A série de reportagens "Os Segredos de Brizola" foi publicada em Zero Hora em setembro de 1999
Para quem já havia pegado em armas, desafiado militares e mobilizado legiões de gaúchos a fim de assegurar a posse de um presidente da República, a palavra exílio ainda não tinha uma significação exata. Voltar ao Brasil era mais uma questão de honra do que ideológica para Leonel Brizola.
Quando o retorno de Brizola ao Brasil completou 20 anos, em 1999, Zero Hora reconstituiu a trajetória do ex-governador no exílio. Na ocasião, o líder trabalhista falou dos primeiros meses de exílio, do duro golpe da expulsão do Uruguai e da reaproximação com o ex-presidente e cunhado João Goulart. A entrevista exclusiva é relembrada na data em que sua morte completa 20 anos.
Foram o sentimento de revolta e a certeza de que ainda havia meios de enfrentar os militares por meio de uma reação armada que mantiveram o ex-governador em intensa atividade conspirativa nos primeiros meses de exílio no Uruguai, onde chegou em maio de1964 e permaneceu por 13 anos.
— O princípio do exílio foi marcado por muitas esperanças. Estava certo de que a nação havia sido surpreendida com o golpe e logo começaria a esboçar uma reação — relembrou Brizola em entrevista a ZH em 1999.
Dezenas de amigos — civis e militares —, políticos e admiradores aportavam diariamente em Montevidéu para falar com o ilustre exilado. O ex-governador gaúcho tinha a convicção de que voltaria em breve, tanto que assinou um contrato de aluguel do apartamento no centro da capital uruguaia por apenas seis meses.
As fortes ligações com as bases militares ajudaram inicialmente na organização do ilusório plano de insurreição. Desde o princípio, Brizola recusou os contatos com movimentos de guerrilha. Achava que a revolta deveria ser realizada nos moldes da Revolução de 1930. Para as organizações clandestinas, a insurreição planejada pelo líder do PTB era de natureza burguesa e não levaria a mudanças profundas.
O comitê de resistência de Brizola conseguiu chegar muito próximo da fronteira com o Estado, mas as trocas cada vez mais frequentes nos comandos das Forças Armadas e da Brigada Militar (BM) foram dificultando as ações. Um dos episódios finais do insucesso partiu de um tenente da BM com papel fundamental na estrutura da organização em Porto Alegre. Temeroso com o desfecho da revolta que se armava, o tenente resolveu se aconselhar com seu chefe espírita. A confissão foi parar nos ouvidos de um comandante de regimento da corporação, provocando a prisão de aproximadamente 30 oficiais.
A inexperiência e a irresponsabilidade de um ou outro companheiro iam aos poucos desgastando a organização.
LEONEL BRIZOLA
Entrevista em 1999
— A inexperiência e a irresponsabilidade de um ou outro companheiro iam aos poucos desgastando a organização. Eram milhares de pessoas envolvidas mas tudo compartimentado, ninguém sabia o que o outro estava fazendo — admitiu Brizola na entrevista.
Com a desintegração do comitê de reação armada, parte dos exilados mudou-se para a Europa, outra entrou para movimentos clandestinos. Com a mente ainda muito sintonizada no Brasil, Brizola caiu pela primeira vez na realidade. A intensa atividade política nos primeiros meses de exílio levou o governo brasileiro a pedir às autoridades uruguaias o seu "internamento" sob vigilância militar. Brizola, a mulher, Neusa, e os filhos João Otávio, José Vicente e Neusa Maria foram obrigados a residir a uma distância mínima de 300 quilômetros da fronteira.
O balneário de Atlântida, a cerca de 50 quilômetros de Montevidéu, foi o local escolhido por Brizola. Os problemas financeiros começaram a aparecer. Não é à toa que o líder trabalhista passou a fumar como nunca fizera antes.
— Desde que eu havia chegado ao exílio me encontrava num inconformismo muito grande. Tratei de buscar o meu reequilíbrio psíquico e espiritual no trabalho e na leitura — contou Brizola a ZH em 1999.
Graças aos seus inúmeros amigos, que viraram espécie de pombos-correios, Brizola pôde vender o patrimônio que tinha no Rio Grande do Sul, como a casa de veraneio em Capão da Canoa e a residência na Rua Tobias da Silva, em Porto Alegre. Parte de seus pertences, como documentos e fotografias, já havia sido apreendida.
A vida no Uruguai começava a se estabilizar. A pedido de Neusa, a família foi morar no interior. Uma pequena fazenda no Departamento de Durazno, sem luz e telefone e com acesso precário, passou a ser a nova residência. O sustento da família — os dois filhos mais velhos voltaram ao Brasil para estudar — veio pela venda do patrimônio de Neusa no Rio Grande do Sul, com o trabalho no campo e, especialmente, por meio da venda de leite.
O que poderia parecer um retrocesso na vida de um líder político de expressão nacional foi um dos motivos que o levaram a se reerguer. Dirigindo uma Kombi de segunda mão, Leonel Brizola saía diariamente a comercializar o leite de sua própria fazenda.
A sofrida expulsão do Uruguai
Sexta-feira, 16 de setembro de 1977. Leonel Brizola sofre o mais duro golpe em 13 anos de exílio. Sob a alegação de ter infringido as regras de asilo político, o ex-governador é expulso do Uruguai, país já então comandado pelos militares.
A notícia de que tinha um prazo de cinco dias para pedir asilo em outro país caiu como um bomba. Só tempos depois Brizola soube que sua expulsão havia sido pedida aos uruguaios pelo general linha-dura Sylvio Frota, que articulava para ser o sucessor de Ernesto Geisel na Presidência.
— Estávamos num tranco de vida, numa rotina, interrompida pela expulsão repentina, injusta e dolorosa — contou Brizola a ZH.
A estratégia de expulsá-lo se mostrou mais tarde equivocada no meio militar. Até então no ostracismo, o líder trabalhista conseguiu, a partir da determinação das autoridades uruguaias, voltar adominar os noticiários da imprensa brasileira, principalmente com sua decisão de pedir licença para morar nos Estados Unidos, país que 13 anos antes havia dado suporte ao golpe militar brasileiro. O ex-governador alegou ter escolhido os Estados Unidos pelo interesse em comprovar de perto a política em defesa dos direitos humanos imprimida pelo governo Jimmy Carter.
Estávamos num tranco de vida, numa rotina, interrompida pela expulsão repentina, injusta e dolorosa.
LEONEL BRIZOLA
Entrevista em 1999
Apesar de nunca ter se sentido ameaçado no exílio, Brizola tinha seus próprios métodos de segurança. Em todo o período de confinamento no Uruguai, andava armado, assim como Neusa, que aprendeu a atirar com o próprio marido.
Desse período no Uruguai, Brizola guarda um de seus maiores ressentimentos com a diplomacia brasileira. Todos trâmites necessários para sua transferência foram feitos pela embaixada dos Estados Unidos.
— Com medo que pudesse sofrer represálias, o Itamaraty se recusou a atender telefonemas nossos, a emitir qualquer documento, a sequer registrar uma criança — afirmou o ex-governador a ZH.
Na véspera de sua saída do Uruguai, Brizola foi informado pela embaixada americana que precisaria fazer uma escala de 24 horas em Buenos Aires. Era o tempo que as autoridades necessitavam para encontrar e riscar seu nome de um livro grosso no Aeroporto John Kennedy, em Nova York, com a relação das pessoas impedidas de entrar no país.
Na capital argentina, Brizola passou por uma situação aterrorizante. Ao chegar ao aeroporto, foi informado de que todos os hotéis estavam lotados, à exceção do Liberty. Ao saber o nome, o ex-governador gelou. Era o mesmo onde, poucos dias antes, dois deputados uruguaios haviam sido sequestrados e assassinados.
Desde a sua fuga, era a primeira vez que a imprensa brasileira dava destaque a Brizola. Um batalhão de jornalistas se dirigiu a Montevidéu para acompanhar sua saída. O receio de ficar no hotel foi amenizado com a presença dos fotógrafos e cinegrafistas, que passaram a noite no corredor em frente ao quarto onde Brizola e Neusa estavam hospedados.
— Quero crer até hoje que tenha sido para me proteger e não para pegar a melhor foto do sequestro — brincou Brizola na entrevista.
A reconciliação com o cunhado Jango
Numa noite em 1976, Brizola e Neusa recebiam os amigos gaúchos Josué Guimarães, Hélio Fontoura e Jorge Real. A chegada de Jango fez com que a mulher e os visitantes se retirassem para outra sala. Por inúmeras vezes, Jango tentara a reconciliação no exílio, mas encontrara a resistência de Brizola. Os desentendimentos vinham no final do governo de Goulart.
— Ele incluía em seu governo muitos indivíduos, civis e militares, que eram verdadeiras infiltrações. Os fatos depois provaram que essas pessoas estavam do outro lado — contou Brizola.
Fiz um grande esforço para que Neusa não se deixasse envolver pela nossa disputa. Mesmo assim, houve distanciamento entre eles.
LEONEL BRIZOLA
Entrevista em 1999
O motivo principal do afastamento, no entanto, vem dos primeiros anos de exílio no Uruguai. Brizola não encontrou em Jango o parceiro esperado para seus planos de reação armada.
— Ficamos uma década sem nos falarmos naquele país pequeno. Eu criei meus filhos respeitando-o, e ele fez o mesmo. Fiz um grande esforço para que Neusa não se deixasse envolver pela nossa disputa. Mesmo assim, houve distanciamento entre eles — lembrou o ex-governador na entrevista.
Jango estava decidido a retornar ao Brasil depois da viagem que faria a Paris. No encontro com Brizola, disse que voltaria pelas mãos de amigos, de militares ou de "algum arenoso" (político da Arena). Jamais pelas mãos do MDB.
— Ele considerava o MDB o seu inimigo real. Achava que a prolongada ditadura se devia à política adotada pelo partido. Essa sua concepção não me surpreendeu, e sim o fato de ele ter falado tão insistentemente no assunto — relembrou Brizola.
Os dois cunhados não voltaram a se falar. Jango morreu depois de seu retorno de Paris, no dia 6 de dezembro de 1976, na Argentina.
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