O governo federal vai colocar R$ 3,2 bilhões na conta de prefeituras que poderão ser usados em plena campanha eleitoral. Os recursos começam a cair nos cofres a partir desta quarta-feira (1º) e podem bancar ações que vão desde shows de artistas até a compra de bens públicos, como tratores e caminhões de lixo, que rendem publicidade para os políticos.
É a primeira vez que os municípios vão receber dinheiro para aplicar no meio de uma eleição geral. Isso só foi possível porque o Congresso, com aval do Planalto, criou uma nova modalidade de repasse de emendas que dribla as regras eleitorais.
Conhecido como "Pix orçamentário" ou "cheque em branco", o mecanismo ganhou os apelidos pois o dinheiro cai direto na conta das prefeituras e não é passível de fiscalização por órgãos de controle. Quando a regra foi aprovada, o Congresso não definiu a quem cabe fiscalizar o uso desses recursos. No vácuo, ninguém monitora o gasto público.
Cabe às prefeituras definir o que fazer com os bilhões de reais. O dinheiro é liberado sem previsão de como será usado. Deputados e senadores fazem acordos informais com os gestores indicando a aplicação. Esses acertos podem ser feitos por WhatsApp ou até bilhetes escritos à mão, sem qualquer transparência, segundo relato dos próprios políticos.
Pré-candidato ao Palácio do Planalto, o deputado André Janones (Avante-MG) usou essa modalidade para destinar R$ 7 milhões para Ituiutaba (MG), sua cidade natal, a cerca de 600 quilômetros de Belo Horizonte. O jornal O Estado de S. Paulo revelou que parte do dinheiro — R$ 1,9 milhão — vai bancar uma festa com o cantor Gusttavo Lima e outros artistas uma semana antes da eleição.
A emenda de Janones também vai patrocinar as duplas Zezé di Camargo e Luciano, João Neto e Frederico, João Bosco e Vinícius e a cantora gospel Fernanda Brum no mesmo evento, entre os dias 15 e 25 de setembro.
O município que receberá o dinheiro é governado pela prefeita Leandra Guedes (Avante), ex-assessora do gabinete de Janones na Câmara. Ao lado do deputado, ela é alvo de uma investigação preliminar do Ministério Público sobre suspeita de "rachadinha" quando o assessorava, em 2020, um caso revelado pelo portal Metrópoles.
— Sempre destinei e continuarei destinando emendas para promover festas para o povão, seja de Ituiutaba, do Triângulo Mineiro, de toda Minas Gerais e, se eleito presidente, de todo o Brasil — disse o deputado.
O parlamentar afirmou desconhecer qualquer investigação sobre "rachadinha". A Procuradoria-Geral da República informou que não comenta casos que tramitam em sigilo.
Em família
Levantamento do Estadão mostra que deputados e senadores priorizaram prefeituras governadas por parentes na hora de destinar suas "emendas Pix". É o caso do deputado Valdir Rossoni (PSDB-PR), que colocou todos os R$ 8,8 milhões a que tem direito em um único município, Bituruna (PR), administrado pelo filho, o tucano Rodrigo Rossoni.
O deputado Genecias Noronha (PL-CE) mandou R$ 5,8 milhões para Parambu (CE), cidade governada pelo sobrinho, Rômulo Noronha. Eduardo Bismarck (PDT-CE) destinou R$ 1,3 milhão para Aracati (CE), onde o pai, Bismarck Maia, é prefeito. E o senador Jader Barbalho (MDB-PA) mandou "depositar" R$ 1,9 milhão ao governo do filho Helder Barbalho (MDB), que tentará a reeleição neste ano no Pará.
Bismark alegou que o recurso vai priorizar pavimentação de ruas em Aracati. Os demais não responderam.
Dinheiro na conta
Os R$ 3,2 bilhões foram empenhados (compromisso de pagamento) pelo governo no dia 17 deste mês. Enquanto uma emenda tradicional leva até cinco anos para ser paga, pela exigência de análises técnicas, a "emenda Pix" é repassada em até 90 dias.
No total, 444 deputados e 58 senadores optaram por enviar dinheiro por essa modalidade para bases eleitorais. A maioria dos deputados (60%) é da base do governo Bolsonaro.
Além disso, na emenda parlamentar tradicional os recursos só podem ser repassados após a execução dos serviços e, no ano eleitoral, até três meses antes da eleição. Resultado: a adesão ao modelo de transferência por intermédio da "emenda Pix" cresceu no Congresso e caiu na graça dos parlamentares, saindo de R$ 621 milhões em 2020 e superando R$ 3 bilhões neste ano eleitoral.
O que diz o governo
O Ministério da Economia afirmou que liberou todos os recursos que cumpriram as regras para recebimento, sem distinção de parlamentares. A pasta reforçou ainda o entendimento de que, se o governo federal efetivar a transferência para o caixa dos municípios até três meses antes da eleição, o dinheiro poderá ser gasto pelas prefeituras durante a campanha. Sobre a fiscalização, o ministério disse que os municípios podem preencher um relatório para fins de transparência e controle social. Esse preenchimento, porém, não é obrigatório.