:
– Vieram o pai da formanda e mais dois ou três, não sei. Eles vieram dançando em volta, só homens, bem perto, apesar de ter espaço, e lançaram bebida em cima da gente. Não me dei conta de que tinha sido com conivência do pai dela. Como já era a segunda ou terceira vez que jogavam bebida assim em nós, fui falar com ele.
Beccon conta que se aproximou do pai da formanda e pediu providências. Segundo seu relato, o pai respondeu que não tinha acontecido nada demais. O convidado insistiu, afirmando que haviam atirado bebida nele e no namorado. Segundo a versão de Beccon, o pai teria dito: "Olha aqui, vagabundo. Faz assim: vocês vão embora, que vocês é que estão incomodando e isto não é lugar para vocês". "Está bem, mas fui convidado por sua filha, e isto é homofobia. Vou me despedir dela e dizer que fomos expulsos", teria sido a resposta do psicólogo.
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Quando ele se virou para chamar o namorado, que estava próximo, teria sido derrubado pelos homens que haviam jogado bebida nele. O pai da formanda, segundo Beccon, seria um dos agressores. Beccon diz que foi imobilizado com força no chão, enquanto recebia pontapés nas pernas e tapas no rosto.
– Ouvi a palavra vagabundo, aí me pegaram pelas costas, me arrastaram pelo salão por uns dois metros, na frente de todo mundo, e me deram chutes e tapas. Enquanto davam tapas, tentei pegar meu celular, mas o pai da formanda arrancou-o de mim. Davam aqueles tapas de mão aberta e diziam: "Viado! Vagabundo!". E o pai dela dizia: "Aqui não é lugar para vocês, eu te falei". O Raul tentava chegar perto, me socorrer, senti a mão dele tentando me puxar, mas foi segurado. Disseram: "Cala a boca ou tu vais apanhar também". Então eu vi que deixaram a mãe da formanda entrar no meio do grupo. Eu disse: "Vou processar vocês". Vi que ela fez cara de apavorada. Depois eu soube que ela é advogada. Ela falou: "Larga ele". Foi aí que me soltaram.
A agressão teria durado cerca de três minutos. Os responsáveis seriam homens na faixa dos 40 ou 50 anos. Conforme o relato de Beccon, depois que os agressores se afastaram, seguranças da festa aproximaram-se. Ele diz ter pensado que seria socorrido, mas os seguranças o teriam levantado à força e arrastado para fora do clube.
– Me arrastaram no meio de todo mundo, me segurando firme pelo braço. Para quem olhava parecia que eu que tinha feito alguma coisa. Foi muita humilhação.
Beccon e Weiss foram registrar ocorrência no Palácio da Polícia. O único dos agressores que dizem ter identificado foi o pai da formanda. Desde então, Beccon afirma que não consegue dormir. Nesta segunda, não conseguiu ir trabalhar, o que atribui ao trauma. Weiss também diz ter passado mal durante o fim de semana. Ele teria aula na PUCRS à noite, mas estava com medo de comparecer.
– A formanda me convidou em janeiro deste ano. Sempre soube que eu era gay e disse que eu poderia levar meu namorado. Na festa, na lista do evento, estava escrito "Raul e namorado". Foi uma sensação horrível vê-lo ser agredido e sofrer ameaças. Foi uma sensação de impotência, humilhação, dor, injustiça. Tenho medo de voltar à faculdade e de sofrer represálias. Nesta semana, não vou à aula. E, quando for, meu pai vai ir comigo – diz Weiss.
Parte do temor tem relação com reações de outros estudantes da universidade. Uma colega, por exemplo, teria enviado mensagem a Weiss dizendo que ele estragou a festa e que deveria estar era feliz por ser convidado para um evento concorrido, de gente rica.
No sábado, por meio de uma amiga da formanda, Beccon recebeu de volta o celular. Segundo ele, mandaram dizer-lhe que havia esquecido o aparelho na mesa que ocupara – o psicólogo afirma que jamais sentou à mesa alguma durante a festa.
Além de esperar uma condenação criminal, ele também vai ingressar com processo cível contra os agressores.
– Espero que eles paguem criminal e civilmente e espero que haja uma retratação. Venho de uma geração que enfrentou muito perigo, que lutou muito para ter direito. Atravessei as décadas de 1980 e de 1990 sem sofrer isso na pele. Esta foi a primeira vez que realmente sofri, de apanhar, de ser humilhado, e a humilhação é o pior. E me dei conta de que, além da homofobia, havia no olhar deles a sensação de impunidade. Se eu não fizesse nada, se não dissesse nada, isso se perpetuaria em outros lugares – defende Beccon.
Família da formanda não quis falar sobre o caso
A Associação Leopoldina Juvenil divulgou uma nota para "esclarecer que não tinha e não tem qualquer responsabilidade" sobre os fatos ocorridos, "pois se deram em festa particular, sendo o clube tão somente o locador do espaço onde transcorria o evento festivo". O presidente da entidade, Gustavo Caleffi, afirma que inclusive os seguranças haviam sido contratados pelos locatários. Ele diz que o clube coloca à disposição dos órgãos competentes as imagens das suas câmaras internas.
Zero Hora não conseguiu contato com o pai da formanda. Falou apenas com a filha dele. Ela disse que nem ela nem o pai têm nada a falar.
– A gente só vai falar na presença do nosso advogado – afirmou.
A formanda não quis informar quem era o advogado, mas um profissional entrou em contato algumas horas depois. ZH explicou que gostaria de ouvir a versão do pai. O advogado respondeu que conversaria com ele, mas não deu retorno até o fechamento desta reportagem.
A ocorrência policial feita por Beccon foi encaminhada para a 3ª Delegacia de Polícia de Porto Alegre. O delegado responsável, Hilton Müller, disse tê-la recebido nesta segunda-feira. ZH fez vários questionamentos ao delegado, mas ele respondeu a todos da mesma forma:
– Não examinei a ocorrência.
Müller afirma que examinará a ocorrência na manhã desta terça-feira.