A série de reportagens "Os Segredos de Brizola" foi publicada em Zero Hora em setembro de 1999
Expulso do Uruguai em setembro de 1977, o ex-governador Leonel Brizola encontrou asilo no país que havia apoiado o golpe militar de 1964 no Brasil: os Estados Unidos. A política de direitos humanos do presidente Jimmy Carter encorajou a transferência. Com um passaporte português fornecido pelo amigo Mário Soares, primeiro-ministro de Portugal, Brizola retomou definitivamente a atividade política.
Quando o retorno de Brizola ao Brasil completou 20 anos, em 1999, Zero Hora reconstituiu a trajetória do ex-governador no exílio. Uma entrevista exclusiva foi dada pelo líder trabalhista e é relembrada por GZH na data em que sua morte completa 20 anos.
Ainda faltavam cerca de dois anos para que a Lei da Anistia fosse aprovada quando Leonel Brizola começou a emergir do exílio. Ao ser expulso do Uruguai em setembro de 1977, depois de 13 anos de asilo político, Brizola começou a preparar o caminho de sua volta ao Brasil.
Já ao desembarcar no Aeroporto John Kennedy, em Nova York, Brizola teve a primeira prova de que os tempos eram outros. O país que havia dado suporte ao golpe militar de 1964 havia mudado. Um batalhão de repórteres, fotógrafos e cinegrafistas cercou o ex-governador. Cada palavra foi escolhida cuidadosamente na entrevista de chegada.
Em vez de se definir como trabalhista, disse que era social-democrata. Para explicar sua posição diante do regime militar brasileiro, optou por usar a palavra "dissidente" em vez de "inimigo". Sobre sua expulsão do Uruguai, considerou um equívoco — quando, na verdade, achava-a uma injustiça.
— Pisei em ovos. Não estava em condições de dar entrevista. As incertezas eram muitas, e as desinformações também. Mas não podia me negar a falar — contou Brizola na entrevista a ZH em 1999.
A maior preocupação do governo americano era com o sustento de Brizola. Caso tivesse que trabalhar, encontraria resistência por parte da população. O ex-governador garantiu que o patrimônio no Uruguai era suficiente para se manter. O casal não estava mais com os filhos. Neusinha, a filha que morou com os pais por mais tempo no Uruguai, já estava casada. Os dois rapazes estudavam no Brasil.
Pisei em ovos. Não estava em condições de dar entrevista. As incertezas eram muitas, e as desinformações também. Mas não podia me negar a falar .
LEONEL BRIZOLA
Entrevista em 1999
Brizola escolheu o hotel em que ficaria hospedado em Nova York ainda no aeroporto de Buenos Aires, de onde embarcou para os Estados Unidos no dia 21 desetembro. Ao saber que a tripulação do seu voo pela Aerolíneas Argentinas costumava se hospedar no Hotel Roosevelt, o ex-governador decidiu se dirigir também para lá.
— Era caro para os nossos padrões, mas combinei com a Neusa que economizaríamos na comida — contou.
A proximidade do hotel com a Rua 46, onde há forte concentração de brasileiros, facilitou a adaptação do casal. No início, a alimentação foi à base de fast food. Depois de receberem fogão e geladeira dos novos vizinhos, passaram a cozinhar no próprio hotel. A ZH, em 1999, Brizola disse acreditar que um dos fatores para não ter aprendido inglês fluentemente foi o fato de manter contato diário com os brasileiros.
— A Neusa avançou muito mais do que eu — lembrou o ex-governador.
Depois de 20 dias em solo nova-iorquino, Brizola teve o primeiro diálogo com uma autoridade americana. O encontro com o subsecretário de Estado Terence Todmann deu a Brizola a noção exata de sua nova situação. O confinamento e o ostracismo faziam parte do passado. Um passaporte português concedido pelo então primeiro-ministro de Portugal, Mário Soares, era o que faltava para Brizola poder se locomover. O documento deu-lhe acesso a inúmeros países europeus. Os contatos políticos foram retomados.
Histórias de Nova York
Amizade com um americano
Uma das primeiras amizades de Brizola em Nova York surgiu de forma insólita. Em seu primeiro dia nos Estados Unidos, o ex-governador conheceu um americano que falava fluentemente português. Chamava-se Brade Tyson. Tinha sido pastor metodista no Brasil e fora expulso pela ditadura militar sob a alegação de abrigar subversivos.
— Estou aqui há dois anos e jurei que todos os dias iria praticar um ato contra a ditadura — disse Brade a Brizola.
— E o senhor tem conseguido? — perguntou o ex-governador.
— Sim, senhor. E hoje o ato que estou praticando é visitar o senhor — respondeu o novo amigo.
O passaporte português
Com os passaportes portugueses que receberam do primeiro-ministro português Mário Soares, Brizola e Neusa puderam transitar por vários países europeus. A única recomendação de Soares era a de que não usassem os passaportes em Portugal. Lá, teriam de apresentar os antigos documentos, já desatualizados, uma vez que os novos não continham registro no país. Uma autoridade, em nome do primeiro-ministro, iria recebê-los no aeroporto.
A rotina no novo país
O primeiro contato do ex-governador com uma autoridade americana ocorreu uns 20 dias depois da chegada a Nova York. Brizola convidou Brade Tyson para acompanhá-lo como intérprete. Até esse momento, Brizola não sabia ao certo o que estabeleciam as leis americanas. Sabia apenas que a instituição do asilo político não existia no país. O diálogo soou estranho para o secretário de Relações para a América Latina do governo Carter, Terence Todmann, mas marcou uma nova etapa na vida de Brizola.
— Posso escrever cartas e telefonar para o Brasil? — perguntou Brizola.
— Pode — respondeu o secretário.
— Posso convidar amigos para me visitar?
— Não há impedimento.
— Posso fazer um congresso do partido nos Estados Unidos?
— Pode.
— Posso falar, dar entrevistas?
— Se o senhor conseguir, tudo bem.
— E a polícia vai estar nos cuidando?
— Só se o senhor pedir proteção. Aqui o senhor é livre.
— Posso sair dos Estados Unidos e voltar?
— Pode.
Neusa Brizola não conseguiu conter o riso.
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