Em conversa com uma filha, registrada em interceptação telefônica, o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro afirmou ter recebido uma ligação do "presidente" na qual o interlocutor diria temer ser atingido pela investigação contra Ribeiro feita pela Polícia Federal. Para os investigadores, o presidente referido no diálogo seria Jair Bolsonaro.
A ligação teria ocorrido em 9 de junho, quase duas semanas antes da operação deflagrada contra o ministro na quarta-feira (22), de acordo com o G1.
— A única coisa meio... hoje o presidente me ligou... ele tá com um pressentimento, novamente, que eles podem querer atingi-lo através de mim, sabe? É que eu tenho mandado versículos pra ele, né? — disse Ribeiro.
O trecho está em investigação da Polícia Federal.
— Ele quer que você pare de mandar mensagens? — questiona a filha.
— Não! Não é isso... ele acha que vão fazer uma busca e apreensão... em casa... sabe... é... é muito triste. Bom! Isso pode acontecer, né? Se houver indícios, né? — responde o ex-ministro.
O caso envolvendo o ex-ministro da Educação e pastores suspeitos de integrarem gabinete paralelo no Ministério da Educação (MEC) foi enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) a pedido do Ministério Público Federal (MPF). O juiz Renato Coelho Borelli, da Justiça Federal do Distrito Federal, proferiu a decisão após o MPF apontar "indício de vazamento da operação policial e possível interferência ilícita do presidente Jair Bolsonaro nas investigações".
Confira a transcrição do diálogo flagrado em interceptação telefônica durante a investigação
FILHA: Oi! Tudo bem?
MILTON: Tudo bem!
FILHA: Como é que cê ta?
MILTON: É, eu tô chegando aqui na... no hospital... caminhando...
FILHA: Ah, tá!
MILTON: Eu vim ver a Mirian. A mãe ela... a mãe ela teve acho que uma crise renal
FILHA: Então, o Dudu me falou. Eu achei que você já tinha encontrado com ela. Falou que ela foi pro pronto socorro direto pro hospital, né?
MILTON: Pois é...
FILHA: Ai caramba!
MILTON: É, eu não ia subir... mas, agora eu tô chegando aqui no hospital
FILHA: Que bom pai! Ai você vê a Ana Paula também, vê...
MILTON: É verdade
FILHA: E você? Tá bom pai?
MILTON: Tudo bem! As coisas tão caminhando
FILHA: Caminhando...
MILTON: A única coisa meio... hoje o presidente me ligou... ele tá com um pressentimento, novamente, que eles podem querer atingi-lo através de mim, sabe? É que eu tenho mandado versículos pra ele, né?
FILHA: ah! Ele quer que você pare de mandar mensagens?
MILTON: Não! Não é isso... ele acha que vão fazer uma busca e apreensão... em casa... sabe... é... é muito triste. Bom! Isso pode acontecer, né? Se houver indícios né...
FILHA: Ah!
MILTON: Mas, não há por quê, meu Deus
FILHA: Ah pai! Não... essa voz não é definitiva... eu não sei se ele tem alguma informação... eu tô te ligando no meu... eu tô te ligando no celular normal, viu pai?
MILTON: Ah é? Ah, Então depois a gente se fala então! Tá?
FILHA: Tá bom!
MILTON: um beijo (ininteligível) procê!
FILHA: Um beijo! Tchau, tchau!
MILTON: Mas, Deus vai cuidar! Deus tá cuidando!
FILHA: é, depois (ininteligível)... sentimentos...
MILTON: Pressentimento… ele falava em pressentimento e tal... ele tava viajando para os Estados Unidos.
Esposa do ex-ministro teria dito que ele estava sabendo "pelo alto" da operação
Myrian Ribeiro, esposa do ex-ministro, teve conversa interceptada no dia da operação que prendeu Ribeiro. Segundo a Folha de S.Paulo, esse novo áudio indica que sua esposa também estaria inteirada da chance de uma ação policial, segundo a Polícia Federal.
Na conversa de Myrian com um interlocutor de nome Edu, eles abordam a situação do ex-ministro: "ele tava, no fundo ele não queria acreditar, mas ele estava sabendo. Para ter rumores do alto é porque o negócio estava certo", disse a esposa de Ribeiro, no telefonema.
A conversa se soma ao diálogo interceptado entre o ex-ministro e a filha, onde há também indícios de que a operação também tenha sido vazada.
Trechos de outras conversas destacadas pelo juiz
O pedido de prisão do ex-ministro foi baseado em conversas dele com terceiros, gravadas com autorização da Justiça, e que são consideradas pelos procuradores como indícios de que Bolsonaro teria interferido na investigação. O juiz destacou em sua decisão alguns trechos dessas conversas, além da conversa com a filha.
Conversa com pessoa identificada como Waldomiro:
Milton Ribeiro: "Tudo caminhando, tudo caminhando. Agora... tem que aguardar né.... alguns assuntos tão sendo resolvidos pela misericórdia divina né...negócio da arma, resolveu... aquele... aquela mentira que eles falavam...que os ônibus estavam superfaturados no FNDE... pra... (ininteligível) também... agora vai faltar o assunto dos pastores, né? Mas eu acho assim, que o assunto dos pastores... é uma coisa que eu tenho receio um pouco é de... o processo... fazer aquele negócio de busca e apreensão, entendeu?"
Conversa com pessoa identificada como Adolfo:
Milton Ribeiro: "(...) mas algumas coisas já foram resolvidas né... acusação de que houve superfaturamento... isso já foi... agora, ainda resta o assunto do envolvimento dos pastores, mas eu creio que, no devido tempo, vão ser esclarecidos..."
O advogado Daniel Bialski, que defende o ex-ministro, disse para a jornalista Andréia Sadi que ainda não havia tido acesso a todo o processo. Bialski disse ainda que, se há a citação ao foro privilegiado, a prisão deveria ter sido decretada pela primeira instância e o caso ter sido remetido antes ao STF.
"Observando o áudio citado na decisão, causa espécie que se esteja fazendo menção a gravações/mensagens envolvendo autoridade com foro privilegiado, ocorridas antes da deflagração da operação. Se assim o era, não haveria competência do juiz de primeiro grau para analisar o pedido feito pela autoridade policial e, consequentemente, decretar a prisão preventiva", informou a defesa de Milton Ribeiro.
A Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) foi questionada pelo G1 se o Palácio do Planalto pretendia se manifestar, mas não havia recebido resposta.