A análise do marco temporal para a demarcação de terras indígenas retornou ao plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quarta-feira (7). No entanto, o ministro André Mendonça pediu vista e a análise do caso foi mais uma vez adiada.
Antes do pedido de vista, o ministro Alexandre de Moraes votou contra a tese do marco temporal. Com a manifestação de Moraes, o placar do julgamento está em dois a um contra o marco. Em 2021, antes da interrupção do julgamento, o ministro Edson Fachin votou contra a tese, e Nunes Marques se manifestou a favor.
A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, acompanhava o julgamento no plenário. Também havia cadeiras reservadas para 50 indígenas. Do lado de fora do STF, havia um telão que transmitia o julgamento para cerca de 2 mil indígenas que estavam na Esplanada protestando contra a tese.
Defendido pelos ruralistas, o marco temporal estabelecerá, se aprovado, que a demarcação de uma terra só pode ocorrer se for comprovado que o povo indígena que a requer estava ocupando o território quando a Constituição Federal foi promulgada — mais especificamente, no dia 5 de outubro de 1988.
Por outro lado, entidades que representam os povos originários argumentam que essa regra, se aprovada, restringirá o acesso dos indígenas a territórios aos quais teriam direito. Outra alegação é de que, em muitos casos, houve expulsões ou remoções forçadas nos períodos anteriores à Constituição.
A decisão do STF tem repercussão geral, ou seja, deverá ser seguida em situações semelhantes pelas instâncias inferiores da Justiça.
Na última semana, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei com a tese do marco temporal. Segundo o texto aprovado na Câmara, somente poderão ser demarcados como reservas indígenas os territórios efetivamente ocupados por povos originários em 5 de outubro de 1988, dia da promulgação da Constituição. Terras reivindicadas, ocupadas ou em conflito após essa data ficam proibidas de ser entregues a populações indígenas.
A proposta aguarda análise no Senado. Para virar lei, além do aval do Senado, o texto precisa da sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Voto de Moraes
No entendimento do Alexandre de Moraes, o reconhecimento da posse de terras indígenas independe da existência de um marco temporal baseado na promulgação da Constituição de 1988.
Moraes citou o caso específico julgado pelo STF para justificar a ilegalidade do marco. O ministro lembrou que os indígenas Xokleng abandonaram suas terras em Santa Catarina devido a conflitos que ocasionaram o assassinato de 244 deles, em 1930.
— Óbvio que, em 5 de outubro de 1988, eles não estavam lá, porque se estivessem, de 1930 a 1988, não teria sobrado nenhum. Será que é possível não reconhecer essa comunidade? Será que é possível ignorar totalmente essa comunidade indígena por não existir temporalidade entre o marco temporal e o esbulho (saída das terras)? — questionou Moraes.
Contudo, o ministro votou para garantir aos proprietários que possuem títulos de propriedades que estão localizadas em terras indígenas o direito de indenização integral para desapropriação. Para o ministro, existem casos de pessoas que agiram de boa-fé e não tinham conhecimento sobre a existência de indígenas onde habitam.
— Quando reconhecido efetivamente que a terra tradicional é indígena, a indenização deve ser completa. A terra nua e todas benfeitorias. A culpa, omissão, o lapso foi do poder público — completou.
Histórico na Corte
A primeira vez que a discussão sobre a fixação do marco temporal apareceu no Supremo foi em 2009, durante a análise da demarcação da reserva Raposa-Serra do Sol, em Roraima. Na época, os ministros decidiram em favor dos indígenas utilizando como uma das justificativas o fato de que eles estavam no local na data da promulgação da Constituição.
No entanto, a partir de então, o argumento passou a ser aplicado de forma a restringir as demarcações nos casos em que as áreas não estavam sendo ocupadas pelos indígenas em outubro de 1988.
No caso do julgamento retomado nesta quarta, o processo teve origem em Santa Catarina, quando famílias indígenas ocuparam parte da reserva ecológica estadual do Sassafrás, no norte catarinense, reivindicando que a gleba também abriga a terra Ibirama-Laklãnõ.
Na época, o governo estadual entrou na Justiça pedindo reintegração de posse, julgada procedente. No entanto, a Fundação Nacional do Índio (Funai) recorreu ao Supremo alegando que o acórdão emitido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) viola o artigo 231 da Constituição.
Em decisão do dia 11 de abril de 2019, o plenário do STF reconheceu, por unanimidade, a repercussão geral do julgamento do recurso. Isso significa que a decisão tomada neste caso servirá de regra para disputas semelhantes em todo o país.