Em 2018, quando Sergio Moro deixou o Judiciário para ser ministro da Justiça, cometeu um equívoco primário. Falei à época, Moro não poderia ter abandonado a toga para assumir um cargo no então governo recém eleito. No meu entendimento, deveria permanecer e concluir a operação que parava o país a cada fase e que tinha colocado o ex-presidente e os barões das empreiteiras na cadeia.
O procurador-chefe da Lava-Jato, Deltan Dallagnol, aparecia nos noticiários todos os dias. Era a personificação do “caça-bandidos”. Moro e Deltan eram famosos, percorriam o Brasil dando palestras, eram sempre aplaudidos. Um claro exagero, principalmente para quem idolatra pessoas que cumprem o seu dever no serviço público. Os brasileiros não estavam acostumados a ver graúdos algemados e isso cegou o país.
Talvez embevecidos pelo poder, é inegável que praticaram deslizes primários, com combinações entre procurador e juiz, o que, juridicamente, é muito grave. Como os dois terminaram na política, hoje são vilipendiados.
Moro e Deltan são a cara da Lava-Jato, mas vamos com cuidado. A operação envolve muita gente, muitos procuradores da República, desembargadores, ministros de instâncias superiores.
Ouvimos, estarrecidos, inúmeras delações premiadas de donos das maiores empreiteiras do Brasil, com negócios no Exterior, e integrantes da Petrobras. Paulo Roberto Costa, Nestor Cerveró e companhia encheram os bolsos (e as contas bancárias) com dinheiro público da Petrobras. Antonio Palocci foi preso e escreveu uma carta que atingiu em cheio o próprio partido, o PT.
A Odebrecht criou um sistema para pagamento de propina. Alexandrino de Alencar, que chefiava as relações institucionais da construtora e tinha interesse em polpudos contratos com inúmeros governos, confessou, entre outras coisas, que desfilava no meio político distribuindo dinheiro da Odebrecht. Outros 77 executivos da construtora confessaram seus truques que revelaram um esquema de corrupção intercontinental. Três destes executivos apontaram para Alexandrino como o “operador” da propina. Alberto Youssef, embora exercendo a atividade ilegal de operador com moeda estrangeira, era o doleiro a quem eles recorriam.
Léo Pinheiro, da OAS, entregou todas as traquinagens possíveis. Eduardo Cunha foi preso. O ex-governador do Rio de Janeiro Sergio Cabral foi condenado e preso. A esposa dele, a advogada Adriana Ancelmo, também foi presa. Bilhões de reais (o valor exato varia de fonte) voltaram para os cofres públicos.
Alguns detratores da Lava-Jato justificam que o prejuízo econômico foi muito maior do que o dinheiro recuperado. Será que estas mesmas pessoas toleravam a corrupção desenfreada em nome da economia? Mais fácil seria os graúdos pararem de roubar. Neste caso, a Lava-Jato não seria necessária e a economia ficaria intacta.
Juridicamente, as provas podem ser contestadas pelos erros cometidos por quem não podia errar. Mas não podemos ser acometidos por amnésia.