Ao final de cinco meses de uma campanha marcada por disputa acirrada e tensão crescente, o PSDB encerrou o dia, neste domingo (21), sem saber quem venceu as prévias do partido para definir o candidato à Presidência da República. Desde cedo, o aplicativo de votação apresentou falhas técnicas, impedindo a participação de filiados e provocando revolta. O problema — que chegou a ser classificado, nos bastidores, como "fiasco" por líderes indignados — levou ao adiamento da decisão, sem data definida.
Três nomes brigam pela vaga: Eduardo Leite e João Doria, governadores do Rio Grande do Sul e de São Paulo, respectivamente, e, sem chances de vitória, o ex-prefeito de Manaus, Arthur Virgílio. Leite defende a conclusão do processo em até 48 horas. Já Doria e Virgílio querem a definição no próximo domingo (28).
Os erros no sistema — desenvolvido pela Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Faurgs) e voltado a filiados sem mandato e vereadores — começaram pouco depois das 8h e se estenderam até o final da tarde. Correligionários relataram dificuldades em diferentes etapas de validação, em especial na fase de reconhecimento facial. Muitos tentaram dezenas de vezes, e a estimativa é de que menos de 10% dos 44,7 mil inscritos conseguiram.
— Quem votou às 7h, 7h30min, conseguiu. Eu comecei a tentar às 8h e nada. O aplicativo pedia para inserir o título de eleitor, depois a foto. Aí era preciso validar o processo com um código enviado por SMS. Depois disso, dava para votar. Eu até consegui, mas ainda tinha de confirmar o voto, com mais um código de SMS e nova foto do rosto. Aí travava tudo e voltava para o início. Perdi as contas de quantas vezes tentei. É um absurdo. Sei de muita gente, aqui no Estado, que desistiu — conta a assessora parlamentar Ana Teixeira, 48 anos, filiada ao diretório do PSDB de Porto Alegre.
De Brasília, onde o partido organizou evento para receber os votos presenciais de prefeitos, vice-prefeitos, governadores e vices, deputados, senadores e ex-presidentes do PSDB, o presidente da agremiação na capital gaúcha, vereador Moisés Barboza, classificou a situação como "uma injustiça". Ele chegou a protocolar um documento junto à direção nacional registrando repúdio ao "inaceitável número de filiados, diretorianos, delegados e presidentes de zonais que não conseguem efetivar seus votos em nossas prévias". Barboza defendeu que o pleito fosse prorrogado, caso as falhas persistissem:
— Mais da metade dos delegados do diretório do PSDB em Porto Alegre simplesmente não conseguiram votar, fora os filiados. É um absurdo e é péssimo para a imagem do partido, que foi vítima da inoperância de um serviço contratado.
Em Porto Alegre, o vereador Ramiro Rosário também enfrentou obstáculos para confirmar seu voto. Conseguiu, mas passou o dia ajudando colegas na tarefa, a maioria sem êxito. Segundo ele, o aplicativo apresentou lentidão em todas as fases.
— É uma pena, porque ficou um clima ruim para as prévias e para o partido. Era para ser algo bacana, como a gente vê nos Estados Unidos — lamenta Rosário.
A indefinição e os boatos em torno do desfecho do imbróglio levaram a novas trocas de farpas entre militantes ligados a Leite e Doria, com insinuações mútuas de irregularidades. Inicialmente, o encerramento do processo de escolha, previsto para as 15h, foi adiado para as 18h no app. Depois, Leite pediu uma reunião à executiva nacional para tratar do assunto, da qual participaram Virgílio e Doria — só em São Paulo, a estimativa era de que 62% dos credenciados não teriam obtido acesso ao sistema.
No fim da tarde, depois desse encontro, o presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo, emitiu nota informando que a votação pelo aplicativo encontrava-se "pausada em razão de questões de infraestrutura técnica, que não comportou a demanda dos votantes das prévias".
Conforme a nota, os votos registrados serão preservados "e o PSDB está definindo, junto com os candidatos, em que momento o processo será retomado". A intenção é definir nova data "para que todos os filiados que não puderam votar neste domingo possam, com tranquilidade e segurança, registrar o seu voto e concluir a escolha do nosso candidato".
Para atenuar as incertezas, Araújo pediu que, até as 11h desta segunda-feira (22) a Faurgs responda, tecnicamente, em quanto tempo é possível corrigir as falhas no sistema e retomar a votação.
Também por meio de nota, a Faurgs esclareceu que "está investigando todas as possíveis causas da instabilidade verificada no aplicativo das prévias do PSDB" e que, "ao contrário do que foi especulado, os problemas não têm qualquer relação com a compra de licenças para suportar o reconhecimento facial dos filiados. Tanto é que o mesmo número de certificados permitiu o cadastramento bem-sucedido dos mais de 44 mil eleitores".
Ainda segundo o texto, "os votos até agora registrados não serão perdidos, e a segurança do sistema não foi afetada".
Por volta das 20h, haveria nova reunião entre a executiva nacional e os candidatos. Antes disso, Doria e Virgílio divulgaram manifestação afirmando que "foi alertado durante todo o processo sobre a fragilidade do aplicativo e os problemas de instabilidade e insegurança". Mesmo assim, segundo os dois candidatos, "a direção do PSDB optou por manter o contrato com a Faurgs (Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sediada em Pelotas) e o uso da plataforma" — vale a ressalva, contudo, de que a sede da Faurgs não fica em Pelotas, mas em Porto Alegre.
Tanto Doria quanto Arthur Virgílio "defendem a data do dia 28 de novembro, próximo domingo, para que o processo de prévias se encerre de forma rápida, eficiente e justa".
Último a se pronunciar, em nota conjunta assinada com os ex-presidentes nacionais do PSDB Tasso Jereissati, José Aníbal, Pimenta da Veiga e Teotônio Vilela Filho, Leite defendeu mais agilidade na conclusão da votação. Conforme o texto, "a campanha de Eduardo Leite manifesta-se em nome do bom senso, da celeridade do processo e da manutenção do regramento eleitoral pela conclusão do processo em, no máximo, 48 horas". Para Leite e seus apoiadores, seria "contrassenso" adiar a votação agora, se "antes esse mesmo procedimento foi duramente criticado e rechaçado pelas outras candidaturas".
NOTAS NA ÍNTEGRA
Leia a nota na íntegra da executiva nacional do PSDB
"O PSDB concluiu, às 18h deste domingo, o processo de votação em urna eletrônica para a escolha do candidato do partido à presidência da República.
O processo de votação em aplicativo encontra-se pausado em razão de questões de infraestrutura técnica, que não comportou a demanda dos votantes das prévias.
Os votos registrados neste domingo estão preservados e o PSDB está definindo, junto com os candidatos, em que momento o processo será retomado.
O PSDB definirá nova data para reabertura do processo de votação para que todos os filiados que não puderam votar neste domingo possam, com tranquilidade e segurança, registrar o seu voto e concluir a escolha do nosso candidato às eleições presidenciais de 2022.
Os votos recebidos tanto pelo aplicativo quanto por meio das urnas eletrônicas ao longo deste domingo serão totalizados ao final do processo de votação.
A integridade e a segurança do sistema estão totalmente preservadas.
Todos os votos registrados desde a abertura da votação neste domingo estão válidos e serão computados."
Leia a íntegra da nota da Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Faurgs)
"A Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FAURGS) esclarece que está investigando todas as possíveis causas da instabilidade verificada no aplicativo das prévias do PSDB. Desde que os primeiros relatos foram informados, os esforços dos técnicos da instituição estão em descobrir a causa da lentidão do sistema. Assim que houver total comprovação, o detalhamento desse ocorrido será levado a público.
Ao contrário do que foi especulado, os problemas não têm qualquer relação com a compra de licenças para suportar o reconhecimento facial dos filiados. Tanto é que o mesmo número de certificados permitiu o cadastramento bem-sucedido dos mais de 44 mil eleitores.
Os votos até agora registrados não serão perdidos, e a segurança do sistema não foi afetada. Todo o processo está sendo acompanhado por técnicos representando as três chapas inscritas, garantindo lisura e transparência."
Leia a íntegra da nota das campanhas de João Doria e Arthur Virgilio
"NOTA EM RESPEITO AOS FILIADOS DO PSDB
Desde o início do processo de prévias, as campanhas dos candidatos do PSDB à presidência da República, João Doria e Arthur Virgilio, defenderam a ampla participação de todos os filiados.
Defenderam também a utilização de urnas eletrônicas, que regem o sistema eleitoral brasileiro de forma segura, simples e transparente.
Foi alertado durante todo o processo sobre a fragilidade do aplicativo e os problemas de instabilidade e insegurança que o modelo proposto poderia trazer para as primárias.
Mesmo diante dos alertas de ambas as campanhas e da Kryptus, auditoria contratada pelo próprio partido para garantir a lisura da eleição, a direção do PSDB optou por manter o contrato com a FAUGRS (Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sediada em Pelotas) e o uso da plataforma.
Diante das inúmeras falhas do próprio aplicativo, ocorridas durante o todo o processo de votação, neste domingo (21), se faz necessário o ajuste imediato do aplicativo.
É urgente retomar o processo de escolha do candidato em respeito aos filiados tucanos e o seu direito de votar.
Tanto Doria quanto Arthur Virgílio defendem a data do dia 28 de novembro, próximo domingo, para que o processo de prévias se encerre de forma rápida, eficiente e justa. Lembrando que o prazo já era previsto em resolução pela Comissão das Prévias como um possível segundo turno.
Prolongar ainda mais o processo de prévias seria um desrespeito aos filiados tucanos e ao processo democrático.
João Doria e Arthur Virgilio"
Leia a íntegra da nota de Eduardo Leite e de quatro ex-presidentes do PSDB
"Considerando que, pelo edital das prévias, a eleição acaba neste domingo à meia-noite;
Considerando que a comissão de coordenação das prévias já foi dissolvida;
Considerando que o aplicativo de votação não funcionou adequadamente, impossibilitando a votação legítima da maioria dos filiados;
Considerando que hoje ainda não há manifestação técnica das empresas garantindo a possibilidade de votação de todos os filiados pelo aplicativo;
A campanha de Eduardo Leite manifesta-se em nome do bom senso, da celeridade do processo e da manutenção do regramento eleitoral pela conclusão do processo em, no máximo, 48 horas, exigindo um aditamento ao edital com o novo prazo.
Até porque seria um contrassenso termos feito tudo para garantir a segurança da votação, como reduzir o prazo para apenas domingo e, agora, querer alongar o tempo em uma semana, aumentando os riscos antes minimizados.
Outro contrassenso é agora adiar a votação quando antes esse mesmo procedimento foi duramente criticado e rechaçado pelas outras candidaturas. Se antes não se podia adiar, quando teríamos permitido mais testes e segurança técnica do app, como agora, com tantos problemas detectados, vamos adiar por uma semana?
A campanha de Eduardo Leite aceita mais 48 horas de votação, desde que garantida a capacidade técnica para votação de todos os cadastrados que assim desejarem.
Com mais do que isso as prévias perderiam sua integralidade, seja pelo prazo, seja pelo número de votantes, seja pela incapacidade técnica do aplicativo, seja pela agressão ao ato normativo eleitoral ou seja pelas denúncias de irregularidades de todo o tipo, que se avolumaram no dia de hoje e que poderiam ensejar judicializações e sindicâncias indesejadas.
Vamos ao voto e que na terça-feira o PSDB apresente seu candidato para mudar o Brasil.
Eduardo Leite
E os Ex-Presidentes Nacionais do PSDB
Tasso Jereissati
José Aníbal
Pimenta da Veiga
Teotônio Vilela Filho"