Às vésperas de completar seis meses de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cogita uma minirreforma ministerial para reorganizar a base de apoio. As mudanças devem ser feitas aos poucos, para não expor ainda mais a fragilidade da articulação política após sucessivas derrotas na Câmara.
Enquanto estuda as trocas no primeiro escalão, Lula tenta fazer avançar a pauta governista no Congresso. As demissões mais prováveis são de Daniela Carneiro (Turismo) e Juscelino Filho (Comunicações), ambos do União Brasil. Eles se tornaram problemáticos porque não agregam votos em plenário e ainda geram desgaste ao governo.
Daniela teria vínculos com milícias e hoje não tem o respaldo do próprio partido. Já Juscelino é alvo de repetidas denúncias de irregularidades, como usar avião da FAB para participar de leilão de cavalos e ceder o gabinete para o sogro despachar com empresários.
Com as mudanças, o Planalto espera melhorar a relação com a Câmara. Refém da influência que o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), mantém sobre grande parte dos deputados, Lula perdeu votações importantes, como a do marco temporal, e viu caducar a validade de medidas provisórias (MPs).
Embora abrigue consórcio partidário que soma 222 votos, o petista reconhece que pode contar é com apoio dos 136 parlamentares vinculados à esquerda. Dessa forma, a cada votação é preciso negociar no varejo, articulação que demanda tempo e barganhas individuais.
— Na verdade, o governo não tem base, não tem sustentação. Por isso não consegue fazer avançar seus projetos. Como o Congresso não tem uma agenda legislativa própria, Lula fica a reboque. Foi o caso do marco temporal, no qual a oposição foi buscar um projeto na gaveta só para colocar o governo no corner — diz o cientista político André César, da Hold Assessoria Legislativa.
É para tentar garantir uma fidelidade maior e mais duradoura que Lula vem sendo pressionado a fazer mudanças na Esplanada. O presidente se mantinha refratário à iniciativa, considerando um sinal de fraqueza demitir ministros com menos de seis meses de governo.
Todavia, não há indícios de que a relação com o Congresso vá melhorar sem o redesenho. Lira já foi claro ao dizer que não colocará em votação projetos de interesse do governo se não houver melhora na articulação política. Para além dos ministros, o que move os deputados é maior agilidade na liberação de emendas e na indicação de cargos de segundo e terceiro escalão.
Para amenizar a rebelião, Lula determinou ao ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, a entrega de 250 cargos até o final do mês e mais velocidade no pagamento das emendas. Na véspera da votação da MP que estruturou o organograma do governo, o Planalto liberou R$ 1,7 bilhão, maior volume pago em apenas um dia desde o início do mandato.
Queixas concentradas em dois ministros
Com o cofre aberto, Lira telefonou pessoalmente para vários deputados pedindo voto em favor da MP, que restou aprovada com folga. Uma semana antes, o presidente da Câmara havia dado demonstração explícita de como, conforme seu humor, pode ajudar ou atrapalhar o governo.
Em 24 de maio, conduziu a aprovação do arcabouço fiscal. No dia seguinte, articulou a vitória da oposição no relatório que retirava atribuições de ministérios caros ao governo, como o do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas.
— Parece que a gente já vive um semiparlamentarismo, um semipresidencialismo. Há uma distorção crescente nessa relação entre governo e Congresso, principalmente depois que o volume de emendas parlamentares cresceu. Pode ser que o ambiente fique mais calmo agora, já que há muito cargo ainda ocupado por remanescentes do governo Bolsonaro — comenta o deputado Alexandre Lindenmeyer (PT-RS).
Em geral, as queixas então concentradas em dois ministros palacianos: Padilha e Rui Costa. Principal articulador político do Planalto, Padilha é criticado pela falta de autonomia. Deputados relatam que são recebidos com mesura, encaminham demandas, mas o ministro se levanta em meio às reuniões para pedir autorização para fechar os acordos. Já Costa nem recebe os parlamentares. Mas eventual demissão deles está descartada.
Mudança no centro do poder está descartada
Embora haja a percepção na Câmara de que há ministros demais do PT e que partidos aliados estariam sub-representados, o presidente Lula não pretende mexer no centro do poder. Por enquanto, a ideia é restringir as mudanças aos ministérios do Turismo e das Comunicações, contendo a insatisfação do União Brasil, terceira maior bancada da Câmara, com 59 deputados. Líder do partido, Elmar Nascimento (UB-BA) administra o jogo de pressões como forma de se cacifar à sucessão de Arthur Lira em 2025.
Lula também espera ampliar a lealdade dos demais partidos de centro e direita, como PSD, Republicanos, MDB e PP. Para tanto, pretende usar estatais e bancos públicos, como Caixa, Correios e Codevasf.
A investida do PP sobre o Ministério da Saúde, porém, será rechaçada. Em contrapartida, se discute a recriação da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), autarquia cuja extinção foi revertida pelo Congresso e conta com 27 diretorias e orçamento de R$ 640 milhões para obras de saneamento básico em municípios.
— Se o governo quer fazer alguma coisa, precisa reorganizar a articulação política. Logo ali na frente vai acabar a paciência do presidente Lira e vai ser derrota em cima de derrota, inclusive em temas que foram promessas de campanha — alerta o deputado Covatti Filho (PP-RS), interlocutor contumaz de Lira e que faz oposição ao governo.
A pauta governista
Projetos que o governo gostaria de aprovar antes do recesso:
- MP do Minha Casa, Minha Vida: a medida provisória que recria o programa de habitação precisa passar pelo Senado até quarta-feira, quando perde a validade.
- Reforma tributária: relatório final foi apresentado na última terça-feira e deve ser levada a votação no plenário da Câmara em julho, antes do recesso.
- Voto de qualidade no Carf: projeto que dá vitória ao governo federal em caso de empate no julgamento de dívidas fiscais garante R$ 59 bilhões ao ano e está parado na Câmara.
- Arcabouço fiscal: fundamental à queda nas taxas de juros, as novas regras de controle de gastos passaram pela Câmara e estão em discussão no Senado.
- Marco do saneamento: governo busca reverter no Senado derrota colhida na Câmara, que anulou restrições do Planalto às privatizações no setor de água e esgoto.
- Sabatina de Zanin: indicação ao Supremo Tribunal Federal do advogado pessoal de Lula, Cristiano Zanin, deve ir a votação no Senado até o fim do mês.
Perdas no Congresso principais derrotas do governo:
- Marco do saneamento: primeiro revés do governo na Câmara, com anulação de trechos de dois decretos presidenciais com mudanças no marco do saneamento.
- PL das Fake News: sem garantia de aprovação, o projeto que criminaliza fake news foi retirado de pauta em 2 de maio e não tem nova data para ser votado.
- Organograma do governo: embora aprovada, a MP que redesenhou o governo esvaziou as pastas do Meio Ambiente, dos Povos Indígenas e do Desenvolvimento Agrário.
- Marco temporal: bancada ruralista, oposição e parte da base aliada aprovaram medida que restringe demarcação de terras indígenas a áreas ocupadas em 1988.
- CPI do MST: tradicional aliado do PT, o Movimento Sem Terra é alvo de investigação em CPI com maioria da oposição e da bancada ruralista.