A subprocuradora-geral da República Elizeta Ramos defendeu que o Supremo Tribunal Federal considere procedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1107, para declarar inconstitucional a prática, "ainda frequente", de desqualificar vítimas ou colocar sob escrutínio a vida sexual de mulheres em casos de violência sexual.
— A discriminação de mulheres é incompatível com o princípio da dignidade humana — sustenta a procuradora.
Elizeta Ramos representou o procurador-geral, Paulo Gonet, na sessão especial do STF de quinta (7), com pauta temática em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, comemorado nesta sexta-feira (8).
Ajuizada em dezembro do ano passado por Elizeta — que, à época, ocupava o cargo de procuradora-geral da República —, a ADPF 1107 "tem o objetivo de aprimorar a conduta do Estado no combate à violência contra a mulher".
Segundo a Procuradoria, a intenção é eliminar a prática de colocar sob escrutínio a vida pregressa de vítimas ou trazer à tona elementos da vida sexual, do comportamento, das roupas, do passado ou do modo de vida das mulheres como forma a desqualificar vítimas de violência sexual, seja na fase de investigação, na instrução do processo penal ou no julgamento dos casos.
— O discurso de desqualificação da vítima, mediante a análise e a exposição de sua conduta e hábitos de vida parte da concepção odiosa de que haveria uma vítima modelo de crimes sexuais, como se pudesse distinguir as mulheres que merecem ou não a proteção penal pela violência anteriormente sofrida — enfatizou Elizeta, em sustentação oral.
Na ação, ela pede que o Supremo declare a desqualificação da vítima prática inconstitucional de forma imediata, por meio de concessão de medida cautelar, "seja ela praticada pela defesa do acusado, por autoridades ou por outros sujeitos processuais".
A ação requer que o artigo 400-A do Código de Processo Penal seja interpretado pelo Supremo de modo a garantir que qualquer menção à vida pregressa ou à conduta sexual das vítimas violência sexual seja considerada um "elemento alheio ao objeto de apuração dos autos".
A previsão foi incluída no Código de Processo Penal pela Lei Mariana Ferrer (Lei nº 14.245/2021), alteração que também estabeleceu como dever de todas as partes e sujeitos processuais zelar pela integridade física e psicológica da vítima, em especial das vítimas de violência sexual, "impedindo que fatos alheios ao caso concreto sejam considerados ou mesmo mencionados no julgamento".
Outro objetivo é assegurar que os juízes responsáveis pelos casos não levem em conta a vida pregressa das vítimas na hora de fixar as penas, beneficiando acusados com absolvições ou eventuais reduções de pena baseadas nesses elementos.
Nesse sentido, a Procuradoria pede que o STF dê interpretação conforme à Constituição à expressão "bem como ao comportamento da vítima" — contida no artigo 59 do Código de Processo Penal, para excluir a possibilidade de que o magistrado, na fixação da pena em crimes sexuais, faça valoração da vida sexual pregressa da vítima.
A ação pede que o Supremo reafirme o dever dos juízes responsáveis por esses casos de coibir com veemência qualquer prática do tipo, "não só mediante a representação do agressor (qualquer dos sujeitos processuais) aos órgãos com atribuição para a sua responsabilização, penal e administrativa, como também por meio da completa desconsideração dessas alegações, sujeitando sua decisão à nulidade".
Elizeta Ramos destacou que o discurso de desqualificação da vítima de violência sexual só é recorrente porque "encontra espaço para tanto num ambiente que deveria ser seguro, uma vez que mediado pelo Estado".
Proteção às mulheres
Em sua sustentação, a subprocuradora-geral afirmou que a proteção às mulheres está prevista na Constituição e em tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Apesar disso, a violência de gênero está "escancarada no noticiário", ela alertou.
Elizeta apontou para a necessidade de se implementar, de forma efetiva, as redes legais de proteção à mulher, para evitar que o Brasil seja responsabilizado em instâncias internacionais.
— O ordenamento jurídico nacional e internacional exige postura ativa do Estado, que garanta com real efetividade a proteção da mulher, tanto para evitar que sofra nova violência, decorrente da exposição com intuito vexatório, como para invalidar os efeitos da prática no resultado do julgamento do crime — afirmou.
Os representantes da Advocacia-Geral da União e da Defensoria Pública da União também defenderam que a ação seja acolhida integralmente, mesmo posicionamento do Instituto Maria da Penha, admitido como amicus curie na ação, que está sob relatoria da ministra Cármen Lúcia.
A ação foi pautada para a sessão de quinta apenas para leitura de relatório e para sustentações orais. O julgamento será realizado em outra data.
Na sessão especial, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, e Cármen destacaram a "importância da data e das ações para efetivar direitos iguais para as mulheres, ainda pouco representadas em espaços de decisão e poder e sujeitas às mais diversas violações no dia a dia".