Após uma semana de negociações, o Senado ainda pressiona o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a entregar mais cargos e verbas em troca da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição e discute restringir a destinação dos recursos que entrarão no orçamento com a aprovação da medida, especificando quais áreas deverão ser atendidas pelo novo governo.
A PEC, inicialmente avaliada em R$ 198 bilhões, retira o Auxílio Brasil (que passará a ser chamado novamente de Bolsa Família) do teto de gastos, regra que limita o crescimento das despesas do governo à variação da inflação. Com isso, ela libera um espaço de R$ 105 bilhões (valor previsto para o programa no ano que vem) no orçamento de 2023 para novos gastos, ainda não detalhados.
De acordo com o texto, a reserva será preenchida com solicitações da equipe de transição. O PSD, partido do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), passou a cobrar a mudança no texto, com a especificação das áreas que serão atendidas.
A equipe de Lula concordou em negociar a destinação dos recursos com parlamentares em troca da aprovação, mas a fatura cobrada no Congresso é maior.
Partidos pedem a Lula a nomeação de ministros, a manutenção do orçamento secreto e o apoio à reeleição de Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco nas presidências da Câmara e do Senado, respectivamente.
— Queremos que esse dinheiro vá carimbado para não ter desvio de finalidade e esteja especificado na PEC — afirmou o líder do PSD no Senado, Nelsinho Trad (MS):
— O governo tem que se dar por satisfeito se essa PEC for aprovada na atual legislatura. Ele vai demonstrar que teve por parte do parlamento uma tolerância, sem ter tomado posse.
A bancada do PSD, de 12 senadores, concordou em apoiar a PEC, mas reduzindo o período de flexibilização do teto de quatro para dois anos. Anteriormente, os integrantes da legenda defendiam um tempo ainda menor, de apenas um ano.
Líderes de outros partidos ainda cobram a redução. A equipe de Lula defende o uso da PEC para abrir o espaço fiscal, deixando a definição do destino das novas despesas para a Lei Orçamentária Anual (LOA).
O autor da PEC da Transição e relator do orçamento de 2023, Marcelo Castro (MDB-PI), se colocou contra a proposta de carimbar a destinação de recursos no texto e afirmou que isso será feito na proposta orçamentária. Castro concordou, contudo, em elaborar um relatório detalhando as áreas que o governo Lula quer abastecer com os recursos.
Até o momento, a equipe de transição anunciou algumas prioridades, como o reajuste do salário mínimo acima da inflação e a recomposição de verbas de programas como o Farmácia Popular e o Minha Casa Minha Vida. Porém, segundo cálculos de técnicos do Congresso, R$ 85 bilhões ainda não foram detalhados.
Castro disse que muitas propostas devem ser apresentadas para preencher o "buraco" da PEC.
— O que vai sobrar é proposta para o buraco.
Na sexta-feira, Lula defendeu a aprovação da proposta como foi protocolada no Senado, sem vinculadas alterações a entregas políticas. Ele quer garantir o apoio de PSD, MDB e União Brasil, além dos aliados mais próximos, e completar os 49 votos necessários com outros senadores.
— Lula está ligando para todo mundo, está conversando mais do que lobisomem e assombração à meia-noite — disse o senador Jayme Campos (União Brasil-MT).
A equipe de Lula quer pautar a PEC da Transição na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado nesta terça-feira.
Senadores discutem entregar a proposta a dois relatores: Alexandre Silveira (PSD-MG) na comissão e Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) no plenário. A divisão é uma tentativa de ampliar o acordo para a aprovação, mas também aumenta a chance de alterações.
Alcolumbre preside a CCJ e assumiu a negociação do Senado com o futuro governo. O parlamentar quer ser o relator da PEC, mas enfrenta um impasse porque teria de ceder o comando da comissão ao vice-presidente do colegiado, Lucas Barreto (PSD-AP), durante a votação.