A empresa Estúdios Flow, responsáveis pelo Flow Podcast, comunicou nesta terça-feira (8) o desligamento do apresentador Bruno Aiub, conhecido como Monark. O apresentador defendeu na noite desta segunda-feira (7) a formalização de um partido nazista junto à Justiça Eleitoral brasileira, contrariando princípios básicos da Constituição, como a promoção do "bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".
"Reforçamos o nosso comprometimento com a Democracia e Direitos Humanos, portanto, o episódio 545 foi tirado do ar. Comunicamos também a decisão que a partir deste momento, o youtuber Bruno Aiub, Monark, está desligado dos Estúdios Flow", diz um trecho do comunicado divulgado pela empresa nas redes sociais na tarde desta terça.
O estúdio lamentou o episódio ocorrido. "Pedimos desculpas à comunidade judaica em especial e a todas as pessoas, bem como repudiamos todo e qualquer tipo de posicionamento que possa ferir, ignorar ou questionar a existência de alguém ou de uma sociedade", acrescenta outro trecho.
Confira a íntegra do pronunciamento:
O programa de segunda-feira recebia os deputados federais Tabata Amaral (PSB-SP) e Kim Kataguiri (DEM-SP). Durante uma discussão sobre regimes radicais de direita e esquerda, o anfitrião do podcast saiu em defesa do "direito" de ser antissemita.
— Eu acho que tinha de ter o partido nazista reconhecido pela lei — disse.
Tabata Amaral rebateu as afirmações "esdrúxulas" de Monark, citando o holocausto na Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial, período marcado pelo extermínio de mais de 6 milhões de judeus.
Kataguiri, por sua vez, queixou-se porque, segundo sua percepção, defensores do comunismo teriam mais espaço na mídia do que defensores do nazismo. Ponderando sobre a existência do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), o deputado afirmou:
— A gente não tem um partido formal fascista ou nazista com espaço no Parlamento e na imprensa.
Crime
A veiculação de símbolos, ornamentos, emblemas, distintivos ou propaganda relacionados ao nazismo é crime previsto em lei federal e descrito na Constituição como inafiançável e imprescritível.
Monark argumentou que a organização formal de um partido nazista estaria amparada pela liberdade de expressão. Fazendo um contraponto, Tabata afirmou que tal liberdade termina quando se manifesta contra a vida de outras pessoas, sublinhando que o nazismo coloca em risco a vida da população judaica, ao que o apresentador indagou:
— De que forma? Se o cara quiser ser antijudeu, eu acho que ele deveria ter o direito de ser — afirmou Monark.
Segundo ele, esse posicionamento seria restrito a uma questão de "ideais" e não estaria relacionado à vida ou à morte de judeus. Respondendo à deputada, que criticou o ato de questionar a existência de alguém, Monark insistiu:
— Questionar é sempre válido.
Apresentador alegou estar bêbado
Em vídeo publicado no Twitter, Monark alegou estar "muito bêbado" no momento da discussão sobre nazismo e pediu perdão à comunidade judaica pelo posicionamento.
— Falei de uma forma muito insensível com a comunidade judaica e peço perdão pela minha insensibilidade — disse.
Mais cedo, num vídeo de quase nove minutos publicado em suas redes sociais, o youtuber havia condenado o nazismo como princípio ideológico discriminatório, mas insistiu na defesa da liberdade de expressão, que deveria garantir a existência de um partido nazista, assim como existem partidos comunistas.
— Minha ideia é que o cara fale que ele é um idiota para que a gente possa saber que é um idiota — afirmou.
Monark também reclamou da "cultura do cancelamento" e do "assédio" aos patrocinadores do programa, que passaram a cancelar contratos com o podcast.
— Vocês estão acabando com o debate. Não consigo ter mais conversas no meu programa — disse o youtuber. — É muito perigoso quando as pessoas querem desvirtuar totalmente o debate e me caçarem e colocar como um monstro. Estou cansado. Está impossível se expressar na internet.
No vídeo, também reclamou que suas declarações foram tiradas de contexto.
Repercussão
Segundo a advogada criminalista Cecília Mello, ex-juíza do TRF-3, a suposta liberdade para ser nazista, como defende Monark, encontraria uma barreira na maior valoração de outros direitos fundamentais.
— Existem vedações constitucionais em relação à preservação do direito do outro. A sua liberdade é inserida dentro do contexto dos direitos coletivos. Inclusive, quando há dois direitos juntos, verifica-se qual deles tem um peso maior para a sociedade, e, seguramente, nesse sentido, os direitos de respeito, de dignidade e de consideração ao ser humano prevalecem sobre a alegada liberdade de expressão.
Cecília ressalta que a legislação determina que a criação de partidos políticos deve atender à democracia e o respeito aos direitos fundamentais.
— Portanto, por consequência lógica, proíbe a existência de grupos partidários contrários a esses valores — observa.
O ex-advogado-geral da União Fábio Medina Osório afirma que não se pode, em hipótese alguma, comparar legendas de esquerda com a alcunha de "comunistas" a um possível partido nazista. Segundo ele, tanto o PCdoB quanto as siglas socialistas carregam esses rótulos somente no nome e se inserem na estrutura democrática da Constituição brasileira.
— Me surpreende algum parlamentar defender a criação de um partido nazista. Seria um retrocesso inaceitável na democracia brasileira. Importante combatermos a cultura nazista até o fim dos tempos — disse.
Osório reforça que a liberdade de expressão tem limites constitucionais. O ex-AGU dá exemplos de manifestações que não são amparadas por esse princípio:
— Não há possibilidade de se exercer a liberdade para propagar pedofilia nas redes sociais, por exemplo, ou estimular o terrorismo. A vedação aos crimes de discriminação e preconceito constituem um desses limites — disse. — A prática do nazismo constitui crime de discriminação e preconceito. Não se pode criar um partido no Brasil para funcionar como organização criminosa — completou.
O grupo Judeus pela Democracia foi às redes sociais nesta terça-feira (8) se manifestar sobre as declarações do apresentador. A entidade classificou a resposta de Tabata como "perfeita" e criticou o argumento sobre a "liberdade de expressão" sem limites. "Ideologias que visam a eliminação de outros têm que ser proibidas. Racismo e perseguições a quaisquer identidades não são liberdade de expressão", diz o grupo.
Pouco depois, a Confederação Israelita do Brasil (Conib) divulgou nota à imprensa para condenar "de forma veeemente" a defesa da existência de um partido nazista no Brasil e do "direito de ser antijudeu" manifestado por Monark. "O nazismo prega a supremacia racial e o extermínio de grupos que considera 'inferiores'. Sob a liderança de Hitler, o nazismo comandou uma máquina de extermínio no coração da Europa que matou 6 milhões de judeus inocentes e também homossexuais, ciganos e outras minorias. O discurso de ódio e a defesa do discurso de ódio trazem consequências terríveis para a humanidade, e o nazismo é sua maior evidência histórica", diz a nota.
A Federação Israelita de São Paulo se pronunciou na mesma linha. "Monark insistiu que suas falas estariam escudadas no princípio da liberdade de expressão, demonstrando, a um só tempo, desconhecer a história do povo judeu, e a natureza de um princípio constitucional essencial, muitas vezes deturpado por aqueles que insistem em propagar um discurso que incita o ódio contra minorias", escreveu a federação em nota.
Também começou a crescer nas redes sociais a pressão para que patrocinadores do podcast retirem recursos do programa. O Judeus pelo Brasil cobrou que o grupo Sleeping Giants tome a frente da mobilização para que as empresas que apoiam o programa encerrem os contratos. A Mondelez Brasil, dona da marca de chocolates Bis, por exemplo, divulgou em suas redes sociais uma nota de repúdio a manifestações nazistas, racistas ou discriminatórias. A empresa também alega que patrocinou apenas dois episódios no ano passado e que já solicitou ao Flow a retirada da marca, citada entre os patrocinadores do podcast.
Diante da repercussão, a Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (Ferj) rompeu a parceria com o canal de streaming Flow Sport Club para a transmissão de jogos do Campeonato Carioca. No contrato, estavam previstas a exibição de 16 partidas pela plataforma. Os direitos haviam sido comercializados por intermédio da Sportsview, que adquiriu os direitos de imagem para a internet.
Após a divulgação da nota a respeito do desligamento do apresentador, internautas questionaram a direção dos Estúdios Flow, indagando se Monark deixará de ser sócio e de receber lucros. A empresa, até o momento, não se manifestou.