A Câmara dos Deputados aprovou, na madrugada desta quarta-feira (15), o projeto que suspende os pagamentos de 36 parcelas mensais da dívida do Rio Grande do Sul com a União para o dinheiro ser aplicado em ações de enfrentamento à calamidade pública provocada pela chuva das últimas semanas. Agora, a matéria será enviada ao Senado.
A aprovação do texto-base ocorreu ainda na noite desta terça. Mas, na sequência, foi feita a análise dos chamados destaques, isto é, sugestões de alteração no texto. Nenhum dos quatro destaques foi aprovado.
De autoria do Poder Executivo, o projeto teve como relator o deputado Afonso Motta (PDT-RS), que fez pequenos ajustes na redação original do texto. Embora a iniciativa tenha surgido para esta situação específica das enchentes, a mudança beneficiará qualquer ente federativo em estado de calamidade pública futuro decorrente de eventos climáticos extremos após reconhecimento pelo Congresso Nacional por meio de proposta do Executivo federal.
O estoque da dívida gaúcha com a União está em cerca de R$ 100 bilhões atualmente. Com a suspensão das parcelas, o Estado poderá direcionar cerca de R$ 11 bilhões, nestes três anos, para as ações de reconstrução em vez de pagar a dívida nesse período.
No entanto, um ponto de alerta é a possibilidade de queda da arrecadação do Rio Grande do Sul devido à situação persistente de paralisia da atividade industrial e comercial em várias áreas do Estado. É essa receita de arrecadação que normalmente o Rio Grande do Sul usa para pagar as parcelas da dívida com a União.
Em 2023, o superávit orçamentário (diferença positiva entre as receitas e despesas públicas) do Estado foi de R$ 3,6 bilhões, semelhante ao de 2022 (R$ 3,3 bilhões).
Segundo dados do portal Tesouro Nacional Transparente, entre 2021 e 2023, a União repassou ao Rio Grande do Sul, por força de dispositivos constitucionais ou legais, cerca de R$ 8,8 bilhões. São recursos ligados, por exemplo, a royalties (recursos minerais e hídricos), parcela Cide-Combustíveis, repasses do Fundo de Participação dos Estados (FPE), restituições da Lei Kandir e outros não vinculados a uma finalidade específica, como Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
Essas receitas e a adesão do Estado ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) em 2022 ajudaram a equilibrar suas contas.
Anistia
Deputados gaúchos defenderam a anistia e não a suspensão da dívida. A deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) argumentou que a dívida foi contraída em R$ 7 bilhões, na década de 1990, paga ano a ano, mas chega a atuais R$ 92 bilhões:
— É evidente que era necessário o perdão de uma dívida que já foi paga. Garroteia o Estado do Rio Grande do Sul, obrigando a não ter concurso público, exigindo privatizações.
O deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS) defendeu que o valor da dívida suspenso seja aplicado em um fundo soberano para o governo recuperar o Estado.
— O Estado do Rio Grande do Sul não tem como pagar essa dívida de R$ 90 bilhões. Da onde vão sair os recursos? — questionou o deputado Afonso Hamm (PP-RS), ao pedir o cancelamento de três anos de dívida.
Outro a defender a anistia da dívida foi o deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS). Ele ressaltou, ainda, que mesmo que toda a dívida fosse anistiada, o valor não seria suficiente para a reconstrução do Estado:
— Só os primeiros cálculos dão conta de mais de R$ 20 bilhões, só a parte pública. Olha o tanto de destruição privada.
Alguns pontos do projeto
Regras
- O projeto prevê, para esse caso e futuros, a suspensão do pagamento das parcelas (principal mais juros) por até 36 meses em calamidades provocadas por eventos climáticos extremos.
- Durante o período a ser fixado em decreto, a dívida não sofrerá incidência de juros do refinanciamento fixado em 4% ao ano.
- Por outro lado, o montante que deixou de ser pago continuará a ser atualizado monetariamente pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
- Essa lei complementar prevê a correção total das dívidas com a União pelo menor de dois índices: IPCA mais 4% ao ano (juros) ou variação da taxa Selic, comparados mensalmente.
- Como o projeto suspende o pagamento das parcelas e isenta esses valores da incidência de juros de 4%, a correção pelo IPCA não estará mais limitada à Selic durante esse período.
- Todos os valores cujos pagamentos foram suspensos serão contabilizados à parte e incorporados ao saldo devedor depois do fim da suspensão, sem extensão do prazo total de refinanciamento.
- Haverá atualização pelos encargos financeiros contratuais normais, trocando-se os juros do período pela taxa zero.
Termo aditivo
Todas as condições especiais em função de calamidade por eventos climáticos extremos deverão ser pactuadas em termo aditivo a ser assinado em até 180 dias após o encerramento da vigência do estado de calamidade pública.
Caso o termo aditivo não seja feito nesse prazo, as dívidas com pagamento suspenso serão recalculadas com os encargos contratuais normais, as taxas de juros originais dos contratos ou as condições financeiras aplicadas em função de regime de recuperação fiscal.
Para onde irão os recursos
Os valores das parcelas com pagamento suspenso, corrigidos com base nas taxas de juros originais dos contratos ou segundo as condições do regime de recuperação fiscal, deverão ser direcionados a um fundo público específico a ser criado pelo ente federativo beneficiado. Assim, os juros não contam para a retomada do pagamento suspenso, mas devem entrar no montante a ser aplicado nas ações de reconstrução.
Esse dinheiro do fundo deverá ser direcionado integralmente a um plano de investimentos em ações de enfrentamento e mitigação dos danos decorrentes da calamidade pública e de suas consequências sociais e econômicas.
O ente federativo beneficiado terá 60 dias, contados do reconhecimento do estado de calamidade pública, para encaminhar ao Ministério da Fazenda o plano de investimentos com os projetos e as ações a serem executados com os recursos de dívidas suspensas, inclusive as operações de crédito que pretende contratar.
Caso não use os valores suspensos do serviço da dívida nas ações propostas, a diferença entre o que deveria ser utilizado e o que foi efetivamente gasto deverá ser aplicada em ações a serem definidas em ato do Executivo federal.
Outra exceção prevista no texto permite ao governador ou prefeito beneficiado com a suspensão enviar relatório específico ao Ministério da Fazenda pedindo autorização excepcional para criar ou aumentar despesas correntes ou renúncias de receitas que não estejam relacionadas ao enfrentamento da calamidade pública.