As investigações da Polícia Federal (PF) no âmbito da Operação Última Milha, que teve o sigilo retirado na quinta-feira (11), revelam uma série de irregularidades no uso de sistemas da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para espionar autoridades e opositores políticos durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). As informações são do portal g1.
De acordo com os investigadores, um grupo de policiais, servidores e funcionários da Abin constituiu uma organização criminosa para monitorar pessoas e autoridades públicas, invadindo celulares e computadores. O esquema, que teria operado na gestão Bolsonaro, está sob investigação desde 2023.
A PF indica que foram monitoradas autoridades dos poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, além de jornalistas. Entre os espionados estão o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e o senador Renan Calheiros (MDB-AL).
Confira os principais pontos que a investigação revelou sobre a Abin paralela:
Família Bolsonaro
A Polícia Federal apontou a "instrumentalização" da Abin para monitorar pessoas ligadas a investigações envolvendo familiares do ex-presidente Jair Bolsonaro. Um exemplo é o caso dos auditores da Receita que elaboraram o relatório que originou a investigação do esquema de "rachadinha" no gabinete de Flávio Bolsonaro, filho do ex-chefe do Executivo.
No relatório, os investigadores destacam que Marcelo Bormevet e Giancarlo Rodrigues, atuando clandestinamente a serviço da Abin, tentaram "achar podres" dos auditores da Receita Federal responsáveis por elaborar relatórios de inteligência financeira sobre o senador.
Outro exemplo, segundo a PF, é a criação de provas a favor do "filho 04" do ex-presidente, Jair Renan Bolsonaro, que em 2021 era investigado por tráfico de influência. Para isso, o "gabinete paralelo", conforme as investigações, monitorou Allan Lucena, ex-sócio de Jair Renan, e Luís Felipe Belmonte, empresário envolvido no caso.
O ex-diretor da Abin, Alexandre Ramagem, e o ex-presidente Jair Bolsonaro não foram alvos da operação de quinta-feira. Procurados pela reportagem, não se manifestaram sobre as denúncias. O senador Flávio Bolsonaro e Jair Renan negaram qualquer irregularidade.
Ataques ao Supremo
A investigação também revelou ações de difamação contra os ministros do STF Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. Segundo a PF, Marcelo Bormevet, que atuava na Presidência da República, e Giancarlo Rodrigues, na Abin, produziram dossiês falsos e disseminaram fake news para minar a credibilidade das autoridades.
O material falso contra Moraes, encontrado em um dispositivo de armazenamento, tentava associar o ministro ao delegado Osvaldo Nico Gonçalves. O objetivo era espalhar desinformação e atacar a credibilidade do STF.
As ações contra Barroso incluíam a criação de informações falsas, relacionadas a declarações de perfis nas redes sociais.
De acordo com a PF, essas movimentações faziam parte de um esforço maior para desacreditar o Poder Judiciário e o sistema eleitoral brasileiro.
CPI da Covid
Conforme as investigações da PF, a Abin também teria sido utilizada clandestinamente contra o senador Alessandro Vieira, que participava da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid do Senado.
O colegiado investigava possíveis irregularidades cometidas pelo governo Bolsonaro na condução da pandemia no país. Ao final dos trabalhos, a comissão propôs o indiciamento do ex-presidente, de ex-ministros e de várias pessoas ligadas a Jair Bolsonaro.
Alessandro Vieira apresentou um requerimento para que Carlos Bolsonaro, o "filho 02" de Jair, prestasse esclarecimentos à CPI e para que fossem quebrados os sigilos bancário, fiscal, telefônico e de mensagens do vereador do Rio de Janeiro.
Nesse contexto, os investigados Marcelo Bormevet e Giancarlo Rodrigues teriam atuado para produzir desinformação sobre Alessandro Vieira.
Minuta do golpe
De acordo com a investigação, além das possíveis irregularidades na instrumentalização da Abin, alguns dos supostos envolvidos no esquema tinham conhecimento de outras ilegalidades — como a "minuta do golpe" que circulou no governo Bolsonaro.
Durante as diligências, a PF interceptou mensagens trocadas entre Marcelo Bormevet e Giancarlo Rodrigues que incluíam, nas palavras dos investigadores, "referências relacionadas ao rompimento democrático" e "no mínimo, potencial conhecimento do planejamento das ações que culminaram na construção da minuta do decreto de intervenção".
Os diálogos interceptados pela corporação indicam que policiais federais da "Abin paralela" tinham conhecimento da existência do decreto.
Alexandre de Moraes citado em conversa
Presos preventivamente na quinta-feira, Marcelo Araújo Bormevet e Giancarlo Gomes Rodrigues, atuavam no Centro de Inteligência Nacional da Agência Brasileira de Inteligência na gestão de Alexandre Ramagem. No diálogo mencionado no relatório da PF, a dupla discute a produção de um dossiê sobre o ministro do Supremo Alexandre de Moraes no qual tentam associar o magistrado a uma suposta investigação sobre corrupção.
No diálogo, um deles escreveu: "Tá ficando f... isso. Esse careca (Moraes) está merecendo algo a mais". A resposta foi: "Só 7.62", uma referência, para a PF, ao número do calibre de uma munição. "Head shot", finaliza o interlocutor. Head shot significa tiro na cabeça.
Lista de espionados
A lista de pessoas espionadas pela grupo criminoso inclui ministros, parlamentares, auditores fiscais e jornalistas.
- Poder Judiciário: ministros do STF Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux
- Poder Legislativo: o atual presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o deputado Kim Kataguiri (União-SP) e os ex-deputados Rodrigo Maia, que foi presidente da Câmara, Joice Hasselmann e Jean Wyllys (PSOL). E os senadores: Alessandro Vieira (MDB-SE), Omar Aziz (PSD-AM), Renan Calheiros (MDB-AL) e Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), que integravam a CPI da Covid no Senado
- Poder Executivo: João Doria, ex-governador de São Paulo; os servidores do Ibama Hugo Ferreira Netto Loss e Roberto Cabral Borges; os auditores da Receita Federal do Brasil Christiano José Paes Leme Botelho, Cleber Homen da Silva e José Pereira de Barros Neto
- Jornalistas: Monica Bergamo, Vera Magalhães, Luiza Alves Bandeira e Pedro Cesar Batista
Na quinta-feira, policiais federais cumpriram cinco mandados de prisão preventiva e sete mandados de busca e apreensão, expedidos pelo Supremo, nas cidades de Brasília, Curitiba, Juiz de Fora, Salvador e São Paulo.
Foram presos:
- Mateus de Carvalho Sposito
- Richards Dyer Pozzer
- Rogério Beraldo de Almeida
- Marcelo Araújo Bormevet
- Giancarlo Gomes Rodrigues
De acordo com a Polícia Federal, todos foram presos pelos agentes da corporação.
Há ainda buscas contra outros dois investigados:
- José Matheus Sales Gomes
- Daniel Ribeiro Lemos
Os mandados foram autorizados por Moraes, pois a Operação Última Milha começou a partir das investigações do inquérito das fake news.
A PF vê, de forma preliminar, possíveis crimes de organização criminosa, tentativa de abolição do estado democrático de Direito, interceptação clandestina de comunicações e invasão de dispositivo informático alheio.
Contraponto
O ex-diretor da Abin, Alexandre Ramagem, e o ex-presidente Jair Bolsonaro não foram alvos da operação desta quinta-feira. Procurados pela reportagem, eles não se manifestaram sobre as denúncias.
O senador Flávio Bolsonaro negou qualquer envolvimento irregular no caso das rachadinhas. Ele afirmou que, na época, seus dados sigilosos foram acessados de forma criminosa dentro da Receita Federal e que o processo foi encerrado pela Justiça. Flávio também acusou a Polícia Federal de atacá-lo nessa investigação.
— Parece que tinha uma força-tarefa do crime dentro da Receita contra mim. Isso tudo não tem absolutamente nada a ver com a minha defesa jurídica na época, que diz respeito a questões processuais, nada de mérito, e que foram reconhecidas pela Justiça, e o processo acabou. Portanto, nada a ver com qualquer coisa da Abin. Agora, eu não posso correr atrás dos meus direitos de vítima que eu fui, de criminosos de dentro da Receita, e isso é usado contra mim? Faça-me o favor, isso eu não vou aceitar —afirmou o senador.