O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira (30) o julgamento de recurso extraordinário envolvendo a tese do "marco temporal" nas discussões sobre demarcação de terras indígenas. A votação é um dos pontos centrais da disputa em curso entre lideranças indígenas e ruralistas, porque será analisada em caráter de repercussão geral, podendo o resultado servir como parâmetro para casos semelhantes no futuro.
Os defensores da tese do marco temporal sustentam que os povos originários só podem solicitar o reconhecimento legal de territórios que já ocupavam quando foi promulgada a Constituição de 1988, responsável por consolidar os critérios para demarcação. Além da questão temporal, porém, os ministros vão discutir se as terras sob posse de povos indígenas só serão consideradas território de direito desses grupos ao final do processo administrativo de demarcação.
O caso que suscitou o julgamento envolve recursos conflitantes levados ao Supremo: a Fundação Amparo Tecnológico ao Meio Ambiente (FATMA), do governo de Santa Catarina, pede a reintegração de posse das terras sob tutela das etnias Xokleng, Cainguangue e Guarani, que exigem a demarcação da Reserva Indígena de Ibirama-La Klanõ.
A votação foi paralisada no último dia 11, após pedido de destaque (encaminhamento para sessão presencial) apresentado pelo ministro Alexandre de Moraes. A matéria será retomada em um momento de disputa intensa.
Corre em paralelo na Câmara o Projeto de Lei 409/2007 que, entre outros dispositivos, prevê a aplicação da tese do marco temporal, a proibição de expansão das terras demarcadas, a liberação da exploração econômica — por por indígenas e outros grupos — e a ampliação do contato com povos isolados.
Em manifestação contrária ao projeto, indígenas e policiais entraram em confronto no último dia 22, tendo o Congresso como palco da batalha. Lideranças de diversas etnias, acampadas há mais de 20 dias em Brasília, marcharam até a Câmara para protestar durante a discussão do projeto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). A polícia reprimiu o ato e houve um embate que terminou com seis pessoas feridas — três policiais e três indígenas.
A deputada Joênia Wapichana (Rede-RR), única parlamentar indígena do Congresso, é crítica à proposta e pede que o STF reconheça a inconstitucionalidade da tese do marco temporal como forma de garantir os direitos das etnias e frear o avanço da lei.
– O STF pode trazer a centralidade do julgamento para o futuro dos povos indígenas, uma vez que causará impacto nos procedimentos de demarcação das terras. A tese do marco visa inviabilizar a conclusão de demarcações que se arrastam por anos, muitas delas antes da nossa Constituição. Diversos povos indígenas continuam sem o termo de posse da terra por razões históricas dos conflitos – afirmou Joênia.
Invasões
A deputada argumentou, ainda, que a aprovação do projeto "pode causar danos irreversíveis à vida dos povos indígenas que vêm denunciando invasões em suas terras". Em contrapartida, os 40 parlamentares que votaram a favor do texto na CCJ disseram que o projeto levará desenvolvimento às terras indígenas e maior integração dos povos originários com o restante da sociedade.
Essa é a linha seguida pelo atual presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Xavier, que visita pessoalmente povos indígenas em aldeias para estimular a produção agrícola no território. Um dos exemplos é a etnia Paresi, que se firma e ganha escala como produtora de grãos.
O projeto será encaminhado agora para votação no plenário da Câmara. Joênia está entre os 21 parlamentares que votaram contra a proposta – deputados da oposição pedem a retirada do texto da pauta da Câmara até que o Supremo conclua o julgamento do recurso extraordinário.
Na tentativa de pressionar os ministros pela recusa da tese, o advogado Eloy Terena, coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), assinou a carta aberta enviada nesta semana ao Supremo. Terena avaliou o recurso em julgamento na Corte como "emblemático" e acusou a bancada ruralista de atropelar a votação no STF para validar a tese pela via legislativa.
O advogado disse que, se o projeto for aprovado na Câmara, apresentará ações de inconstitucionalidade, acionando novamente o Supremo.
— Se o STF acatar essa tese, além de inviabilizar a demarcação das terras ainda pendentes, vai abrir margem para questionar terras já demarcadas. Nós (indígenas) temos falado que o marco temporal é sinônimo de genocídio. Algumas pessoas acham que é exagero, mas não é — afirmou.
Para Paulo Guimarães, presidente da Comissão de Direito Indígena da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB-DF), o projeto de lei "fere parâmetros constitucionais e avança sobre regras".