A história das tratativas entre o governo federal e a farmacêutica americana Pfizer ganhou mais um capítulo, nesta quinta-feira (13), na CPI da Covid. Isso porque foi a vez de Carlos Murillo, gerente-geral da companhia na América Latina, dar seu depoimento. Ele relatou à CPI que o governo brasileiro não respondeu, entre agosto e setembro de 2020, propostas que previam a entrega de 1,5 milhão de doses da vacina ainda em 2020 pela empresa americana.
Murillo reforçou que as primeiras reuniões sobre a venda de vacinas ao Ministério da Saúde (MS) começaram em maio de 2020. Além disso, afirmou que as ofertas foram feitas a partir de agosto e que o MS não deu retorno sobre as propostas. O gerente-geral da Pfizer na América Latina mencionou ainda uma carta enviada em 12 de setembro ao presidente Jair Bolsonaro com cópia para outras pessoas do Executivo federal. O documento, assinado pelo CEO da Pfizer, Albert Bourla, tratava de uma oferta de fornecimento de vacinas contra a covid-19, conta Murillo.
— O governo não rejeitou e tampouco aceitou a oferta — disse ele, lembrando que a oferta realizada em 26 de agosto tinha uma validade de 15 dias.
E reforçou:
— Não teve resposta positiva nem negativa.
Em depoimento realizado na quarta-feira (12), Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação da Presidência confirmou a demora do governo federal em responder à carta da Pfizer que se propunha a negociar a compra de vacinas pela União. Ele relatou que o documento permaneceu quase dois meses sem resposta por parte do governo brasileiro. A carta foi enviada em 12 de setembro de 2020 e só foi respondida em 9 de novembro pelo Brasil.
À CPI, Wajngarten relatou:
— A carta foi enviada dia 12 de setembro. O dono de um veículo de comunicação me avisa em 9 de novembro que a carta não foi respondida. Nesse momento, envio um e-mail ao presidente da Pfizer. Quinze minutos depois, o presidente da Pfizer no Brasil – eu liguei para Nova York -, me responde. Ele diz: Fabio, obrigado pelo seu contato.
Confira a cronologia das negociações entre a Pfizer e o governo federal
- Em 31 de julho, quando o Brasil contabilizava 92.475 mortos por covid-19, a empresa Pfizer começou a conversar com o governo federal para vender doses do seu imunizante.
- Em nota, a farmacêutica afirma que encaminhou três propostas para o governo brasileiro, para uma possível aquisição de 70 milhões de doses de sua vacina, sendo que a primeira oferta foi feita em 14 de agosto de 2020, segundo Murillo disse à CPI, e encaminhada ao governo brasileiro. O comunicado revela ainda que, nessa sugestão de contrato, estava acertada a entrega de um quantitativo a partir de dezembro de 2020. A nota da Pfizer sobre esse assunto só veio a público em 7 de janeiro deste ano, e indicava uma data diferente, 15 de agosto de 2020.
- O Brasil não respondeu a essa proposta de meados de agosto. O país começou a vacinação somente em 17 de janeiro, com a CoronaVac.
- Em depoimento na CPI da Covid, Wajngarten revelou que uma carta – com oferta de doses de vacina – enviada pela Pfizer ao governo brasileiro ficou sem resposta por dois meses. O documento, com data de 12 de setembro de 2020, era endereçado ao presidente Jair Bolsonaro. Nele, Albert Bourla, autor do documento e CEO da Pfizer, demandava respostas sobre a compra dos imunizantes contra o coronavírus por parte da União, ressaltava o potencial da vacina para mitigar a doença no Brasil, pontuava que contatou representantes dos ministérios da Saúde e da Economia, além da Embaixada do Brasil nos Estados Unidos, mas que não obteve retorno. Além disso, Bourla reforçou que "sabendo que o tempo é essencial, minha equipe está interessada em acelerar as discussões sobre uma possível aquisição e pronta para se reunir com Vossa Excelência ou representantes do governo brasileiro o mais rapidamente possível".
- Em meados de novembro, o governo brasileiro passou a alegar que descartou o contato em função da dificuldade de armazenamento da vacina – o imunizante exigia acondicionamento a -70°C. Depois, foram somados a esse argumento a demanda da farmacêutica, que exigia uma cláusula de isenção de responsabilidade em relação a possíveis efeitos colaterais da vacina contra a covid-19. O então ministro da Saúde Eduardo Pazuello sinalizava ainda que a empresa queria oficializar a impossibilidade de ser julgada em tribunais brasileiros por quaisquer questões relacionadas ao imunizante. Essas e outras condições impostas ao Brasil são as mesmas aplicadas a todos os países que compraram imunizantes da Pfizer, afirma a companhia.
- Um "memorando de intenções" para a compra de 70 milhões de doses da vacina da Pfizer/BioNTech foi assinado em 10 de dezembro de 2020.
- Apesar do interesse na compra, as críticas continuaram. Bolsonaro questionou, durante um evento na Bahia em 17 de dezembro de 2020, os possíveis efeitos secundários das vacinas contra coronavírus e usou a da Pfizer/BioNTech como exemplo. O presidente da República criticou as exigências da farmacêutica americana ao dizer que "no contrato da Pfizer, está bem claro. Nós (a Pfizer) não nos responsabilizamos por qualquer efeito secundário. Se você virar um jacaré, é problema seu", disse Bolsonaro. A essa altura, o Brasil tinha mais de 184 mil mortes pela covid-19.
- Quando ainda era ministro da Saúde, em 11 de janeiro, Pazuello criticou as condições para importação de imunizantes produzidos por empresas estrangeiras. Novamente, a Pfizer foi usada como exemplo de "condições impostas pelos fabricantes e que não eram vantajosas para o governo federal", conforme o então ministro da Saúde.
- Em nota publicada em 23 de janeiro deste ano, o MS informa que recebeu a carta do dirigente da Pfizer, mas pontuou que as doses iniciais oferecidas pela companhia "seriam mais uma conquista de marketing, branding e growth para a produtora de vacina". Além disso, segundo eles, as doses oferecidas – que não tiveram sua quantidade citada no documento – causariam "frustração em todos os brasileiros, pois teríamos, com poucas doses, que escolher, num país continental, com mais de 212 milhões de habitantes, quem seriam os eleitos a receberem a vacina". Por fim, a pasta afirmou que as "cláusulas leoninas e abusivas" estabelecidas pelo laboratório criaram uma barreira de negociação e compra.
- A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) concedeu o registro definitivo ao imunizante da Pfizer/BioNTech contra a covid-19 em 23 de fevereiro de 2021. Esse foi o primeiro passo para que fosse autorizada a importação da vacina. O imunizante se tornou o primeiro a obter o registro sanitário definitivo no Brasil, apesar de, na época, ele não estar disponível à população.
- Em edição extra do Diário Oficial da União de 3 de março deste ano, foi publicado pelo MS o aviso de dispensa de licitação que sinalizou a intenção de compra de 100 milhões de doses da vacina contra o coronavírus da Pfizer/BioNTech.
- Em 4 de março, Bolsonaro voltou a criticar o contrato proposto pela Pfizer. Em uma transmissão ao vivo, ele disse que era "barra pesada" a isenção de responsabilidade exigida pela empresa.
- Em 15 de março de 2021, o Ministério da Saúde, finalmente, anunciou a assinatura do contrato de aquisição de vacinas junto à Pfizer. Ficou acertada uma entrega de 100 milhões de doses até setembro.
- Em 29 de abril, chegou o primeiro lote com 1 milhão de doses ao Brasil.
- Marcelo Queiroga, atual ministro da Saúde, anunciou a compra de mais 100 milhões de doses da vacina produzida pela farmacêutica Pfizer. O anúncio foi feito na terça-feira (11). O investimento na aquisição será de R$ 6,6 bilhões.