O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), retirou nesta segunda-feira (8) o sigilo do inquérito referente à venda de joias recebidas pela Presidência da República durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL). A investigação teve início após reportagem do Estadão revelar uma tentativa de aliados do ex-presidente de trazer para o Brasil um conjunto de joias presenteadas pela ditadura da Arábia Saudita.
Moraes determinou que advogados regularmente constituídos tenham acesso integral ao processo e abriu vista para análise pela Procuradoria-Geral da República (PGR). A decisão também tornou público o relatório da Polícia Federal (PF) que indiciou Bolsonaro e 11 aliados do ex-presidente por associação criminosa, lavagem de dinheiro e peculato. Caso sejam condenados pelos três crimes, os investigados podem pegar de 10 a 32 anos de prisão.
Moraes concluiu que, com a apresentação do relatório final do caso pela Polícia Federal na semana passada, não há justificativa para manter o processo sob sigilo.
Confira abaixo os próximos passos do processo, o que diz a Polícia Federal e qual a pena para os crimes em caso de condenação.
Quais os próximos passos no caso das joias?
O Código de Processo Penal determina que, uma vez concluído o inquérito policial, o juiz responsável deve encaminhá-lo ao Ministério Público. Nesse caso, o ministro Alexandre de Moraes já enviou o relatório da Polícia Federal ao procurador-geral da República, Paulo Gonet, chefe do Ministério Público Federal (MPF).
A Procuradoria-Geral da República tem um prazo de até 15 dias para se pronunciar sobre um possível oferecimento de denúncia contra os investigados. O MPF decidirá se apresenta uma acusação formal à Justiça, o que pode levar à abertura de uma ação penal. O Ministério Público também pode optar po solicitar mais investigações ou arquivar o caso.
O indiciamento pela PF não significa que Bolsonaro é culpado pela apropriação e tentativa de venda das joias. Caso o MPF apresente a denúncia e a Justiça — neste caso, o STF — acate a acusação, Bolsonaro se tornará réu no processo que julgará os crimes.
Nessa fase, serão ouvidas testemunhas de acusação e defesa, além das posições do MPF e dos acusados, e só então haverá o julgamento do caso.
O que diz o relatório da PF?
No relatório, assinado pelo delegado da PF Fábio Alvarez Shor, é apontada a hipótese criminal de que os investigados se uniram com o objetivo de desviar, em benefício de Bolsonaro, presentes recebidos em razão de seu cargo. Esses presentes, ao menos três conjuntos de alto valor patrimonial, foram entregues por autoridades estrangeiras a Bolsonaro ou a autoridades brasileiras em seu nome.
"Após serem apropriados pelo ex-presidente da República, formalmente ou não, os bens foram levados, de forma oculta, para os Estados Unidos da América, em junho e dezembro de 2022, por meio de avião presidencial e encaminhados para lojas especializadas nos estados da Flórida, Nova Iorque e Pensilvânia, para serem avaliados e submetidos à alienação, por meio de leilões e/ou venda direta", diz o documento.
O relatório também aponta que o ex-presidente usou dinheiro em espécie, obtido por meio da venda dessas joias desviadas, para cobrir as despesas dele e da sua família durante a temporada de três meses que passaram nos Estados Unidos no início de 2023. Bolsonaro viajou para o país norte-americano no último dia do seu mandato.
Por fim, o relatório pede que os investigados sejam indiciados por três crimes: associação criminosa, lavagem de dinheiro e peculato.
O que diz Bolsonaro?
Pelas redes sociais, Bolsonaro falou sobre a correção feita pela PF no valor que teria sido desviado. No relatório enviado ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator do caso, a PF disse inicialmente que o valor estimado dos desvios seria de R$ 25 milhões. Em seguida, o delegado responsável pelo caso retificou a informação e disse que o montante pode chegar a R$ 6,8 milhões.
"Aguardemos muitas outras correções. A última será aquela dizendo que todas as joias desviadas estão na CEF, acervo ou PF, inclusive as armas de fogo. Aguarda-se a PF se posicionar no caso Adélio: ‘quem foi o mandante?’ Uma dica: o delegado encarregado do inquérito é o atual diretor de inteligência", escreveu.
Adélio, ao qual Bolsonaro se refere, é o autor da facada no ex-presidente durante a campanha eleitoral de 2018, em Juiz de Fora, Minas Gerais. Apuração indicou que ele agiu sozinho.
Os advogados de Jair Bolsonaro se manifestaram por meio de nota, divulgada na noite desta segunda-feira por alguns veículos jornalísticos, como a CNN Brasil. No posicionamento, a defesa do ex-presidente afirma que a entrega de presentes à Presidência da República obedece protocolos rígidos e que o "insólito" inquérito da Polícia Federal "volta-se" a Bolsonaro, ignorando supostas ocorrências iguais em gestões anteriores. A nota ainda alega que o ex-presidente, desde que soube da investigação sobre a destinação dos presentes, colaborou com o trabalho. Os advogados de Bolsonaro ainda dizem que há "evidente incompetência" do Supremo Tribunal Federal sobre a investigação, que eles entendem que deveria estar correndo na primeira instância.
Qual a pena para em caso de condenação por cada crime
Lavagem de dinheiro
- De acordo com a lei nº 9.613/98, o crime de lavagem de dinheiro consiste em alguém tentar ocultar ou dissimular a "natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade" de bens materiais. Na prática, o crime ocorre quando o "dinheiro sujo", utilizado ou derivado de práticas ilícitas, é transformado em "dinheiro limpo" que aparenta não ter origem irregular. A legislação determina que a pena para o crime de lavagem de dinheiro varia de três a até 10 anos de prisão. Há ainda a previsão de pagamento de multa.
Peculato
- O crime de peculato, previsto no artigo 312 do Código Penal, se dá quando um funcionário público utiliza o cargo para se apropriar ou desviar determinado bem em detrimento próprio, ou para terceiros. "Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio", diz a lei. A pena para o crime varia entre dois e 12 anos de reclusão.
Associação criminosa
- O crime de associação criminosa, previsto no artigo 288-A do Código Penal, é o que possui a pena mais rígida. O delito ocorre quando três ou mais pessoas se reúnem com a finalidade que cometer um ou alguns atos ilícitos. Quem é condenado por este crime pode pegar entre cinco e 10 anos de reclusão. A lei brasileira também prevê pagamento de multa.