- Alexandre Ramagem é investigado na operação da Polícia Federal que investiga, desde 2023, o uso indevido de sistemas da agência para espionar políticos, autoridades e até jornalistas durante o governo Bolsonaro
- Diretor da Abin na época, Ramagem é apontado como o responsável por gravar uma reunião, onde o ex-presidente e outros participantes discutiam o uso de órgãos públicos para interromper investigações contra o senador Flávio Bolsonaro
- A Abin é o órgão principal do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) e tem como função conceder informações estratégicas e confiáveis ao Palácio do Planalto.
O delegado federal Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência prestará depoimento à Polícia Federal, no centro do Rio de Janeiro, nesta quarta-feira (17) às 15h.
Ele será ouvido no âmbito da Operação Última Milha, deflagrada em 11 de julho, que investiga, desde 2023, o uso indevido de sistemas da agência para espionar políticos, autoridades e até jornalistas durante o governo do então presidente Jair Bolsonaro.
Diretor da Abin na época, Ramagem é apontado como o responsável por gravar uma reunião, onde o ex-presidente e outros participantes discutiam o uso de órgãos públicos para interromper investigações contra o senador Flávio Bolsonaro, filho de Jair Bolsonaro, no caso das "rachadinhas".
A Abin é o órgão principal do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) e tem como função conceder informações estratégicas e confiáveis ao Palácio do Planalto. Os informes são enviados ao Poder Executivo por meio de relatórios, com a finalidade de evitar possíveis ameaças ao Estado democrático de direito e à soberania nacional.
Reunião gravada
A Polícia Federal (PF) deflagrou a quarta fase da Operação Última Milha no dia 11 com o objetivo de desarticular organização criminosa que monitorava ilegalmente autoridades públicas, além de produzir notícias falsas, utilizando-se de sistemas da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
Em nota, a PF informou que membros dos três poderes e jornalistas foram alvos do grupo, “incluindo a criação de perfis falsos e a divulgação de informações sabidamente falsas”.
Nas investigações, a PF citou um áudio, com metadados de 2020, "possivelmente gravado" por Ramagem, que revela conversa com Bolsonaro e o ministro Augusto Heleno sobre o caso das "rachadinhas" do senador Flávio Bolsonaro.
O áudio, de uma hora e oito minutos, foi apreendido pela Polícia Federal (PF). Segundo relatório da PF, o encontro foi realizado em 25 de agosto de 2020. Uma das linhas de investigação é de que o entorno de Bolsonaro buscou quem dentro da Receita estava fazendo a investigação, para, posteriormente, tirar a pessoa do processo.
Em pronunciamento nas redes sociais, Ramagem disse que não houve interferência: "Não há interferência ou influência em processo vinculado ao senador Flávio Bolsonaro. A demanda se resolveu exclusivamente em instância judicial".
Gravação
Segundo a gravação, durante a reunião as advogadas de Flávio Bolsonaro discutem formas de obter informações sobre a investigação envolvendo o senador na Receita Federal e no Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro).
Durante um trecho do áudio, Bolsonaro e o general Heleno demonstraram preocupação com o vazamento da conversa.
Heleno afirma: "Tem que alertar ele (chefe da Receita), ele tem que manter esse troço fechadíssimo. Pegar de gente de confiança dele".
Entenda o que a Operação Última Milha revelou sobre a Abin paralela
Família Bolsonaro
A Polícia Federal apontou a "instrumentalização" da Abin para monitorar pessoas ligadas a investigações envolvendo familiares do ex-presidente Jair Bolsonaro. Um exemplo é o caso dos auditores da Receita que elaboraram o relatório que originou a investigação do esquema de "rachadinha" no gabinete de Flávio Bolsonaro, filho do ex-chefe do Executivo.
No relatório, os investigadores destacam que Marcelo Bormevet e Giancarlo Rodrigues, atuando clandestinamente a serviço da Abin, tentaram "achar podres" dos auditores da Receita Federal responsáveis por elaborar relatórios de inteligência financeira sobre o senador.
Outro exemplo, segundo a PF, é a criação de provas a favor do "filho 04" do ex-presidente, Jair Renan Bolsonaro, que em 2021 era investigado por tráfico de influência. Para isso, o "gabinete paralelo", conforme as investigações, monitorou Allan Lucena, ex-sócio de Jair Renan, e Luís Felipe Belmonte, empresário envolvido no caso.
O ex-diretor da Abin, Alexandre Ramagem, e o ex-presidente Jair Bolsonaro não foram alvos da operação de quinta-feira. Procurados pela reportagem, não se manifestaram sobre as denúncias. O senador Flávio Bolsonaro e Jair Renan negaram qualquer irregularidade.
Ataques ao Supremo
A investigação também revelou ações de difamação contra os ministros do STF Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. Segundo a PF, Marcelo Bormevet, que atuava na Presidência da República, e Giancarlo Rodrigues, na Abin, produziram dossiês falsos e disseminaram fake news para minar a credibilidade das autoridades.
O material falso contra Moraes, encontrado em um dispositivo de armazenamento, tentava associar o ministro ao delegado Osvaldo Nico Gonçalves. O objetivo era espalhar desinformação e atacar a credibilidade do STF.
As ações contra Barroso incluíam a criação de informações falsas, relacionadas a declarações de perfis nas redes sociais.
De acordo com a PF, essas movimentações faziam parte de um esforço maior para desacreditar o Poder Judiciário e o sistema eleitoral brasileiro.
CPI da Covid
Conforme as investigações da PF, a Abin também teria sido utilizada clandestinamente contra o senador Alessandro Vieira, que participava da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid do Senado.
O colegiado investigava possíveis irregularidades cometidas pelo governo Bolsonaro na condução da pandemia no país. Ao final dos trabalhos, a comissão propôs o indiciamento do ex-presidente, de ex-ministros e de várias pessoas ligadas a Jair Bolsonaro.
Alessandro Vieira apresentou um requerimento para que Carlos Bolsonaro, o "filho 02" de Jair, prestasse esclarecimentos à CPI e para que fossem quebrados os sigilos bancário, fiscal, telefônico e de mensagens do vereador do Rio de Janeiro.
Nesse contexto, os investigados Marcelo Bormevet e Giancarlo Rodrigues teriam atuado para produzir desinformação sobre Alessandro Vieira.
Minuta do golpe
De acordo com a investigação, além das possíveis irregularidades na instrumentalização da Abin, alguns dos supostos envolvidos no esquema tinham conhecimento de outras ilegalidades — como a "minuta do golpe" que circulou no governo Bolsonaro.
Durante as diligências, a PF interceptou mensagens trocadas entre Marcelo Bormevet e Giancarlo Rodrigues que incluíam, nas palavras dos investigadores, "referências relacionadas ao rompimento democrático" e "no mínimo, potencial conhecimento do planejamento das ações que culminaram na construção da minuta do decreto de intervenção".
Os diálogos interceptados pela corporação indicam que policiais federais da "Abin paralela" tinham conhecimento da existência do decreto.
Alexandre de Moraes citado em conversa
Presos preventivamente na quinta-feira, Marcelo Araújo Bormevet e Giancarlo Gomes Rodrigues, atuavam no Centro de Inteligência Nacional da Agência Brasileira de Inteligência na gestão de Alexandre Ramagem. No diálogo mencionado no relatório da PF, a dupla discute a produção de um dossiê sobre o ministro do Supremo Alexandre de Moraes no qual tentam associar o magistrado a uma suposta investigação sobre corrupção.
No diálogo, um deles escreveu: "Tá ficando f... isso. Esse careca (Moraes) está merecendo algo a mais". A resposta foi: "Só 7.62", uma referência, para a PF, ao número do calibre de uma munição. "Head shot", finaliza o interlocutor. Head shot significa tiro na cabeça.
Histórico da operação
A primeira fase da Operação Última Milha foi deflagrada pela PF em outubro do ano passado. À época, a corporação informou que investigava o uso indevido de sistema de geolocalização de dispositivos móveis sem a devida autorização judicial por servidores da própria Abin.
“De acordo com as investigações, o sistema de geolocalização utilizado pela Abin é um software intrusivo na infraestrutura crítica de telefonia brasileira. A rede de telefonia teria sido invadida reiteradas vezes, com a utilização do serviço adquirido com recursos públicos”, destacou a PF à época.
Desenvolvido pela empresa israelense Cognyte (ex-Verint), o FirstMile se baseia em torres de telecomunicações instaladas em diferentes regiões para captar os dados de cada aparelho telefônico e, então, devolver o histórico de deslocamento do dono do celular.