Indicação mais aguardada antes mesmo do resultado das urnas, o comando do novo Ministério da Fazenda do próximo governo, a partir de 1.º de janeiro, será de Fernando Haddad, uma das principais lideranças do PT e candidato natural à sucessão de Lula nas eleições de 2026. Ele afirmou que as prioridades da pasta no primeiro ano de mandato serão uma nova regra fiscal, a reforma tributária e a retomada de acordos internacionais.
— O importante é a gente ter uma agenda para 2023 forte: recuperar os acordos internacionais que estão parados, sobretudo União Europeia, o novo arcabouço fiscal e a questão da reforma tributária como grandes movimentos nossos — disse em rápida entrevista instantes após ter sido nomeado, na sexta-feira (9).
Ex-ministro da Educação (2005-2012) e ex-prefeito de São Paulo (2013-2016), Haddad vai assumir a Fazenda com o desafio de afastar a desconfiança do mercado, que reagiu mal quando seu nome despontou como favorito, diante de preocupações com o rumo das contas públicas. Questionado sobre o temor de que ele tenha perfil "gastador", ele rebateu:
— Gastador? Eu fui o primeiro prefeito a conseguir grau de investimento no país. Se você não olhar para a trajetória da pessoa, vai cair em fake news.
O futuro ministro disse que o novo arcabouço fiscal para substituir o teto de gastos, regra que limita as despesas do governo à variação da inflação, será anunciado no ano que vem.
— Pretendo receber propostas, claro, e não só da transição. Vou ouvir técnicos do Tesouro, a academia, os economistas em quem confio — disse.
Comumente chamado de "o mais tucano dos petistas", ele afirmou que vai "reativar contatos" para ajudar na tramitação da PEC da Transição, que prevê gastos extras para acomodar as promessas de Lula. A seguir, saiba o que Haddad pensa sobre os principais temas na Economia:
Nova regra fiscal
"Estamos ganhando com a PEC o tempo necessário para abrir discussão com a sociedade (sobre âncora fiscal). Temos perspectiva boa de aprovar a reforma tributária ano que vem. O ideal é que, com reforma tributária, a gente paralelamente remeta para o Congresso um novo arcabouço fiscal, porque aí vai ser coerente com a reforma que terá sido feita."
Expansão de gastos
"O que procuramos passar na transição é o conceito de neutralidade fiscal. A despesa em proporção ao PIB de 2023 não pode ser menor do que a despesa em proporção ao PIB de 2022, para que não chegue a dezembro do ano que vem com os problemas de dezembro deste ano."
Reforma tributária
"A determinação clara do presidente Lula é de que nós possamos dar logo no início do próximo governo prioridade total à reforma tributária. Me parece que Lula vai dar prioridade à reforma tributária do Appy (Bernard Appy). O Estado é acusado muitas vezes de onerar o crédito com a cobrança de tributos, de não aprovar certas leis que permitam uma execução de garantias de forma mais ágil por parte do credor. Isso tudo vai estar na ordem do dia no próximo governo."
Tensão entre os poderes
"Queremos recuperar uma visão mais institucional do processo político, diminuir a tensão entre os Poderes. Estamos dialogando com o Congresso, que é parte da solução. A partir do momento em que o governo parte para uma negociação política no Congresso Nacional, fortalecendo a institucionalidade, o respeito entre os Poderes, é uma aposta que o presidente está fazendo na volta à normalidade democrática no país."
Moeda comum no Mercosul
"O início de um processo de integração monetária na região (países da América do Sul) é capaz de inserir uma nova dinâmica à consolidação do bloco econômico, ao oferecer aos países as vantagens do acesso e gestão compartilhada de uma moeda com maior liquidez, válida para relações com economias que, juntas, representam maior peso no mercado global."
Articulação no Congresso
"Como ministro da Educação, nunca tive um voto contra do PSDB (no Congresso), porque eu negociava com o PSDB. Eu nunca perdi um projeto no Congresso: Prouni, cotas, Fies sem fiador, Fundeb, criação do Ideb, reforma do Enem, Sisu."
Relação com Estados
"Precisamos virar a página da guerra entre Presidência da República, Estados e demais Poderes. Você não vai fazer boa gestão de Saúde, de Educação, sem pacto federativo. Vamos refazer o acordo federativo com governadores e prefeitos. Não há conflito distributivo superável crescendo 0,5% ao ano. Nós não vamos nos entender com esse crescimento."
Privatizações
"Outro dia me perguntaram "Você é a favor da privatização?" Eu respondo: Do quê? Da Sabesp, não. Do Ceagesp, sim. Então, me dê o caso, me apresente o caso, e eu vou me colocar com a maior transparência."
Parceria público-privada
"É uma coisa interessante de a gente retomar, inclusive mudando alguns detalhes da legislação que são obstáculos que têm refreado a contratação de parcerias. Às vezes, dificultando o aval do Tesouro, às vezes dificultando a participação da União em projetos de Estados e municípios. Acho que tem um campo para a gente restabelecer o patamar de dez anos atrás em relação à carteira de investimentos."
Ministério do Planejamento
"Acho que o Planejamento fica, às vezes, muito prejudicado por essa demanda diária. Quando você tem secretaria de Planejamento e o mesmo ministro está tocando orçamento, PPA, gestão, recursos humanos, logística, TI, não dá conta."
Especialistas apontam desafios
Haddad vai ter como principal desafio endereçar a questão fiscal, atuar na negociação da PEC da Transição e definir qual será a nova regra para as contas públicas, segundo avaliação de economistas ouvidos pelo Estadão. A leitura também é a de que a confirmação do petista abre uma dúvida em relação ao rumo da política econômica que será conduzida pelo governo.
O texto da PEC da Transição, aprovado pelo Senado, tem uma série de exceções que dificultam saber qual será o real impacto fora do teto de gastos, calculado, de maneira inicial, em R$ 168 bilhões. A proposta ainda será analisada pela Câmara dos Deputados.
— Um desafio de Haddad é coordenar melhor a PEC da Transição — afirma Bráulio Borges, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). — Essa PEC foi tocada muito mais pela ala política do novo governo do que pela equipe de transição. Está muito mal coordenada.
O nó que Haddad também terá de desfazer na área fiscal passa ainda pela definição da nova regra para as contas públicas, que vai substituir o teto de gastos. O futuro ministro da Fazenda já disse que a nova âncora fiscal só será conhecida em 2023.
— Para o ano que vem, há dois desafios simultâneos e um calendário complicado. Os desafios são apresentar uma reforma tributária acoplada com um novo regime fiscal — afirma José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do banco Fator.
Na avaliação do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, ainda é cedo para dizer qual condução Haddad vai adotar na área econômica. Meirelles pondera que a escolha do ex-prefeito de São Paulo já era conhecida, e que a reação do mercado financeiro ao futuro ministro dependerá das medidas que ele anunciar.
— Ainda está cedo para chegarmos a uma conclusão. Vamos aguardar o que ele vai anunciar e, a partir daí, vamos chegar a uma conclusão para que direção a política fiscal vai caminhar — afirma.
O sócio e fundador da Oriz Partners e ex-secretário do Tesouro Nacional, Carlos Kawall, avalia que a confirmação de Haddad sugere uma política econômica do governo Lula em linha com as visões do PT, e que será importante conhecer a equipe que vai atuar no Ministério da Fazenda.
— Olhando para a frente, vai ser importante monitorar a equipe que ele vai montar. Se vai ser alguém mais parecido com (o ex-ministro da Fazenda Antonio) Palocci, que foi buscar contribuições de economistas com outra visão, ou se vai ser algo mais ligado aos economistas do PT.
Para o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, "os sinais iniciais são ruins."
— Mas eles podem mudar se (o governo) vier com um novo regime fiscal robusto no ano que vem e houver a escolha de uma equipe econômica mais liberal.