Uma sessão solene marcada para quarta-feira (2) dá início ao último ano desta legislatura no Congresso. Com um olho no retrovisor, pressionados por 36 vetos presidenciais e 12 medidas provisórias (MPs) pendentes, e o outro no para-brisa, sem perder de vista o calendário eleitoral, deputados e senadores retomam os trabalhos com diferentes expectativas.
Entre as lideranças gaúchas, de diversas orientações ideológicas e partidárias, há quase um consenso: o período será de pouca produção legislativa e predomínio do fator político. Entre o que esses mesmos parlamentares defendem como prioridade e o que deverá estar em discussão, na ante-sala das eleições de outubro, existe um abismo a ser transpassado.
No primeiro momento, constatam, acontecerá a análise de vetos presidenciais, em questões relativas ao orçamento. Também estará no debate a previsão de R$ 5,7 bilhões para o fundo eleitoral, cujo mérito ainda pode sofrer intervenções do Supremo Tribunal Federal (STF). Caso esses pontos se prolonguem até março, a tendência, apontam, é de que os demais temas sejam atropelados. Isso na igual medida em que se intensificam as movimentações em torno de candidaturas e coligações.
Para Afonso Motta (PDT), não sobrará muito espaço para uma pauta organizada e que considere a ordem de apreciação por suas prioridades. De acordo com o trabalhista, temas de menor significado vão compor a agenda, formada para atender formalidades, e não a essência do debate.
— Isso é agravado para nós, no RS, pois existe situação emergencial que envolve a maioria dos municípios em razão da estiagem. Lideranças locais buscarão junto aos ministérios da Agricultura, da Economia e da Integração recursos para atenuar a calamidade, mas as emendas emergencias para os pequenos agricultores estarão prejudicadas. Vivemos uma polarização que só diminui o que é de interesse público — lamenta.
Reformas
Presidente do MDB no Rio Grande do Sul e líder da Bancada Ruralista na Câmara, Alceu Moreira, cita a reforma tributária, prometida pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e alvo de um esforço declarado pelo presidente Câmara, Arthur Lira (PP-AL), como exemplo:
— Se tivermos a reforma tributária, e o Pacheco diz que votará, mexe com a economia pois é uma das propostas mais qualificadas dos últimos 40 anos. O texto tem acordo de governadores e a tendência é dominar o pano de fundo no Congresso, caso passe no Senado.
Na mesma linha, Lucas Redecker (PSDB) sustenta que o período deveria ser usado para avançar nas reformas estruturantes (além da tributária, a administrativa). A brecha para que isso ocorra, revela o tucano, pode estar, justamente, nas eleições, tendo em vista que a campanha de Jair Bolsonaro (PL), em 2018, passou por propostas deste teor.
— Ele (Bolsonaro) foi eleito com muitos votos liberais e precisa chegar à disputa com algo para mostrar. Infelizmente, coisas importantes não serão apreciadas, principalmente, as mais polêmicas, pois dependem de uma construção junto a base do governo que é o maior entrave do momento — comenta Redecker.
Jerônimo Goergen (PP), por sua vez, afasta a possibilidade de votação em temas considerados relevantes. Por essa razão, diz, alguns projetos não serão encaminhados, a exemplo da liberação de jogos de azar, que traz desconforto à ala evangélica do governo. Da mesma forma, aponta o progressista, as reformas, que não encontraram ambiente político nos três primeiros anos de governo, dificilmente acontecerão.
Centrão
Vice-líder do PSB na Câmara, Heitor Schuch resume o que considera o cenário para 2022. Segundo ele, o centrão (grupo de partidos desprovidos de ideologia que costumam trocar apoio político no Congresso por cargos e emendas) seguirá ditando os rumos do Congresso e da Presidência.
— Tudo vai depender do que esse grupo precisar para se reeleger e manter a sua hegemonia. Por isso, só vai ser votado o que for do interesse do Executivo e que não trouxer desgaste para eles (do centrão) — define Schuch.
Neste aspecto, o professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Políticas da UFRGS, Rodrigo Stumpf González, lembra que as alianças para as eleições podem não ser as mesmas que vigoram, hoje, no Congresso:
— Vários dos partidos que estão com Bolsonaro, provavelmente, não apostarão em uma reeleição do presidente. Significa que, pouco a pouco, vão se distanciar para formarem novas alianças, numa fragmentação da base de apoio, que se mantém com a distribuição de benefícios, cargos e um certo sentido de identidade ideológica conservadora. Mas, logo, surgirão, desse núcleo, novas candidaturas em alternativa a Bolsonaro e isso mexerá com o Congresso.
PT deve elevar o tom e costurar a criação de uma federação
Na esteira das movimentações, a oposição petista recomeça os trabalhos legislativos com agenda bem definida. Líder do PT na Câmara, Elvino Bohn Gass (RS) afirma que o partido irá elevar o tom sobre a pauta econômica e ampliar as cobranças nos desdobramentos da CPI da Covid e no debate do orçamento secreto (emendas com pouca ou nenhuma transparência carimbadas pelo Executivo a pedido de congressistas). Para o parlamentar, do outro lado, a agenda encontrará maior apelo nas pautas comportamentais, o que, segundo ele, é um subterfúgio para fugir do debate.
— Eles (centrão) usam temas comportamentais, de forma intencional e o que fazem em paralelo é uma apropriação privada de um orçamento que é público. O orçamento secreto é uma forma de parlamentarismo sobre o orçamento e retira a execução orçamentária do Executivo — critica o petista.
Ao mesmo tempo, Bohn Gass tem a missão de trabalhar pela sustentação da pré-candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, primeiro colocado nas pesquisas, via articulação de uma federação, nova modalidade aprovada pela Câmara no ano passado, em análise no STF, mas que já permite aos partidos atuarem de forma unificada em todo o país. A medida pode ser espécie de teste para eventuais fusões partidárias.
Um dos alvos do assédio para a composição com o PT, que alteraria a repartição do fundo eleitoral e a soma dos votos entre as legendas é o PSB, que ainda avalia a proposta. De acordo com Heitor Schuch (PSB), uma das vozes contrárias à iniciativa dentro da agremiação, caso isso aconteça, as eleições municipais ficariam comprometidas.
— Sou contra a federação, ainda mais com o PT que se passa por protagonista e ocupa todos os espaços. Daqui a três anos teremos eleições para prefeito em 5.570 municípios, onde em menos de 5% deles o PSB coliga com o PT. Se não quisermos inviabilizar as próximas eleições não podemos concordar com a federação agora — argumenta Schuch.
Vice-líder do governo na Câmara, Giovani Cherini (PL) foi procurado, mas não respondeu questionamentos da reportagem.
O que estará em pauta na retomada
36 vetos presidenciais
Entre eles:
- Projeto que obrigava planos de saúde a cobrir tratamento domiciliar contra o câncer
- Dispositivos que determinam a quebra temporária de patentes de vacinas e insumos em períodos de emergência ou estado de calamidade pública
- Proibição da distribuição gratuita de absorventes na rede pública
- Permissão para que funcionários demitidos da Eletrobras até um ano após a privatização sejam realocados em outras empresas públicas
- Programa de Reescalonamento do Pagamento de Débitos do Simples Nacional que concederia descontos sobre juros, multas e encargos proporcionalmente à queda de faturamento durante a pandemia
- Marco legal das startups, com benefícios tributários para investidor pessoa física e condições facilitadas para o acesso de companhias de menor porte
12 medidas provisórias (MP)
Entre elas:
- Redução das alíquotas PIS/Pasep e Cofins na importação do milho
- Ampliação do acesso de estudantes às bolsas de estudo do Prouni
- Alteração em taxas de fiscalização do mercado de valores mobiliários
- Pautas que alguns dos parlamentares da bancada gaúcha ouvidos pela reportagem gostariam que fossem apreciadas
- Criação de auxílio ou socorro aos municípios atingidos pela estiagem ou alagamentos
- Reforma tributária
- Reforma administrativa
- Plano de recuperação econômica
- Alterações na legislação de agrotóxicos
- Regulação do mercado de carbono
- Debate sobre a tributação e a política de preços nos combustíveis
- Discussão sobre a legalização dos jogos de azar
- Debate sobre o orçamento secreto