O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou, nesta segunda-feira (2), pedido ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que o presidente Jair Bolsonaro seja investigado no inquérito que apura a disseminação de fake news. O envio da notícia-crime foi aprovado em plenário por unanimidade.
A corte eleitoral faz referência específica à apresentação feita por Bolsonaro na quinta-feira passada (29), transmitida por redes sociais e pela TV Brasil, com alegações sem provas de fraudes nas eleições, especialmente na urna eletrônica.
Nos últimos dois anos e meio, o presidente tem afirmado que houve fraudes nas eleições de 2018. Nunca apresentou provas. Na semana passada, prometeu apresentar o que seriam as supostas provas, mas na ocasião admitiu não ter provas e disseminou fake news.
Na mesma sessão, o TSE aprovou por unanimidade abertura de um inquérito administrativo no âmbito do tribunal para apurar ataques à legitimidade das eleições. A proposta partiu do corregedor eleitoral, ministro Luís Felipe Salomão.
Devem ser investigadas infrações como corrupção, fraude, condutas vedadas a agentes públicos, abuso de poder político e econômico e propaganda fora do período de eleições.
Segundo a Corregedoria-Geral da Justiça Eleitoral, o inquérito abrangerá ampla "dilação probatória", promovendo medidas cautelares para a colheita de provas, com depoimentos de pessoas e autoridades, juntada de documentos, realização de perícias e outras providências que se fizerem necessárias para o adequado esclarecimento dos fatos. O ministro Luis Felipe Salomão determinou que o inquérito administrativo tramite em caráter sigiloso, ressalvando-se os elementos de prova que, já documentados, digam respeito ao direito de defesa.
Discurso em defesa da democracia
Na abertura da sessão e do semestre de atividades no TSE, o presidente da corte, Luís Roberto Barroso, afirmou que quem repete uma mentira muitas vezes será "perenemente prisioneiro do mal". Alvo de discursos de Bolsonaro, o ministro disse que a obsessão do chefe do Executivo por ele "não faz nenhum sentido e sobretudo não é correspondida".
— As referências pessoais a mim tratei com a indiferença possível. Eu escolhi para a minha vida ser um agente do processo civilizatório e empurrar a história na direção certa. Se eu parar para bater boca, eu me igualo a tudo que quero transformar. Vivo para o bem e para fazer um País melhor e maior. Ódio, mentira, agressividade, grosseria, ameaças, insultos são derrotas do espírito. O universo me deu a bênção de não cultivar estes sentimentos e atitudes — afirmou.
Segundo Barroso, o País superou "ciclos de atraso institucional" apesar de "retardatários" que gostariam de voltar ao passado.
— Uma das manifestações do autoritarismo no mundo contemporâneo é precisamente o ataque às instituições, inclusive às instituições eleitorais que garantem processo legítimo de condução aos mais elevados cargos da República — disse o magistrado.
Sem citar o nome do presidente da República, o ministro disse que ameaça à realização das eleições é conduta antidemocrática e que há "coisas erradas acontecendo no País" às quais todos precisam estar atentos.
— A ameaça à realização de eleições é conduta antidemocrática, suprimir direitos fundamentais incluindo de natureza ambiental é conduta antidemocrática, conspurcar o debate público com desinformação, mentiras, ódios e teorias conspiratórias é conduta antidemocrática — discursou.
O ministro também afirmou que outras democracias do mundo se encontram sob pressão e criticou os líderes populares que, eleitos pelo voto popular, desconstroem pilares da democracia. Segundo Barroso, o projeto democrático é o da soberania popular e eleições livres.
Os embates entre Bolsonaro e o Judiciário
As decisões divulgadas nesta segunda-feira pelo TSE são o mais novo capítulo de uma sequência de embates públicos recentes entre a Corte e o presidente Jair Bolsonaro, que vem insistindo nos ataques ao sistema eleitoral brasileiro. Confira a cronologia:
- Quinta-feira (29/7)
Em uma live exibida nas redes sociais, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que iria apresentar "indícios" de fraude em eleições com uso da urna eletrônica. Sem provas, mostrou vídeos que apontavam supostos problemas nas teclas da urna e criticou a suposta exclusividade do Brasil no uso do sistema. Em vários momentos, Bolsonaro disse que a apuração dos votos será feita "pelos mesmos que tornaram o ex-presidente Lula (PT) elegível e que o tiraram da cadeia". O presidente também convocou apoiadores para um ato no dia 1º de agosto.
Na mesma noite, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) encaminhou a jornalistas diversas checagens rebatendo pontos do discurso. Em redes sociais, a corte eleitoral também publicou desmentidos sobre as alegações de Bolsonaro. Um dos casos tratava de uma suposta fraude nas urnas em 2008 na cidade de Caxias (MA). Segundo o TSE, a Polícia Federal periciou as 10 urnas e não encontrou irregularidades.
- Domingo (1º/8)
Manifestantes foram às ruas em algumas cidades do país em atos a favor do voto impresso e do presidente Jair Bolsonaro. Em locais como Brasília, São Paulo e Porto Alegre, um áudio de Bolsonaro foi transmitido por carros de som. O presidente voltou a criticar o STF e a dizer que "sem voto impresso não haverá eleições", o que já havia sido rechaçado por autoridades de outros poderes.
- Segunda-feira (2/8)
No discurso de reabertura das atividades do Judiciário, o presidente do STF, Luiz Fux, reagiu aos ataques dos últimos dias desferidos pelo presidente e, em tom contundente, disse que "os juízes precisam vislumbrar o momento adequado para erguer a voz diante de eventuais ameaças". Fux não citou o nome de Bolsonaro, mas o recado foi claro quando ele cobrou respeito às instituições e afirmou que a manutenção da democracia exige permanente vigilância.
Na mesma noite, o TSE abriu inquérito administrativo ara apurar os ataques à legitimidade das eleições e solicitou ao STF a inclusão de Bolsonaro como investigado na apuração sobre a disseminação de fake news.