As críticas da prefeita de Santa Cruz do Sul, Helena Hermany (Progressistas), à investigação do Ministério Público que afastou o vice-prefeito e quatro secretários do município por suspeitas de envolvimento em uma série de fraudes em licitações provocou reação por parte dos três promotores envolvidos. Em nota conjunta, eles rebateram as afirmações da prefeita.
Na tarde de quinta-feira (17), Helena convocou coletiva de imprensa para garantir confiança na atuação dos membros políticos e de carreira da gestão municipal. Segundo a chefe do Executivo, a intenção era esclarecer a origem dos R$ 47 milhões — valor do prejuízo com as fraudes estimado pelo Ministério Público.
Sem acesso aos autos, ela disse acreditar que esse era o valor de um conjunto de obras que já foram concluídas e outras que estão em execução, e que o MP não poderia falar em valor desviado.
— Somando os valores da obra executada no autódromo, dos dois lotes do trecho da BR-471, e mais o projeto de revitalização da pista, que teve a licitação suspensa, é que chegamos ao montante de R$ 47 milhões. Isso foi o que conseguimos captar pelas falas dos promotores, da divulgação na imprensa e nas redes sociais. Como nem eu e nem a prefeitura somos investigados, não tivemos até o momento o acesso ao conteúdo das possíveis provas — alegou a prefeita, que ainda completou que a investigação era uma trama política:
— Jamais imaginei que o Ministério Público fosse dar atenção para uma questão política. Ontem (quarta) de manhã uma vereadora deu entrevista e ela mesma tomou para ela, que ela passou as informações, que ela fez o garimpo (...) Claro, o Ministério Público tem que averiguar. Agora, o que foi feito, assim, (é) uma difamação — disse Hermany.
A chefe do Executivo santa-cruzense ainda reclamou que a operação seria responsável por paralisar obras importantes do município e que, por causa do Ministério Público, a cidade teria um “elefante branco”, se referindo ao autódromo, que teve a licitação para reforma cancelada.
Horas após a coletiva, os promotores Érico Barin, João Beltrame e Flávio Passos emitiram nota (leia abaixo na íntegra) em que rebatem as declarações da prefeita. Para os promotores, assim que tomar conhecimento das provas, Helena Hermany vai entender a gravidade dos crimes investigados.
“O MP não está gerando nenhum prejuízo a Santa Cruz do Sul, e sim protegendo os cofres públicos. Se algumas obras serão paralisadas, é apenas porque existem indícios muito fortes de que foram concebidas mediante fraudes. Ou seja, as paralisações não decorrerão da ação do MP, e sim das supostas infrações penais cometidas pela organização criminal”, diz o comunicado conjunto.
Nota dos promotores
"Considerando a entrevista coletiva concedida pela Prefeita Municipal na tarde de hoje, o Ministério Público, pelos três promotores de Justiça responsáveis pela Operação Controle, manifesta o que segue:
1. Embora tenhamos o máximo respeito pela posição da Prefeita, como ela mesmo disse na entrevista, partiu de suposições que ela fez a respeito da operação. Temos a convicção de que, quando tiver pleno acesso às provas coletadas na investigação, entenderá a gravidade dos crimes e a necessidade das medidas postuladas e determinadas pelo Poder Judiciário, inclusive de afastamento de servidores e de paralisação de obras.
2. Rechaçamos com veemência a pretensão de uso político da investigação, que é técnica, analisa fatos e decorre das funções constitucionais do MP. Rechaçamos, da mesma forma, ilações de terceiros, colocando-se como “autores de denúncias”. A investigação teve início a partir da atuação da 2ª promotoria de justiça especializada de Santa Cruz do Sul, mediante análise de licitações e contratos públicos de Santa Cruz do Sul.
3. O prejuízo aos cofres públicos foi estimado em 47 milhões, já que tais valores correspondem a contratos feitos ou a licitações em fase de lançamento com suspeitas de fraudes mediante ação de organização criminosa. É preciso pontuar que, se comprovadas as fraudes, sequer se poderá conceber que houve contratos públicos, e sim sem interesse público e direcionados para enriquecimento ilícito.
4. O MP não está gerando nenhum prejuízo a Santa Cruz do Sul, e sim protegendo os cofres públicos. Se algumas obras serão paralisadas, é apenas porque existem indícios muito fortes de que foram concebidas mediante fraudes. Ou seja, as paralisações não decorrerão da ação do MP, e sim das supostas infrações penais cometidas pela organização criminal.
5. Por fim, refutamos com mesma ênfase as expressões usadas pela Prefeita de que a ação do MP é “absurda”, “uma barbaridade” ou “deboche”. Nossa atuação é técnica e pautada em provas coletadas dentro da legalidade, sempre com o crivo do Poder judiciário. Com o encerramento da investigação, o que levará algum tempo, pela necessidade de análise das demais provas coletadas no último dia 14, o MP poderá esclarecer totalmente tudo o que foi investigado e as pretendidas consequências legais."
Operação Controle
A Operação Controle, deflagrada pelo Ministério Público na terça-feira (14), afastou o vice-prefeito de Santa Cruz do Sul, Elstor Renato Desbessell (PP), os secretários municipais de Planejamento e Governança, Everton Oltramari, de Segurança e Mobilidade Urbana, Valmir José dos Reis, de Desenvolvimento Econômico e Turismo, Marcio Farias Martins, e de Administração, Edemilson Cunha Severo, além de quatro servidores, cinco empresários e seis empresas. O vereador Henrique Hermany, filho da prefeita de Santa Cruz do Sul, Helena Hermany, também é alvo de investigação e foi afastado da Câmara de Vereadores.
Uma das irregularidades apontadas pelo Ministério Público envolve a reforma do Autódromo Internacional de Santa Cruz do Sul. Segundo o MP, além de fraudada e superfaturada, a obra teria sido executada com material de baixa qualidade, o que, conforme investigação, teria colocado em risco pilotos da Stock Car que disputaram corrida nesta pista em setembro de 2022.
Contrapontos
O vice-prefeito de Santa Cruz do Sul, Elstor Renato Desbessell (PP), negou a existência de fraudes e afirmou que vai provar inocência.
O vereador Henrique Hermany, filho da prefeita, alegou que acredita que é alvo da operação por sua atuação como advogado de uma das empresas investigadas, antes de assumir o cargo político.
Secretário de Planejamento, Everton Oltramari
Minha defesa ainda não teve acesso aos autos. Assumi a Secretaria de Planejamento em abril deste ano e sempre atuei de forma correta e de acordo com a lei. Vou colaborar com as investigações e desejo muito que tudo seja esclarecido com celeridade. Tenho 34 anos de serviço público e nunca fui processado criminalmente, acredito na Justiça e tenho convicção de que não pratiquei nenhuma irregularidade.
Secretário de Segurança, Valmir José dos Reis
Estamos de consciência limpa e tranquilos, embora chateados, porque analisando os assuntos apresentados, não vemos qualquer vínculo direto com a secretaria de segurança e mobilidade, e acreditamos nos técnicos das outras áreas específicas citadas.
Secretário de administração, Edemilson Severo
A Defesa esclarece que, até o momento, não foi concedida vista aos autos do inquérito e às medidas investigatórias relacionadas ao Sr. Edemilson Cunha Severo. A ausência de acesso limita a capacidade de oferecer uma resposta completa e esclarecedora e, ademais, fere as prerrogativas constitucionais do investigado, razão pela qual o Sr. Severo pronunciar-se-á de forma mais detalhada assim que houver o acesso integral aos documentos em questão. Não obstante, desde já salienta que manifestar-se-á exclusivamente nos autos, assegurando o devido processo legal e o respeito ao Juízo.
De outro lado, refuta veementemente todas as acusações que recaem sobre sua pessoa e salienta que, ao longo de sua trajetória, sempre esteve comprometido com a transparência e a verdade, razão pela qual reitera sua disposição e compromisso integral junto das autoridades competentes, visando esclarecer todos os fatos relacionados à investigação em questão. Vale destacar que o Sr. Edemilson Cunha Severo possui quase 10 anos de serviço público, e sua atuação em favor do Município de Santa Cruz do Sul foi pautada pela prestação de contas aos órgãos fiscalizadores e pela legalidade.
Secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo, Marcio Farias Martins
Disse que não vai se manifestar sobre o caso, apenas no processo.