Empresa que está no centro das suspeitas envolvendo a compra da vacina indiana Covaxin, a Precisa Medicamentos teve um salto em seus negócios no governo do presidente Jair Bolsonaro. Antes dele, a firma havia assinado apenas um contrato, de R$ 27,4 milhões, para fornecer preservativos femininos ao Ministério da Saúde. Desde 2019, primeiro ano de Bolsonaro, a Precisa fechou ou intermediou acordos que somam R$ 1,67 bilhão. No atual governo, o empresário Francisco Maximiano, dono da empresa, também ganhou acesso a ministérios, ao BNDES e à embaixada do Brasil na Índia.
Foi o próprio filho mais velho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), o responsável por abrir as portas do BNDES ao empresário. Após a revista Veja revelar que o parlamentar intermediou uma reunião de Max, como é conhecido em Brasília, com o presidente do banco público, Gustavo Montezano, o senador admitiu ter "amigos em comum" com o dono da Precisa.
Antes de Bolsonaro, a firma havia assinado apenas um contrato com o governo federal desde sua criação. Segundo o Portal da Transparência, a Precisa recebeu R$ 27,4 milhões em 2018 pela venda de 11,7 milhões de preservativos femininos. O presidente era Michel Temer (MDB) e o ministro da Saúde, o atual líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (Progressistas-PR). Nos anos seguintes, já com a dobradinha Bolsonaro-Barros, a empresa ampliou o negócio e assinou novos contratos, que somam R$ 1,67 bilhão.
Na última sexta-feira (25), o deputado Luis Miranda (DEM-DF) afirmou à CPI da Covid no Senado que Bolsonaro atribuiu a Barros "os rolos" envolvendo a compra da vacina Covaxin. O líder do governo admitiu ter sido citado pelo presidente, mas atribuiu a menção ao outro contrato suspeito envolvendo sua gestão no ministério.
O ex-ministro da Saúde, contudo, não é o único contato de Max no governo, como mostram registros da reunião no BNDES à qual Flávio o levou. Quando a família Bolsonaro se aproximou do dono da Precisa, ele já era investigado por ter recebido R$ 20 milhões do Ministério da Saúde por medicamentos de alto custo que nunca entregou. O negócio, porém, foi feito por uma outra empresa em nome de Max, a Global Saúde.
Além do crescimento exponencial da Precisa sob a gestão Bolsonaro, chamou a atenção do mercado o fato atípico de uma empresa que não vendia imunizantes — até então, todos os contratos eram sobre preservativos — entrar nesse negócio de uma hora para outra. Nesse caso, a Precisa fechou em fevereiro o contrato que prevê o envio de 20 milhões de doses da Covaxin, produzida pelo laboratório indiano Bharat Biotech, ao Brasil. A empresa não informa quanto receberá da fabricante nem se há cláusula de desempenho, típica de contratos de lobby. Das seis vacinas compradas até agora pelo governo brasileiro, apenas a indiana foi negociada por meio de um intermediário que não vai produzir o imunizante. O valor da dose também é o mais alto até agora (US$ 15 por unidade). Como revelou o Estadão, o valor é 1.000% mais alto do que estimava a própria fabricante (US$ 1,34).
Fundada em 1999, em Santos, a Precisa tem como foco o fornecimento de medicamentos de alto custo. A empresa passou às mãos de Max em 2014. A Global também é alvo de suspeitas de irregularidades em negócios anteriores feitos com a Postalis, fundo de pensão dos funcionários dos Correios, na Petrobras e com o próprio Ministério da Saúde, no caso dos remédios nunca entregues.
Com Max no comando, a Precisa também assinou um contrato com o governo do Distrito Federal, de Ibaneis Rocha (MDB), aliado de primeira hora de Bolsonaro. A empresa é uma das investigadas na Operação Falso Negativo, que apura a compra de milhares de testes rápidos de covid-19 com suspeitas de serem superfaturados e de baixa qualidade. O sobrepreço apontado pelos procuradores é de pelo menos R$ 18 milhões.
Embaixada
O acesso do dono da Precisa no governo Bolsonaro também foi registrado em documentos do Ministério das Relações Exteriores. Telegrama sigiloso, ao qual o Estadão teve acesso, afirma que Max foi recebido em janeiro deste ano na embaixada brasileira em Nova Délhi, com uma comitiva ligada à Associação Brasileira de Clínicas de Vacinas (ABCVAC).
As empresas de Maximiano — Precisa e Global — não são filiadas à ABCVAC, e nem o empresário faz parte dos quadros da entidade. A CPI quer entender o motivo de o empresário ter chefiado a delegação e falado em nome das clínicas privadas.
Após o encontro na Índia, a associação anunciou acordo com o laboratório indiano Bharat Biothec, intermediado pela Precisa, para a compra de R$ 5 milhões de doses da Covaxin. A empresa de Maximiano importaria as vacinas indianas, ficaria como responsável pelo armazenamento, transporte e logística dos imunizantes e os venderia ao mercado privado. A ABCVAC intermediou o contato entre a Precisa e seus associados. Cada clínica escolheu uma determinada quantidade de vacinas.
O negócio, porém, não saiu do papel por impedimentos legais. A lei que permitiu a compra pela iniciativa privada, aprovada em março no Congresso, prevê o repasse de 100% das doses para a vacinação na rede pública e proíbe a cobrança pela aplicação, o que inviabiliza a venda pelas clínicas privadas.
Ao Estadão, o presidente da ABCVAC, Geraldo Barbosa, negou que ele ou algum representante da entidade tenham ido à reunião na sede da embaixada em Nova Déhli.
— Eu nunca tive contato, nunca fui solicitado, não participei dessa reunião. Eu não sei porque isso foi citado — afirmou Barbosa, que pretende procurar a embaixada para saber porque a associação foi citada no documento.
Diante disso, o Estadão questionou a embaixada brasileira para saber a pedido de quem Max foi atendido pelo embaixador — uma agenda difícil de ser conquistada. Não houve resposta. Os documentos da embaixada também revelam que Max mantinha relações no Ministério da Economia. No encontro em janeiro, o empresário afirmou que havia discutido com a pasta de Paulo Guedes a abertura de uma linha de crédito para clínicas privadas adquirirem vacinas no Exterior.
Procurada, a Precisa Medicamentos negou qualquer relação com Ricardo Barros e afirmou que todos os seus contratos "seguem práticas de compliance e atendem às regras de licitação". O Ministério da Saúde não se manifestou sobre a Precisa até as 20h45min de domingo (27).
Investigação na CPI
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid quer investigar a ligação do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR), com a compra de outras vacinas pelo Ministério da Saúde, além da Covaxin. Agora, outros dois contratos entraram na mira da CPI: o da russa Sputinik V e o da chinesa Convidecia. Nos três, o quadro é parecido: vacinas mais caras compradas de laboratórios por meio de intermediários no Brasil, com elos com Barros. A apuração é discutida após os depoimentos do deputado Luis Miranda (DEM-DF) e de seu irmão Luis Ricardo Miranda. Luis Miranda disse ter ouvido do presidente Jair Bolsonaro o nome de Barros quando o alertou sobre esquema na compra da Covaxin. Barros nega a acusação.