Alef não via a mãe, presa por tráfico de drogas na Penitenciária Feminina Madre Pelletier, havia dois anos. No final da tarde da última terça, um motivo inusitado permitiu o encontro entre o estudante de 19 anos e a empregada doméstica: a sessão de autógrafos de Vozes de um Tempo, com textos de detentos de casas prisionais do Estado.
"Para o meu filho mais querido e amado do mundo, tiamo, tiamo muito", escreveu a escritora estreante, no breve encontro com o primogênito, em um dos espaços da Área Infantil e Juvenil, à beira do Guaíba. Ao se abraçar, os dois choravam.
- Achei a aparência dela bem melhor - comentou Alef, aliviado ao comprovar que a mãe vem recuperando os traços antes desfigurados pelo vício em crack.
Distribuída gratuitamente e composta por 47 contos, crônicas e poemas, a coletânea é resultado de uma parceria entre a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) e o Banco de Livros, que vem inaugurando bibliotecas em instituições prisionais. Depois que os detentos foram incentivados a produzir, uma comissão da Uniritter selecionou os trabalhos para publicação. No lançamento da última terça, estiveram presentes cinco homens e quatro mulheres dos regimes semiaberto e fechado. Alguns autores ficaram constrangidos e não quiseram comparecer. Outros foram barrados por negativas judiciais.
- A liberdade de pensamento ultrapassa grades, abrindo novos horizontes - comenta Neli Miotto, responsável pelo acervo do Banco de Livros.
Luiz Antonio de Assis Brasil, secretário de Estado da Cultura, contou ter 19 romances publicados. Seu único momento de liberdade, revelou, é quando está escrevendo:
- Ali é minha pátria, ali é meu castelo. Ali ninguém mexe. Ali sou soberano.
Terminados os discursos das inúmeras autoridades presentes à cerimônia, um dos autores de Vozes de um Tempo foi convidado ao microfone.
- Hoje, após ter cometido vários erros, busco a felicidade e dirijo os meus passos para um lugar seguro e belo: uma família - disse Gilberto, lendo seu próprio texto.