O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou na quarta-feira (5) dois decretos que modificam o Marco Legal do Saneamento e abrem caminho para que estatais dos Estados continuem operando os serviços de água e esgoto sem licitação — quebrando, assim, um dos fundamentos da lei sancionada em 2020.
A nova regulamentação recebeu críticas das empresas privadas por mudar regras estabelecidas na lei, o que pode gerar insegurança jurídica e travar os investimentos no segmento. Hoje, o saneamento é prestado em sua maioria por empresas públicas estaduais. O objetivo do novo marco é justamente aumentar a concorrência e melhorar a qualidade da infraestrutura.
Antes da edição dos decretos por Lula, 1.113 municípios, com população de 29,8 milhões, tiveram os contratos considerados irregulares com as companhias de água e esgoto após análise da capacidade delas de cumprir os objetivos do novo marco: universalizar os serviços de água e esgoto até 2033, com fornecimento de água para 99% da população e coleta e tratamento de esgoto para 90%. Foi esta situação que levou o governo do RS a leiloar a Corsan.
Mudanças no saneamento tiram pressão sobre privatização no segmento
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Atualmente, 100 milhões de pessoas não têm rede de esgoto e falta água potável para 35 milhões, segundo ranking divulgado este ano pelo Instituto Trata Brasil, com base nos indicadores de 2021 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento.
Da forma como estava previsto na lei, esses 1.113 municípios não poderiam receber verba federal para cumprir as exigências, já que os contratos foram considerados irregulares. O Palácio do Planalto, porém, justificou a mudança com o argumento de que é preciso evitar que serviços e investimentos sejam suspensos e que haverá "rigorosa fiscalização".
Na cerimônia de assinatura dos decretos, Lula disse que é preciso um "voto de confiança" nas empresas públicas.
— Se isso não der certo, não tem culpado. Se der certo, todos vão ganhar — afirmou.
O ministro das Cidades, Jader Filho, disse que as agências reguladoras irão acompanhar o cumprimento das metas de empresas públicas e privadas. As companhias que não cumprirem as metas não receberão recursos públicos, segundo o ministro.
PPP e o novo prazo
Outra mudança é o fim do limite de 25% para a realização de Parcerias Público-Privadas (PPP) pelos Estados, em um aceno para ampliar a participação da iniciativa privada no setor. O governo estimou investimentos de R$ 120 bilhões até 2033, prazo para a universalização dos serviços.
— Essa medida vai alavancar muitos projetos por esse tipo de mecanismo — disse o ministro.
Outro ponto tratado na nova regulação é a regionalização da prestação dos serviços, trazida pelo Marco Legal do Saneamento para atender à lógica do chamado "filé com osso". Como a lei incentiva a concessão dos serviços de água e esgoto, a ideia foi de não deixar que municípios pouco atrativos para a iniciativa privada fossem escanteados do processo de universalização.
Regionalização
A legislação exige, portanto, que, para ter acesso às verbas federais, os serviços devem ser prestados de forma regionalizada, atendendo mais de um município. As novas regras prorrogam o prazo para essa regionalização até 31 de dezembro de 2025. O prazo anterior se encerraria em 31 de março deste ano, o que deixaria outros 2.098 municípios, com população de 65,8 milhões de habitantes, que ainda não estão regionalizados, também impedidos de acessar recursos federais para ações de saneamento, segundo o governo.
— O novo prazo garante aos Estados o tempo necessário para estruturação adequada da prestação regionalizada nos territórios, na forma prevista no novo marco legal, sem prejudicar os investimentos no período de transição para o novo modelo de prestação — explica o Planalto.
Liberação de estatais recebe críticas e fim de limite para PPPs é elogiado
Entre as mudanças no Marco Legal do Saneamento, a que permite estatais continuarem prestando serviço sem licitação enquanto se ajustam às regras foi a que chamou mais atenção de especialistas. Para a diretora executiva do Instituto Trata Brasil (formado por empresas com interesse no avanço do saneamento básico), Luana Pretto, as estatais precisam comprovar capacidade econômica e financeira de que podem fazer os investimentos para que a lei seja cumprida. A legislação coloca 2033 como meta para universalização do saneamento no país.
Luana diz que, para cumprir a meta, seria preciso investir cerca de R$ 200 em saneamento por habitante por ano. Nos últimos cinco anos, a média foi de R$ 82.
— O importante é que a população tenha acesso ao serviço, independentemente de quem vai prestá-lo. O histórico é de falta de investimentos por parte das estatais. Não dá para esperar chegar 2033 para se concluir que a meta não será atingida.
Ex-presidente da Sabesp e sócio da consultoria GO Associados, Gesner Oliveira também critica a continuidade da prestação de serviços por parte de estatais sem licitação. Para ele, trata-se de uma reserva de mercado que inibe investimentos. Oliveira afirma ainda ser negativa a possibilidade de municípios com contratos irregulares continuarem a receber recursos.
— Isso retira a pressão para que esses municípios se regularizem. Vai contra a ideia de trazer mais investimentos ao saneamento e de fornecer serviço para a população.
Por outro lado, Oliveira elogia o fim do limite para a realização de PPPs.
— A gente precisa de tanto investimento que não tem motivo para colocar limite. Era um jeito de proteger corporações para não haver maior participação privada.