Mal saiu o decreto do presidente Jair Bolsonaro concedendo indulto ao deputado Daniel Silveira, condenado na véspera pelo Supremo Tribunal Federal, e juristas se apressaram em apontar a ilegalidade da medida.
Bolsonaro está se lixando para os aspectos jurídicos. Faz tempo que ele pede briga com o Supremo Tribunal Federal e ameaça descumprir decisões judiciais. Trata-se, portanto, de um ato 100% político, adotado — acreditam especialistas em Direito Constitucional — à revelia da Advocacia-Geral da União e dos assessores jurídicos.
Como não cabe a Bolsonaro cumprir ou fazer cumprir a decisão do Supremo, ele encontrou um jeito muito próprio de entrar na briga. Editou o decreto às pressas e agitou o feriado dos seguidores inconformados com a condenação de Daniel Silveira a oito anos e nove meses de prisão e à perda do mandato. O bolsonarismo estava em polvorosa desde a noite anterior, inconformado com o fato de o ministro André Mendonça, última indicação do presidente, ter votado pela condenação de Daniel Silveira.
Mendonça, o ministro terrivelmente evangélico, passou todo o feriado de Tiradentes sob ataque, porque não foi submisso ao Planalto como Nunes Marques, o outro ministro indicado por Bolsonaro, único voto a favor de Silveira. Mendonça até defendeu uma pena menor, mas foi voto vencido. Para todos os efeitos, votou com os arquinimigos do presidente e isso basta para cair em desgraça com a torcida bolsonarista.
Mendonça se defendeu dizendo que, como cristão e jurista, não pode compactuar com um crime. Escreveu o ministro: “Diante das várias manifestações sobre o meu voto ontem (quarta-feira), sinto-me no dever de esclarecer que, como cristão, não creio tenha sido chamado para endossar comportamentos que incitam atos de violência contra determinadas pessoas e, como jurista, a avalizar graves ameaças físicas contra quem quer que seja”.
Especialista em Direito Constitucional, o advogado Marcelo Perucchin leu o decreto e assistiu ao vídeo produzido por Bolsonaro. De forma didática, explicou à coluna por que o ato do presidente é ilegal:
— Não tem o menor fundamento jurídico o que ele fez. Esse instituto da graça individual tem como base o pressuposto do trânsito em julgado da decisão. Significa que o decreto é nulo de pleno direito e não tem como produzir efeitos, porque o pressuposto do trânsito em julgado não se cumpriu. Basta qualquer provocação e o Supremo tem, sim, condição de fazer o controle da legalidade ou da constitucionalidade desse ato, que é um absurdo jurídico. Isso aqui não tem como prevalecer. Além da questão jurídica própria, tem também a evidente intenção de ofender a eficácia de uma decisão do Supremo que sequer transitou em julgado. Seria um segundo argumento para que esse decreto fosse, no mínimo, objeto de uma suspensão no mundo jurídico. Creio que é caso de a Procuradoria-Geral da República tomar uma iniciativa porque se trata de evidente ofensa à decisão do Supremo.
ALIÁS
Pode-se questionar se o Supremo poderia ou não cassar o mandato de um deputado, como fez o presidente da Câmara, Arthur Lira, que invoca a autonomia e independência dos poderes para advogar a tese de que só os próprios parlamentares podem afastar um colega. O que Bolsonaro fez é uma provocação para tensionar ainda mais as relações.