Cenário político conturbado, sessão parlamentar com restrições ao público e clima de radicalização política foram alguns dos ingredientes-chave, segundo cientistas políticos ouvidos por Zero Hora, para as cenas protagonizadas na noite de quarta-feira (5) por manifestantes contrários à proposta de aumento da alíquota do imposto previdenciário dos servidores municipais de Porto Alegre.
Antagonistas do projeto, que eleva de 11% para 14% a contribuição previdenciária mensal, trabalhadores ligados ao Sindicato dos Municipários (Simpa) invadiram o plenário e a Mesa Diretora da Câmara Municipal. A ação provocou o encerramento da sessão e a detenção de um dos manifestantes.
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Conforme o chefe do departamento de Ciência Política e coordenador do GT Comportamento e Instituições Políticas da UFRGS, Luís Gustavo Grohmann, a ação de invadir o Legislativo é extremada e sem razão de ser, mesmo dentro do contexto da democracia, no qual a Constituição guarda as liberdades.
– No campo das regras democráticas que temos hoje, uma invasão não é o instrumento adequado para realizar protestos. Por outro lado, isso pode ser um sintoma de um dissociamento entre representantes e representados no sentido geral da palavra.
O cientista político Rodrigo Giacomet acredita que, ao ferir o regimento interno da Câmara, a manifestação já se torna ilegítima.
– Sempre que uma atitude de uma organização foge das regras da casa, ela se torna ilegítima. Todo parlamento tem regras claras e definidas que permitem a participação da sociedade – avalia.
Bruno Lima Rocha, cientista político e professor de Relações Internacionais da Unisinos, concorda que a interrupção da sessão foi um "ato limítrofe" por parte dos servidores municipais:
– A ocupação de espaços de poder é o limite da democracia representativa. Os servidores optaram por interromper a sessão que iria contra seu interesse diante de uma situação que soa como ilegítima.
A última eleição municipal, que tornou Nelson Marchezan prefeito da Capital, foi marcada pelo alto número de abstenções, votos nulos e brancos no segundo turno: foram 433 mil, enquanto os votos que elegeram o chefe do Executivo somaram 402 mil. De acordo com Grohmann, uma invasão pode ser vista também como uma reação:
– Esses últimos acontecimentos no campo político brasileiro erodiram a confiança das pessoas nas instituições e nos políticos, então elas acabam se permitindo fazer bobagens como essas. Não estou dizendo que está certo, mas é uma forma de se compreender o contexto do que ocorreu ontem.
Giacomet acredita que a ação dos sindicalistas também pode ser encarada como uma perda na parcela de representação desta classe na sociedade:
– Acho que é principalmente um sintoma da falta de representatividade das corporações da sociedade civil. Os sindicatos perceberam que estão perdendo credibilidade e estão, em certa medida, se perdendo nessa situação. Eles são organizados, têm técnicos para produzir argumentos, tempo para fazer isso. É um reflexo do momento da relação que existe entre a sociedade e o parlamento, mas principalmente entre os grupos de pressão.
Para Lima Rocha, os grupos de pressão não são mais apenas as entidades sindicais:
– Os grupos de pressão hoje são aqueles que tem contratos com o Estado. Há todo um desenho do Estado em debate, e no meu entendimento isso está levando ao limite da democracia representativa. Existe um debate franco de ilegitimidade.
No início da sessão da última quarta-feira, servidores foram impedidos de entrar no plenário e tiveram de ficar no saguão. Sob protestos dos funcionários municipais, os trabalhos foram interrompidos duas vezes, até que as portas fossem liberadas para quem estava do lado de fora.
Para Giacomet, apesar de ser chamada de a Casa do Povo, a Câmara de Vereadores tem regras e ritos bastante claros, e os parlamentares precisam de segurança para poder desenvolver seu trabalho.
– A representação a eles foi dada lá nas eleições. Tenho visto muitas cenas de violência, inclusive, protagonizadas por movimento sindicais junto aos parlamentares. Em nenhuma casa legislativa é permitida a manifestação de quem não é parlamentar durante as sessões, e esses grupos não estão mais respeitando isso – afirma.
Já Grohmann acredita que ações como a de fechar a sessão podem funcionar como combustível para ações extremas como a ocorrida na quarta.
– Esse tipo de coisa vai desgastando e tirando a legitimidade deles (vereadores) enquanto representantes. Se eles atuam dentro das regras, não maculam o seu mandato. Mas o resultado das urnas não lhes dá o direito de agir como bem quiserem.