Após uma ameaça de rebelião de deputados do Centrão contra o governo, a Câmara dos Deputados aprovou na noite da quarta-feira (31), a medida provisória (MP) que define os ministérios da gestão petista. Foram 337 votos favoráveis, 125 contrários e uma abstenção. Para assegurar a aprovação do texto na Câmara, apenas na terça-feira (30), quando a proposta seria votada, R$ 1,7 bilhão foi liberado em emendas parlamentares ao orçamento.
A desarticulação política do governo Luiz Inácio Lula da Silva com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e líderes da Casa pôs em risco a estrutura do Executivo federal. E o governo ainda corre contra o tempo. O Senado precisa votar o texto da MP até a meia-noite desta quinta-feira (1º), para evitar que a medida provisória caduque e o Executivo federal tenha que desmontar 17 novos ministérios criados por Lula.
A votação foi adiada para esta quarta-feira após líderes de partidos aliados ameaçarem uma rebelião.
— Há uma insatisfação generalizada dos deputados com a falta de articulação política do governo, não de um, nem de outro — disse o presidente da Câmara, Arthur Lira.
Depois de Lula entrar em campo, telefonar para Lira ainda pela manhã e se tornar oficial a liberação de recursos, partidos que se opunham à votação tentando forçar que a MP perdesse validade mudaram de lado.
— Hoje (a reunião de líderes) foi mamão com açúcar. Foi tranquilo — disse André Fufuca (MA), líder do PP, se referindo ao encontro desta quarta-feira.
O partido de Lira passou a defender a aprovação da MP dos Ministérios de Lula. Após a votação, Lula ligou para o líder do governo, José Guimarães (PT-CE) parabenizando-o pela aprovação.
Mudanças na Esplanada
O texto aprovado altera a estrutura original do governo desenhada durante a transição. Por conta da pressão da bancada ruralista com apoio de deputados do Centrão, a nova versão da MP retirou poderes dos Ministérios de Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. A pasta de Marina ficou sem o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e sem a Agência Nacional de Águas (ANA). Já o Ministério dos Povos Indígenas perdeu poder de definir demarcações de reservas, função que foi repassada ao Ministério da Justiça.
A ANA ficará com o ministério das Cidades, de Waldez Góes, aliado de Davi Alcolumbre (União-AP), que presidiu a MP no Congresso; o CAR foi para o ministério da Gestão, de Esther Dweck.
Outra alteração aprovada no Congresso foi deixar a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Na versão original, a área tinha sido deslocada para a Casa Civil. A estratégia do governo era desmilitarizar a Abin após o fracasso na antecipação e monitoramento das invasões do dia 8 de janeiro, e reformular o órgão para "limpar" a agência de militares ainda fiéis ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
Mesmo com as mudanças feitas pelos deputados, membros relevantes do PT passaram a defender a aprovação do texto. O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse na terça-feira que o governo iria defender o relatório da MP dos Ministérios "do jeito que está". Acompanharam o discurso parlamentares petistas.
Insatisfação com ministros
Para o deputado José Nelto (PP-GO), a votação é um marco na relação de Lula com o Congresso.
— Hoje sabemos se ele quer ir para o enfrentamento ou para a governabilidade — disse.
O ministro Rui Costa, da Casa Civil, tem sido alvo de críticas de congressistas.
— Há um ressentimento dos próprios parlamentares, até do PT, da oposição, que o ministro da Casa Civil não recebe líderes partidários — disse Nelto, que até admitiu que votou em Lula em 2022.
Porém as sinalizações do presidente ao longo dos quatro meses o desagradam. A visita do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, ao Brasil foi a última delas. O incidente causou constrangimento em quem ainda deseja votar com a base.
Marangoni (União-SP), relator da MP do Minha Casa Minha Vida, por exemplo, só teve o primeiro diálogo com Rui nesta quarta-feira, quando o parecer seria votado. Líderes queixam-se constantemente da indisponibilidade ou de atrasos em reuniões com ele.
O diálogo também está prejudicado com Alexandre Padilha, das Relações Institucionais. As reclamações passam pela falta de repasses de emendas, promessas de resolução de pedidos de parlamentares e a lentidão na distribuição de cargos em estatais e autarquias. O próprio líder do governo, José Guimarães, reconheceu os problemas.
Lula já pagou R$ 5,5 bilhões em emendas parlamentares neste ano, com liberações recordes nos últimos dias em razão da crise com o Congresso. Apenas no dia do arcabouço fiscal, por exemplo, foram R$ 1 bilhão liberados. Ainda assim, os deputados querem mais. Depois da aprovação do arcabouço o governo só enfrentou derrotas. A gestão petista viu a Câmara aprovar o marco temporal na terça-feira (30), limitando a demarcação de terras indígenas, e ainda não conseguiu aprovar a primeira medida provisória assinada por Lula.