A Câmara aprovou na noite desta quarta-feira (9) o texto-base do projeto que flexibiliza o uso de agrotóxicos no Brasil por 301 votos favoráveis a 150 contrários. Agora, os deputados analisam destaques que, se aprovados, podem modificar o projeto.
Na avaliação de ambientalistas, o projeto de lei 6299/2002 enfraquece a atuação do Ministério da Saúde, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama no controle e autorização dessas substâncias. Essa missão passa a ficar concentrada no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
O Ibama e a Anvisa apontaram em 2018 que a proposta é inconstitucional e possui falhas que prejudicariam a fiscalização dos produtos, colocando em risco a saúde da população. O Ministério da Agricultura e a Frente Parlamentar da Agricultura, no entanto, afirmam que o tema é tratado com "preconceito e ideologia" e que precisa ser modernizado.
De acordo com o substitutivo do relator, deputado Luiz Nishimori (PL-PR), o prazo máximo para o registro varia de 30 dias (para pesquisa, por exemplo) a dois anos (produto novo ou matéria-prima nova). Atualmente, devido à complexidade da análise dos riscos e à falta de testes em humanos, os pedidos podem demorar cerca de sete anos para terem um parecer definitivo.
Com o projeto de lei, caso o pedido de registro não tenha parecer conclusivo expedido no prazo de dois anos, o órgão registrante será obrigado a conceder um registro temporário (RT) para agrotóxico novo ou uma autorização temporária (AT) para aplicação de um produto existente em outra cultura para a qual não foi inicialmente indicado.
Para isso, basta que o produto em questão seja usado em pelo menos três países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entidade que congrega 37 nações com diferentes níveis de exigências sobre o assunto.
Apesar de a Constituição chamar esses produtos de agrotóxicos, Nishimori muda o termo na lei para pesticidas.
Debates
A discussão do Projeto de Lei 6299/02 ressaltou duas posições distintas sobre o tema. Para a oposição, que tentou obstruir a votação do texto, trata-se do “PL do Veneno”, enquanto os governistas afirmam que a proposta vai modernizar a agricultura.
O líder da Maioria, deputado Diego Andrade (PSD-MG), afirmou que o projeto vai modernizar a agricultura brasileira:
— A gente tem que parar de falar mal da Nação que alimenta o mundo com sustentabilidade. E precisamos sim dos defensivos, como precisamos de vacina, que também é um remédio e, na dose certa, cura. Não podemos jogar contra aquilo que está sustentando o Brasil”, disse.
O deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES), vice-líder do governo, disse que é mentirosa a afirmação de que a proposta vai colocar mais veneno na mesa dos brasileiros. Ele também ressaltou que as exportações brasileiras passam por agências internacionais:
— Toda nossa exportação é vistoriada por agências internacionais criteriosas. Esses mesmos alimentos são vistoriados por agências internas, portanto, o alimento brasileiro é seguro.
A proposta também foi defendida pelo deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS):
— Já passa da hora de regulamentar esse tema para garantir mais tecnologia. Hoje, a análise de um novo defensivo leva oito anos, vamos reduzir em muitos casos a aprovação para dois anos no máximo.
Para o deputado Domingos Sávio (PSDB-MG), a proposta vai criar competição e baratear os produtos para o agricultor:
— O projeto diz que não se pode aprovar nenhum novo produto que seja mais tóxico do que o que está no mercado. O mercado está ficando cartelizado, na mão de uns poucos, e o preço do defensivo agrícola indo lá nas alturas, sacrificando o produtor, inclusive aquele da agricultura familiar.
Críticas
O deputado Nilto Tatto (PT-SP) afirmou que não haverá redução de custos para o agricultor:
— Apenas as grandes empresas serão beneficiadas. É só nós recordarmos que, aqui, nos últimos três anos, mais de 1,5 mil novos agrotóxicos foram liberados e nem por isso o custo para a produção na agricultura diminuiu.
Para o líder da oposição, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), o texto terá consequências “irreversíveis” para a saúde do brasileiro:
— Aqui no Brasil está sendo adotado pelo governo Bolsonaro o princípio da negligência: estão liberando o veneno para colocar no prato das nossas mesas.
Molon explicou que se trata do “PL do Veneno” porque vai facilitar e flexibilizar o registro de novos agrotóxicos:
— Se esse projeto de lei for aprovado, produtos que causam úlcera, corrosões na pele, câncer, cegueira, não serão mais considerados extremamente tóxicos. Isso é inacreditável, mas é essa a verdade.
O líder do PT, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), afirmou que a proposta tem o objetivo de “legalizar” os atos do Poder Executivo que liberaram agrotóxicos nos últimos anos. Segundo ele, isso tem impacto na imagem internacional do Brasil:
— A imagem do país está sendo destruída por essa postura irresponsável de liberar agrotóxico todos os dias, sem se preocupar com a qualidade da produção de alimentos, sem preocupação ambiental.
A deputada Joenia Wapichana (Rede-RR) afirmou que o texto não deveria ser considerado prioritário durante a pandemia:
— Que país é este que prioriza o veneno, que flexibiliza uma legislação que tem o potencial de liberar uma ampliação indiscriminada do uso de agrotóxicos em regiões hidrológicas, regiões que ameaçam rios e lagos, uma legislação que pode colocar em risco a vida das pessoas?.
Para o deputado Padre João (PT-MG), a proposta vai beneficiar apenas os grandes produtores de agrotóxicos:
— Esse projeto também tem uma perversidade absurda, que é abrir a fronteira do Brasil para as grandes empresas se instalarem aqui. O Brasil vai passar a ser o maior produtor de veneno do mundo e o grande exportador.
Ele lembrou ainda que o envenenamento por agrotóxicos já foi cientificamente relacionado a doenças degenerativas e depressão.
Na avaliação do deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), os parlamentares deveriam discutir o projeto que cria o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (PL 6670/16), além de projetos como o que incentiva a produção de bioinsumos e controle biológico (PL 658/21).
— Nós temos que trabalhar em uma outra perspectiva, de incentivar a produção orgânica, a produção mais limpa, a produção sustentável e saudável.