O coronel de artilharia do Exército Jean Lawand Júnior disse nesta terça-feira (27) à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do 8 de Janeiro que jamais pediu por ruptura institucional, mas, sim, por uma ordem do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para "apaziguar" o país após as eleições do ano passado.
O militar teve suas conversas com o ex-ajudante de ordens da Presidência sob Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, interceptadas pela Polícia Federal (PF). Os agentes federais investigavam o envolvimento de oficiais do alto escalão das Forças Armadas em tentativas de golpe na esteira do resultado eleitoral de 2022. O material apreendido pela PF expõe um plano, em oito etapas, elaborado pelo coronel para que as Forças Armadas tomassem o comando do país antes da sucessão presidencial, evitando a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
"Cidão, pelo amor de Deus, cara. Ele (Bolsonaro) dê a ordem, que o povo está com ele (...) Acaba com o Exército Brasileiro se esses caras não cumprirem a ordem do Comandante Supremo", afirmou Lewand na troca de mensagens com Cid.
Apesar do teor enfático das mensagens, Lawand disse na CPI que "em nenhum momento" falou sobre golpe. Ele justificou que o material coletado pela PF é objeto de "conversas privadas" e que a "ordem" cobrada era para que Bolsonaro "apaziguasse" a situação nas ruas do país.
— Em nenhum momento atentei contra a democracia brasileira, em nenhum momento quis atentar ou agredir as instituições — afirmou.
Em outras conversas interceptadas pela PF, Lawand dizia a Cid que se Bolsonaro encontrava resistência no alto comando do Exército haveria adesão total nas patentes mais baixas, caso ele desse a "ordem".
Ao ser confrontado pela relatora Eliziane Gama (PSD-MA) sobre qual dos dois grupos militares estaria do lado da legalidade, o coronel disse que foi infeliz em suas falas e que não deveria ter falado sobre o alto escalão por ser um "simples" oficial sem acesso a informações.
— Essa frase foi muito infeliz minha. Quando eu disse que o Exército não faria, eu me equivoquei. Eu me redimo disso. Foi uma coisa que falei errado. Eu acredito que, se o presidente desse a ordem para apaziguar o país, o Exército e as forças de segurança atuariam. Mas fui muito infeliz nessa fala. Não tenho contato com ninguém do Alto Comando. Não posso, na minha condição de coronel, dizer o que pensa o Alto Comando — disse o militar.
As trocas de mensagens entre Lawand e Cid duraram do início de novembro de 2022 até o final de dezembro, quando o coronel reconheceu que não haveria quaisquer ordens de Bolsonaro e demonstrou frustração.
Nas conversas, Lawand disse que "entregamos o país aos bandidos", mas não soube explicar quem seriam os criminosos ao ser questionado pela deputada Jandira Feghali (PCdo-B). O oficial se limitou a dizer que não desrespeitou autoridades.
A relatora da CPI questionou o depoente sobre trechos específicos das conversas com Mauro Cid. Em um deles, Lawand afirma que o Exército cumpriria "prontamente" uma ordem de Jair Bolsonaro, mas não atuaria "de modo próprio" — o que poderia ser interpretado como um golpe. Para Eliziane, os diálogos configuram uma tentativa de intervenção militar.
"Coincidência"
Lawand classificou como "uma coincidência" o fato de manifestantes terem tentado invadir as sedes dos poderes da República e armado uma bomba perto do aeroporto de Brasília após as mensagens trocadas entre ele e Mauro Cid. Questionado pela relatora, o militar afirmou que "não tinha condições" para articular um golpe de Estado contra o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.
— Acho que foi coincidência. Eu não tinha como influenciar o povo. Eu não tinha motivação, capacidade ou força para fazer qualquer atentado ou motivar as pessoas a fazê-lo. Foi uma coincidência — afirmou.
A senadora reagiu. Para a relatora, as respostas do Lawand são uma tentativa de tratar como crianças os integrantes da CPI que investiga os ataques aos poderes da República.
— As mensagens são do dia 1º de dezembro. Doze dias depois, tivemos uma manifestação destruidora. Carros foram queimados, destruídos. No dia 24, tivemos um ato de terrorismo: a tentativa clara de destruir um caminhão de combustíveis. No dia 8 de janeiro, a invasão ao STF, Congresso e Planalto. As colocações são totalmente incompatíveis com o conteúdo de mensagens que o senhor próprio escreveu — disse a relatora ao depoente.
Lawand prestou depoimento amparado por um habeas corpus da ministra Carmem Lucia, do Supremo Tribunal Federal (STF). Pela decisão, o militar poderia permanecer em silêncio. Apesar disso, a testemunha respondeu as perguntas.
Lawand é formada na Academia Militar das Agulhas Negras, no sul do Estado do Rio de Janeiro, a mesma frequentada por Bolsonaro antes de entrar na política. O coronel se graduou em ciências militares. Durante o governo Bolsonaro, ele chegou a ser condecorado no Quadro Ordinário do Corpo de Graduados Efetivos da Ordem do Mérito Militar