
A Câmara dos Deputados deve debater ainda no primeiro semestre de 2025 uma proposta para ajustar a representatividade das unidades da federação na Casa. Uma decisão de 2023 do Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu que a quantidade de deputados representando cada Estado e o Distrito Federal seja revista, com base nos dados populacionais apurados no Censo Demográfico de 2022, e que o Congresso edite uma lei para regular esta mudança até 30 de junho deste ano. A mudança seria válida a partir de janeiro de 2027, após as eleições de 2026.
Já tramita no Congresso o projeto de lei complementar nº 148/23, proposto pelo deputado Pezenti (MDB-SC), com uma proposta de ajuste nas bancadas, redistribuindo as 513 vagas a partir dos dados do Censo. O texto também determina que o tamanho da representação de cada Estado e do Distrito Federal seja anunciado no ano anterior às eleições, a partir de atualização fornecida pelo IBGE.
Na proposta de Pezenti, o Rio Grande do Sul perderia duas das vagas a que hoje tem direito. Rio de Janeiro (4), Piauí (2), Paraíba (2), Bahia (2), Pernambuco (1) e Alagoas (1) também perderiam representantes.
No sentido inverso, Santa Catarina (4), Pará (4), Amazonas (2), Ceará (1), Goiás (1), Minas Gerais (1) e Mato Grosso (1) ganhariam novas vagas.
— Santa Catarina, que eu represento, tem 16 deputados e tivemos um aumento populacional significativo. Teríamos direito a mais quatro vagas. Para que Estados ganhem o que têm direito, outros Estados têm que perder. Isso é justiça — argumenta Pezenti.
A atual distribuição de deputados na Câmara foi estabelecida pela Constituição Federal de 1988 e depois regulada pela lei complementar nº 78 de 1993, definindo o número de 513 deputados federais, que não é alterado desde então.
A quantidade de deputados eleitos em cada Estado varia proporcionalmente à população, com uma regra que estabelece um mínimo de oito e um máximo de 70 representantes dentro do grupo total de 513 parlamentares. Já o Senado é formado por 81 membros, sendo três representantes para cada Estado e o Distrito Federal.
— No Brasil, a Câmara dos Deputados existe para representar mais diretamente a população, enquanto o Senado representa os Estados. Por isso, o número de senadores é igual entre os Estados, mas o de deputados federais varia de acordo com a população de cada Estado — explica o cientista político e professor da ESPM-Sul Ricardo Leães.
Pela distribuição atual, o único Estado que atinge a cota máxima de 70 deputados é São Paulo, que é seguido por Minas Gerais, com 53, Rio de Janeiro, com 46, Bahia, com 39, e Rio Grande do Sul, com 31. Por outro lado, 10 Estados, além do Distrito Federal, têm a cota mínima de oito parlamentares.
— O STF foi provocado juridicamente por uma ação interposta pelo Pará, que foi um dos Estados que teve aumento de população e se sentia subrepresentado pela proporcionalidade atual da Câmara. O que o Supremo fez agora foi dizer que essa representação proporcional está defasada e que precisa ser atualizada, mas não disse como deve ser feito, pois isso é o papel do Congresso, que deverá fazer isso através de uma nova lei complementar, e os seus termos é que estão sendo discutidos agora — detalha Carolina Cyrillo, advogada constitucionalista e professora de Direito Constitucional da UFRJ.
Presidente da Câmara quer aumento do total de deputados
O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), tem defendido uma proposta distinta para a reorganização das representações na Casa. Motta pleiteia um aumento do número total de 513 para 527 deputados federais. Desta forma, os Estados que tiveram acréscimo populacional ganhariam as 14 novas vagas, mas as outras unidades da federação não perderiam as representações atuais.
— Penso que a solução seria um grande acordo para que aumentemos 14 vagas, para que nenhum Estado perca. Temos que fazer isso até junho, e tenho de ter a garantia de que o presidente Alcolumbre vote no Senado. Temos que fazer o dever de casa para que isso não represente aumento do custo da Casa — afirmou Motta em uma entrevista concedida à Rádio Arapuan, de João Pessoa (PB), em fevereiro.
Conforme estudo realizado pelos economistas Mariana Piaia Abreu e João Pedro Bastos, ligados ao Instituto Millenium, o custo dessa proposta de Motta poderia ser de R$ 46,2 milhões por ano. Anualmente, cada deputado federal custa em média R$ 3,2 milhões anuais.
Coordenador da bancada gaúcha não concorda com propostas
O deputado federal Marcelo Moraes (PL-RS) é o atual coordenador da bancada gaúcha na Câmara dos Deputados. Moraes é contrário tanto ao projeto de lei proposto por Pezenti quanto à ideia defendida por Motta.
O parlamentar gaúcho defende que, caso haja de fato uma mudança, como estabelecido pelo STF, os limites máximo e mínimo deveriam ser abolidos do sistema.
— Eu avalio de uma maneira muito prática. Aumentar o número total de deputados não é bom, e diminuir o número de cadeiras do Rio Grande do Sul, perdendo representatividade, também não é bom. Então acho que o caminho melhor é que não exista mais o número mínimo e máximo, se a ideia é trabalhar a proporcionalidade, que seja de verdade, de acordo com toda a população — argumenta o deputado, acrescentando ainda que começa a ver "movimentações", mas que essa votação "não está na iminência de acontecer".
Para o professor Ricardo Leães, os limites mínimo e máximo no número de deputados federais na Câmara são importantes para tentar equilibrar as representações de cada Estado.
— Os maiores Estados, como São Paulo e Rio de Janeiro, já acabam concentrando mais poder e importância justamente por já terem mais representantes que os demais, principalmente os menores. Então, os limites mínimo e máximo funcionam como um sistema de freios e contrapesos — afirma.
De quantos deputados um país precisa?
— Em tese, quanto mais deputados, mais a população deveria se sentir representada, e, novamente, em teoria, essa representatividade poderia ser mais eficiente, mas na prática é muito difícil de fazer essa projeção. Se houver mais gastos públicos com esses possíveis novos parlamentes e suas verbas de gabinete, o que é bem provável que ocorra caso essa proposta avance (do aumento do total de parlamentares), pois os parlamentares não vão querer ficar com o mesmo orçamento, a população, de forma geral, não deve ver essa ideia com bons olhos — avalia Leães.
A comparação com outros países também não permite estabelecer o que seria uma proporção ideal entre representante e representados. No Brasil, com uma população de aproximadamente 230 milhões e 513 deputados federais, há um membro da Câmara de Deputados a cada 448,3 mil pessoas.
Os Estados Unidos, com uma população de aproximadamente 340 milhões de habitantes, têm 435 deputados em sua Câmara, ou seja, um representante a cada 781,6 mil pessoas. Já a Argentina, que tem uma população próxima a 45 milhões de habitantes, tem 257 vagas na Câmara de Deputados, registrando um destes parlamentares a cada 175 mil pessoas.
Na Europa, a representação parlamentar é ainda maior proporcionalmente à população. A França, com cerca de 68 milhões de habitantes, têm 577 deputados, um a cada 117,8 mil pessoas. A Câmara dos Comuns, no Reino Unido, tem 650 vagas, enquanto a população total também é de aproximadamente 68 milhões de pessoas, resultando em um representante a cada 104,6 mil pessoas.
— Os Estados Unidos, mais populoso que o Brasil, tem um número menor de deputados, enquanto a nossa vizinha Argentina, menos populosa, tem proporcionalmente mais representantes. Na maioria dos países, a representação parlamentar é ainda maior para a população, mas por outro lado, um país como a Índia, com a população muito maior do que a nossa (cerca de 1,4 bilhão), tem um número de deputados semelhante (543). O que precisa ser medido é a eficiência dessa representação na prática, pois os números totais variam bastante — afirma o professor Leães.