No recurso apresentado ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a decisão do ministro Flávio Dino de bloquear todas as emendas impositivas, a Câmara e o Senado dizem que a determinação "viola patentemente" a separação entre os Poderes e causa "dano irreparável à ordem jurídica". O Congresso pede que o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, suspenda a medida.
O documento é assinado pelas Mesas Diretoras das duas Casas e pelos partidos PL, União Brasil, PP, PSD, Republicanos, PSB, PSDB, PDT, Solidariedade e MDB. O PT, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e outras legendas, como PSOL e Novo, não constam nas assinaturas do recurso.
"A peça jurídica questiona a legalidade e a constitucionalidade dos atos monocráticos do ministro Flávio Dino, que interrompem a execução orçamentária de emendas parlamentares à lei orçamentária anual", diz trecho da nota.
O Congresso alega que as decisões monocráticas de Dino foram "proferidas fora de qualquer contexto de urgência" e "transcenderam" o debate sobre a falta de transparência das emendas pix ao alcançar também as emendas de comissão e todas as emendas impositivas.
"Numa única decisão monocrática, o Supremo Tribunal Federal desconstituiu 4 Emendas Constitucionais, em vigor há quase 10 anos, e aprovadas por 3 legislaturas distintas", afirma outro trecho do documento.
"No entendimento das Advocacias da Câmara dos Deputados e do Senado e dos Partidos Políticos, as decisões causam danos irreparáveis à economia pública, à saúde, à segurança e à própria ordem jurídica, além de violar patentemente a separação de poderes", emenda o Congresso.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sinalizou que conversaria com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para tratar da decisão de Dino. Em reunião na noite de quarta-feira (14), Lira e líderes partidários falaram em recorrer à Corte para tentar derrubar a determinação do magistrado, mas buscavam o apoio de Pacheco.
Decisão
Dino suspendeu, na quarta, todas as emendas impositivas de parlamentares ao Orçamento da União até que o Legislativo crie regras para a execução desses recursos que observem requisitos de transparência, rastreabilidade e eficiência.
Deputados e senadores chegaram a prever para quarta a votação de mudanças nas chamadas emendas Pix para dar mais transparência nos repasses. A análise ocorreria na Comissão Mista de Orçamento (CMO), mas o item foi retirado de pauta para a inclusão da medida provisória do Judiciário que acabou sendo rejeitada.
O Congresso foi pego de surpresa e agora os parlamentares querem se debruçar sobre a nova decisão de Dino para avaliar os desdobramentos. Até então, o ministro havia suspendido apenas a operação das emendas Pix, que são uma parte das emendas individuais. A nova decisão, contudo, afeta todas as individuais e também as emendas de bancada estadual. Dino já havia pedido mais transparência nas emendas de comissão, que não são impositivas.
A ideia é delimitar o objeto das emendas Pix, ou seja, explicitar para qual fim o dinheiro está sendo usado (para qual obra ou política pública específica). Hoje, não fica claro como as prefeituras estão usando as verbas, embora o nome do deputado que enviou a emenda possa ser identificado.
Entenda o que são as emendas
Emendas parlamentares são recursos no Orçamento da União que podem ser direcionados pelos deputados e senadores a seus redutos eleitorais. Hoje, existem três modalidades: as emendas individuais, a que cada deputado e senador tem direito, as de bancada estadual e as de comissão. As duas primeiras são impositivas, ou seja, o pagamento é obrigatório, embora o governo controle o ritmo da liberação.
As emendas Pix (batizadas com esse nome em referência ao sistema de pagamento instantâneo criado pelo Banco Central) são uma forma de manejar as emendas individuais e permitem a destinação direta de recursos federais a Estados e municípios sem controle e fiscalização.
Apesar de estarem empenhados em resolver os problemas de transparência das emendas Pix para atender aos questionamentos do Judiciário, os líderes da Câmara estão mais preocupados com o impacto nas emendas de comissão, que também foram incluídas na ação relatada por Dino no STF.
As emendas de comissão têm sido usadas como moeda de troca política no Congresso desde o fim do orçamento secreto, que consistia no repasse de emendas de relator sem transparência e de forma que dificultava a fiscalização.
A ofensiva sobre esses recursos, portanto, impacta diretamente no poder da cúpula do Legislativo, às vésperas das eleições para as presidências da Câmara e do Senado.
O pano de fundo do imbróglio é uma disputa de poder entre o Executivo e Legislativo, arbitrada pelo Judiciário. O orçamento secreto foi declarado inconstitucional pelo STF após a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas parte dos recursos continuou nas mãos do Congresso, após um acordo feito com o Planalto.
Agora, os parlamentares veem nova ofensiva do governo federal, em aliança com o Judiciário, para retomar mais poder sobre o Orçamento. Principalmente porque Dino foi indicado por Lula para a Corte.