O Conselho do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) afastou provisoriamente na segunda-feira (22) o juiz Eduardo Appio, responsável pelos processos da Lava-Jato na 13ª Vara Federal em Curitiba. Appio terá 15 dias para apresentar defesa no caso que apura possíveis infrações disciplinares.
Por qual razão Appio foi afastado ?
Segundo o relatório do TRF4 publicado pela CNN, o juiz é investigado por suposta ameaça ao filho do desembargador federal Marcelo Malucelli. Uma representação feita por Malucelli aponta que o advogado João Eduardo Barreto Malucelli recebeu uma ligação de um funcionário da Justiça Federal, em abril, por um número bloqueado. O servidor teria se referido a dados sigilosos referentes a imposto de renda e despesas médicas.
A decisão ainda aponta que, na ligação gravada, o homem questiona se João Eduardo "não tem aprontado nada". No documento, também consta que "pôde-se perceber existir muita semelhança entre a voz do interlocutor da ligação telefônica suspeita e a do juiz federal Eduardo Fernando Appio". O fato foi comunicado à Polícia Federal (PF), que confirmou, em perícia, forte possibilidade de a voz ser do magistrado.
O nome usado para se identificar na ligação foi indicado como inexistente no quadro de funcionários da Justiça Federal. Se confirmada a situação, Appio pode ter cometido infrações como usar dados restritos para "intimar, constranger ou ameaçar desembargador federal", além de passar-se por outra pessoa e utilizar telefone sem identificador de chamada.
Desde quando Appio estava à frente da Lava-Jato?
Eduardo Appio assumiu o comando do berço da Operação Lava-Jato em fevereiro. Horas antes da decisão de afastamento, ele havia dado uma entrevista à GloboNews afirmando que usava um código alusivo ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva no sistema da Justiça até este ano. A ação seria uma forma de protesto contra uma prisão que ele considerava ilegal.
Apesar de ser crítico de Moro e confirmar que considera Lula uma figura histórica importante para o país, Appio negou que as opiniões pudessem afetar as suas decisões. O magistrado agora afastado ocupava a cadeira que foi do então juiz Sergio Moro.
Quais os próximos passos da investigação sobre Appio?
A investigação do TRF4 sobre Appio não tem data para terminar. Ao determinar o afastamento cautelar do magistrado, o tribunal deu 15 dias para que ele apresente defesa prévia sobre as suspeitas que recaem sobre ele. Até o momento, Appio não se manifestou sobre a decisão da Corte Especial Administrativa.
Os desembargadores ainda determinaram que o magistrado devolva aparelhos eletrônicos por ele usados — desktop, notebook e celular funcionais. Os equipamentos ficarão acautelados com a Corte.
O TRF4 ressaltou a necessidade de adotar os "devidos protocolos de cadeia de custódia de eventuais indícios e provas". Assim, há uma expectativa de que os aparelhos sejam analisados no bojo da apuração.
Quem é Marcelo Malucelli?
O desembargador Marcelo Malucelli, do TRF4, foi relator da Lava-Jato na Corte regional, mas se declarou suspeito para analisar os processos da operação após desentendimento com Appio.
O embate teve início quando Malucelli despachou no caso do advogado Rodrigo Tacla Duran, ex-operador da Odebrecht. Ele restabeleceu antiga decisão do juiz Luiz Antônio Bonat, ex-titular da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba. Em um primeiro momento, o TRF4 divulgou que o desembargador havia derrubado uma determinação de Appio e restabelecido a prisão preventiva de Tacla Duran. Depois, a Corte voltou atrás, e disse que houve erro de interpretação sobre a decisão.
Antes da retificação do TRF4, Appio também entendeu que Malucelli havia restabelecido a prisão de Tacla Duran. Em razão do impasse, o desembargador acabou na mira de apuração do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ele chegou a se explicar para a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber.
No mês passado, Malucelli se declarou suspeito e pediu para deixar a relatoria de processos derivados da Lava-Jato. Ele foi criticado por ter relações pessoais com a família do senador Sergio Moro, fato que o impediria de analisar os casos.
O filho de Malucelli, João Eduardo, é sócio de Moro e da deputada federal Rosangela Moro em um escritório de advocacia. Além disso, ele seria genro dos parlamentares.
Quem é Tacla Duran?
O advogado Rodrigo Tacla Duran foi apontado como ex-operador de propinas da Odebrecht. Appio revogou a prisão preventiva que vigorava, desde 2016, contra ele. Em seguida, o juiz marcou audiência com o advogado, ocasião na qual ele citou o nome do ex-juiz Sergio Moro e do ex-procurador Deltan Dallagnol em meio a um suposto esquema de extorsão.
Tal menção levou Appio a remeter o caso ao STF, onde as alegações estão sob apuração conduzida pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Tacla Duran já tentou fechar delação premiada com o Ministério Público Federal (MPF), mas o acordo não foi para frente.
Pouco antes de sua aposentadoria, o ministro Ricardo Lewandowski decidiu que o STF é responsável por analisar a apuração do MPF sobre o depoimento de Tacla Duran. O caso atualmente é conduzido pelo ministro Dias Toffoli. Em meio à crise entre a primeira e a segunda instância da Justiça Federal do Paraná, Toffoli determinou que sejam remetidas à seu gabinete cópias de todos os processos envolvendo Tacla Duran.
Quem substituirá Appio na condução da Lava-Jato?
A decisão do TRF4 que afastou Appio da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba colocou a condução da Lava-Jato, temporariamente, nas mãos da juíza Gabriela Hardt, que já atuou na operação.
A magistrada já havia despachado ao lado dos dois antecessores de Appio: Luiz Antônio Bonat, alçado a desembargador da Corte Regional, e Sergio Moro.
A magistrada já proferiu o primeiro despacho na Lava-Jato após reassumir a operação. Na manhã desta terça-feira (23), determinou que o MPF se manifeste no bojo do processo em que Appio insistiu que a PF apurasse a escuta ilegal encontrada na cela do doleiro Alberto Youssef à época em que ele esteve preso na carceragem da corporação em Curitiba.
Se, desde fevereiro, os processos remanescentes da Lava-Jato eram conduzidos por um juiz declaradamente crítico aos métodos da antiga força-tarefa, agora as ações passam para uma magistrada que mantém bom relacionamento com Moro desde o tempo em que ele era titular da 13ª Vara.
Gabriela chegou a sentenciar o presidente Lula, condenando o petista a 12 anos e 11 de meses de prisão no processo do sítio de Atibaia. Posteriormente, a condenação foi derrubada pelo STF, ao reconhecer a suspeição do ex-juiz Sergio Moro para analisar processos envolvendo o presidente.
Em uma decisão recente, ligada ao ex-juiz da Lava-Jato, Gabriela mandou prender núcleo do PCC que planejava o sequestro de Moro. A juíza acolheu pedido da PF e autorizou a Operação Sequaz — deflagrada no dia 22 de março pela Polícia Federal. À época, ela estava cobrindo férias da juíza Sandra Regina Soares, da 9ª Vara Federal de Curitiba.
Os processos da Lava-Jato podem ficar pouco tempo nas mãos de Gabriela e eventualmente serem analisados por outro magistrado. Isso porque ela atualmente participa de um concurso de remoção: seu objetivo primeiro é atuar em outros juízos, fora de Curitiba. O concurso ainda está em trâmite, ou seja, também não há definição sobre a futura atuação da magistrada.