Motivo de disputa entre agricultores e povos originários, a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas retornou ao plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Nesta quarta-feira (7), a Corte retoma o julgamento sobre o tema, que se arrasta desde 2021, a fim de decidir se a delimitação desse marco está abrigada pela Constituição Federal.
Defendido pelos ruralistas, o marco temporal estabelece que a demarcação de uma terra só pode ocorrer se for comprovado que o povo indígena que a requer estava ocupando o território quando a Constituição Federal foi promulgada - mais especificamente, no dia 5 de outubro de 1988.
Por outro lado, entidades que representam os povos originários argumentam que essa regra restringirá o acesso dos indígenas a territórios aos quais teriam direito. Outra alegação é de que, em muitos casos, houve expulsões ou remoções forçadas nos períodos anteriores à Constituição.
Para além da discussão de mérito, o julgamento também tem potencial de provocar turbulência na relação entre o Congresso e o STF. Se os ministros declararem a tese inconstitucional, vão contrariar o conteúdo de um projeto de lei aprovado na semana passada pela Câmara dos Deputados e que está tramitando no Senado.
A primeira vez que a discussão sobre a fixação do marco temporal apareceu no Supremo foi em 2009, durante a análise da demarcação da reserva Raposa-Serra do Sol, em Roraima. Na época, os ministros decidiram em favor dos indígenas utilizando como uma das justificativas o fato de que eles estavam no local na data da promulgação da Constituição.
No entanto, a partir de então, o argumento passou a ser aplicado de forma a restringir as demarcações nos casos em que as áreas não estavam sendo ocupadas pelos indígenas em outubro de 1988.
No caso do julgamento que será retomado nesta quarta, o processo teve origem em Santa Catarina, quando famílias indígenas ocuparam parte da reserva ecológica estadual do Sassafrás, no Norte catarinense, reivindicando que a gleba também abriga a terra Ibirama-Laklãnõ.
Na época, o governo estadual entrou na Justiça pedindo reintegração de posse, julgada procedente. No entanto, a Fundação Nacional do Índio (Funai) recorreu ao Supremo alegando que o acórdão emitido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) viola o artigo 231 da Constituição.
Em decisão do dia 11 de abril de 2019, o plenário do STF reconheceu, por unanimidade, a repercussão geral do julgamento do recurso. Isso significa que a decisão tomada neste caso servirá de regra para disputas semelhantes em todo o país.
Na sessão, a Corte ainda julgará se mantém a liminar concedida pelo ministro Edson Fachin que suspendeu os efeitos de um parecer da Advocacia-Geral da União que implementava o marco temporal como normativa para os procedimentos de demarcação das terras indígenas.
A apreciação do tema em plenário começou em 2021 e, até o momento, está empatada em 1 a 1. Relator do caso, Fachin se manifestou contrário ao marco temporal, enquanto o ministro Nunes Marques votou a favor da tese. Logo depois, Alexandre de Moraes pediu vista e interrompeu o julgamento.
Possível embate
A depender do teor, o resultado do julgamento pode contrariar parte de um projeto de lei aprovado na semana passada pela Câmara dos Deputados, à revelia do governo Lula. O texto define que, se a comunidade indígena estivesse ausente do território pretendido para a demarcação do dia 5 de outubro de 1988, a área deixa de ser caracterizada como terra indígena, salvo em caso de "renitente esbulho devidamente comprovado".
Ou seja: os indígenas teriam de comprovar que estavam ocupando o local ou que foram retirados de forma violenta para requerer a posse da terra.
A proposta ainda permite o cultivo de transgênicos em terras exploradas pelos povos indígenas, proíbe a ampliação de terras já demarcadas e autoriza a prática de turismo nessas áreas.
Antes da votação, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), relatou que o governo tentou mediar um acordo envolvendo o Congresso e o STF para que a votação fosse adiada, mas a negociação não prosperou.
Por isso, não se descarta que algum dos ministros peça vista, adiando novamente a discussão do tema a fim de tentar viabilizar um acordo entre os poderes.
Se o marco temporal for julgado inconstitucional, o projeto aprovado na Câmara - ou ao menos parte dele - teria seu efeito anulado. Para virar lei, a proposta ainda depende de aprovação no Senado e sanção presidencial.