A Corte Especial do Superior Tribunal Justiça (STJ) julgará nesta quarta-feira (18) um recurso apresentado pelo Estadão contra decisão do presidente do colegiado Humberto Martins, que suspendeu o acesso do jornal aos gastos registrados no cartão corporativo do presidente Jair Bolsonaro (PL).
O Grupo Estado garantiu acesso às informações após um ano e meio de batalha judicial no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3). Quatro dias após a vitória na segunda instância, em março deste ano, o presidente do STJ suspendeu a ordem dos desembargadores do TRF-3 para que os dados fossem integralmente repassados ao Estadão.
O valor geral dos gastos com cartão corporativo é divulgado no portal da transparência, mas o governo se nega a esclarecer que produtos e serviços são comprados. Ou seja, o Palácio do Planalto impõe sigilo e se recusa a descrever os gastos. Nos quatro primeiros meses de 2020 a fatura presidencial atingiu a marca de R$ 3,76 milhões, segundo informações do portal da transparência.
O montante gasto no início de 2020 representa um aumento de 98% em relação à média dos últimos cinco anos no mesmo período. Neste ano, os gastos presidenciais já somam R$ 8,9 milhões. Após diversas recusas da Secretaria-Geral da Presidência da República a detalhar as compras feitas por Bolsonaro, o Estadão decidiu recorrer à Justiça, em maio de 2020, numa ação contra a União.
Ao impedir o acesso aos dados dos cartões corporativos, o presidente do STJ atendeu a um pedido do governo. O Planalto argumentou que dados fundamentais para a segurança da Presidência poderiam ser expostos antes do julgamento definitivo da ação. Martins se tornou o relator com a distribuição do caso ao seu gabinete.
Ao julgar o pedido do governo, o presidente do STJ afirmou que o direito conquistado pelo jornal em decisão da Justiça Federal poderia "comprometer, de forma crucial e irreversível, a sistemática de segurança construída" em torno de Bolsonaro. Martins ainda argumentou que os dados poderiam ferir "a ordem e a segurança públicas".
As compras feitas pelo presidente e o vice por meio do cartão corporativo são focadas, geralmente, em áreas como alimentação, transporte e hospedagem. Os familiares dos chefes do Executivo também podem fazer uso desse dispositivo para custear despesas corriqueiras. Existem atualmente oito portadores de cartões vinculados à Presidência.
No recurso apresentado ao próprio presidente do STJ contra a decisão, os advogados do Estadão expõem que o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou, em 2019, o artigo do decreto editado durante a ditadura militar que garantia pouca transparência às compras do presidente. Na ocasião, a Corte decidiu que a Constituição "estabeleceu, como regra, a publicidade das informações referentes às despesas públicas, prescrevendo o sigilo como exceção, apenas quando imprescindível à segurança da sociedade e do Estado".
"Quanto maior for o sigilo, mais completas devem ser as justificativas para que, em nome da proteção da sociedade e do Estado, tais movimentações se realizem", diz outro trecho do acórdão do Supremo.
Afranio Affonso, advogado do Estadão, avalia que a decisão do presidente Martins cassou o direito do cidadão de saber como é gasto o dinheiro arrecadado por meio da cobrança de impostos.
— Por presumir a legalidade do ato administrativo, a ordem cuja validade será agora julgada acaba por chancelar o sigilo quanto ao gasto de dinheiro do contribuinte, fazendo com que o recolhimento de impostos à União seja um verdadeiro cheque em branco. Algo inverso à ampla publicidade constitucionalmente garantida aos atos administrativos e, em especial, às despesas do Estado — afirmou.