Correção: Ives Gandra da Silva Martins foi o entrevistado desta reportagem, e não Ives Gandra da Silva Martins Filho como publicado entre as 14h18min do dia 23/4 e as 21h31min do dia 24/4. O texto foi corrigido.
O advogado Ives Gandra da Silva Martins, 87 anos, avaliou em entrevista concedida para GZH o decreto do presidente Jair Bolsonaro que concedeu "graça" e determinou que a pena imposta ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) a mais de oito anos de prisão não seja executada.
— Evidentemente não foi escrito pelo Bolsonaro, mas por bons juristas. Achei excepcionalmente bem escrito. O decreto vai se baseando só em decisões do Supremo.
Por sua vez, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que condenou o deputado foi bastante criticada pelo advogado.
— Ficou caracterizado que foi uma condenação política. Ficou caracterizado que ele foi condenado porque, politicamente, disse que o Supremo não estava à altura do Brasil. Queira ou não, a condenação dele foi política pelo que ele disse — afirma Ives Gandra.
Desde que Bolsonaro anunciou, no último dia 21, a publicação de um decreto de indulto individual concedido a Silveira, condenado um dia antes, o tema foi para o centro do debate entre órgãos e juristas sobre a constitucionalidade da decisão presidencial. Além disso, a medida do mandatário evidencia a desarmonia entre os poderes da República.
— É a primeira vez que o Supremo condena um parlamentar por opinião, quando o artigo 53 da Constituição Federal declara que o parlamentar é inviolável por quaisquer manifestações, menos a Lei de Segurança Nacional — acrescenta o advogado.
Em sua opinião, o deputado não poderia ter dito o que disse, mas tem o direito assegurado pela Constituição Federal de se manifestar:
— Entendo que o parlamentar não poderia ter dito aquilo e, como parlamentar, deveria ter sido condenado pela Câmara. Agora, o direito dele dizer é um direito absoluto, está no artigo 53 da Constituição Federal. Quero deixar bem claro: não estou defendendo o que o deputado disse. Estou defendendo o direto dele de dizer, o não direito do Supremo de condená-lo e o direito do presidente de perdoá-lo. Punido ele deveria ser pela Câmara, nunca pelo Supremo.
O artigo 74 do Código Penal esclarece detalhes sobre o termo técnico "graça", concedido por Bolsonaro ao deputado: "A graça poderá ser provocada por petição do condenado, de qualquer pessoa do povo, do Conselho Penitenciário, ou do Ministério Público, ressalvada, entretanto, ao Presidente da Republica, a faculdade de concedê-la espontaneamente".
— Pela primeira vez na história do regime democrático, o Supremo condena um parlamentar por fala. Não por corrupção ou por pegar em armas. Nessa condenação, agora tem um indulto que vai ter que enfrentar na orientação e interpretação do próprio Supremo — argumenta o jurista.
Para ele, o parlamentar não deveria ser julgado pelo Supremo:
— Basicamente, o processo começou todo errado quando o correto teria sido outra coisa. O que ele (deputado) disse fere a dignidade da Câmara dos Deputados? Ao meu ver, fere. Fere o comportamento de um parlamentar? Na minha opinião, fere. Qual seria o processo normal? Levar o processo para a Comissão de Ética da Câmara — reflete.
Ives Gandra também citou, a respeito da "graça" dada por Bolsonaro, a mesma situação feita por Michel Temer (MDB), quando indultou condenados pela Operação Lava-Jato. Questionado se existe margem para a decisão ser revista judicialmente, o advogado disse não acreditar nessa possibilidade.
— Entendo que o Supremo não pode fazer mais nada. Mas como o Supremo está nas linhas neoconstitucionalista e consequencialista, em que os fins justificam os meios, tudo pode se esperar. Quando digo isso não quero desmerecer os ministros do Supremo, os quais admiro muito. Tenho um grande respeito pelo conhecimento jurídico dos ministros, mas discordo nesses pontos.
Outros juristas criticaram a atitude de Bolsonaro. O ministro aposentado do STF Marco Aurélio Mello afirmou, durante entrevista concedida esta semana ao programa Estúdio Gaúcha, da Rádio Gaúcha, que o decreto presidencial "demonstra fragilidade" e que pode representar "crime de responsabilidade" por atentar contra outro poder.
Saiba mais
O ministro do STF Alexandre de Moraes determinou a pena ao parlamentar em oito anos e nove meses de prisão, após votação que teve o placar de 10 a 1. Além de ter de cumpri-la em regime inicial fechado, o deputado pagaria multa e perderia o mandato. A condenação definitiva de Silveira poderia, inclusive, tirá-lo das eleições do final deste ano, caso se esgotassem os recursos cabíveis na Corte.
A trajetória do deputado está cercada por polêmicas, em especial nos últimos anos. Réu no Supremo por estimular atos antidemocráticos e ameaçar instituições, Silveira foi detido por divulgar um vídeo com diversas ameaças aos ministros do STF. Porém, em novembro de 2021, foi liberado sob a condição de não se comunicar com outros investigados e permanecer fora das redes sociais.
No dia 31, bastante contrariado, o deputado aceitou colocar tornozeleira eletrônica após Alexandre de Moraes determinar ao Banco Central que bloqueasse as contas bancárias do político. A medida foi para garantir o pagamento de uma multa diária de R$ 15 mil caso o deputado se recusasse a ser monitorado pelo equipamento eletrônico.