Nesta terça-feira (25), a CPI da Covid ouviu o depoimento da secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro. A médica cearense ficou conhecida como "capitã cloroquina" por defender o tratamento precoce com o uso do medicamento, que não possui nenhuma comprovação científica. A sessão foi encerrada às 17h, quando teve início a ordem do dia no plenário do Senado.
Mayra entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) e conseguiu o direito de permanecer em silêncio se fosse questionada sobre fatos ocorridos entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021, período que coincide com a crise de falta de oxigênio em Manaus. Isso porque ela responde a ação de improbidade administrativa apresentada pelo Ministério Público Federal no Amazonas, em processo que apura as ações e omissões dos governos federal e estadual no colapso do sistema de saúde na capital daquele Estado.
Abaixo, confira os principais pontos do depoimento:
"Infelizmente", uso de medicamento foi "criminalizado"
Ao defender mais uma vez o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina como alternativa ao tratamento da covid-19, Mayra afirmou que "infelizmente" o uso dos medicamentos "foi muito estigmatizado e criminalizado (no lugar) das pessoas que fizeram pesquisas fraudulentas".
A médica disse ainda que está "pacificado" o consenso de que a cloroquina não deve ser adotada no uso hospitalar. Segundo a secretária, contudo, o medicamento deve ser usado no início da doença, ainda em sua fase de transmissão, apesar de estudos demonstrarem que o medicamento não tem eficácia contra a covid-19.
Em sua fala, a secretária afirmou que existem hoje 17 medicamentos "que podem ser usados para covid-19" e que têm "o potencial" de diminuir hospitalizações e evitar mortes. Segundo o dicionário Houaiss, edição de 2001, "potencial" é "a capacidade de realização, ou de execução"; algo "que só existe como possibilidade".
Apesar de os produtos serem defendidos pelo governo federal como opção, não há nenhuma comprovação científica de que tenham efeito para o tratamento da doença.
As falas de Mayra foram rebatidas pelo senador Otto Alencar (PSD-BA) que tem formação em Medicina e afirmou que não "existe no mundo estudo sério" que comprove a eficácia da cloroquina e correlatos com eficácia antiviral.
Secretária contradiz ex-ministro Pazuello sobre crise em Manaus
No depoimento, Mayra afirmou ainda que o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello teve conhecimento do desabastecimento de oxigênio em Manaus no dia 8 de janeiro.
No entando, a informação diverge das prestadas por Pazuello, que em depoimento à CPI na última quarta-feira (19) disse que foi informado sobre a falta de oxigênio em Manaus apenas na noite do dia 10 de janeiro.
— No dia 8 de janeiro, seis dias antes, nós já tínhamos iniciado o transporte aéreo de oxigênio para Manaus. Eu tomei conhecimento de riscos em Manaus no dia 10, à noite, numa reunião com o governador e o secretário de Saúde, quando eles me passaram as suas preocupações que estavam com problema logístico sério com a empresa White Martins — afirmou Pazuello à CPI.
Segundo Mayra, ao saber do caso, Pazuello a teria questionado sobre o desabastecimento, o qual Mayra afirmou não ter sido comunicada durante sua visita a Manaus. A secretária esteve na Capital amazonense entre os dias 3 e 5 de janeiro, e afirmou que a finalidade da viagem à cidade foi "fazer relatório de prospecção". Sobre a crise local, Mayra alegou que a situação era "extraordinária" e que seria impossível fazer previsão sobre a falta do produto.
Secretária diz que nunca recebeu ordens para recomendar cloroquina
A médica afirmou também que nunca recebeu ordens para recomendar o uso de cloroquina a pacientes com coronavírus. Ela alegou que a pasta da Saúde nunca indicou tratamentos para a doença, divulgando apenas uma "nota orientativa" para médicos. Mayra afirmou, contudo, que "todos os recursos têm que ser utilizados".
A médica ainda disse não saber quem orientou o laboratório do Exército a aumentar a produção da cloroquina.
— O (ex) ministro (da Saúde, Luiz Henrique) Mandetta deveria saber. Não sei informar — respondeu.
Vvisita de Bolsonaro ao Ministério da Saúde
Em sua fala, a secretária disse lembrar de apenas uma visita do presidente Jair Bolsonaro à pasta para discutir com toda a equipe ações de enfrentamento à pandemia.
— Acho que o presidente fez única visita ao Ministério da Saúde, que me lembre, em reunião que foram apresentados planejamentos estratégicos das secretarias — afirmou ela ao vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que destacou a informação ao relator, Renan Calheiros (MDB-AL).
Mayra também respondeu a Randolfe não lembrar de ter visto o presidente fazer defesa do isolamento social em algum momento. A secretária ainda afirmou que não teve conhecimento da reunião no Palácio do Planalto em que se discutiu alterar a bula da cloroquina, para que o documento passasse a recomendar o remédio no tratamento da covid-19. O encontro foi revelado à CPI pelo ex-ministro Luiz Henrique Mandetta.
— Qualquer medicamento só pode ter bula alterada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)— lembrou Mayra aos senadores.
Críticas a OMS
Ao ser questionada pelo relator, Renan Calheiros (MDB-AL), sobre o motivo pelo qual o governo não teria seguido as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a cloroquina, Mayra criticou posturas adotadas pela organização durante a pandemia, destacando ainda que o Brasil não seria obrigado a seguir a OMS.
— O Brasil não é obrigado a seguir orientações da OMS. Se assim fizéssemos, teríamos falhado, assim como a OMS falhou várias vezes — disse ela.
"Imunidade de rebanho"
Mayra negou também que tenha feito a defesa da teoria da "imunidade de rebanho" através da contaminação da população.
— Eu nunca fiz defesa da imunidade de rebanho, quando eu me referi a ela, no vídeo que o senador Renan trouxe aqui, eu me referi às crianças — disse, afirmando que crianças deveriam permanecer indo a escolas por ter baixa transmissão da doença.
Mayra também afirmou manter a posição pelo uso de "todos os recursos possíveis" para tratar pacientes com covid-19 sobre declarações dadas por ela sobre o uso da hidroxicloroquina em crianças e adolescentes.
— A Anvisa só recomenda medicamento cujo tratamento está indicado em bula. Mantenho a orientação de que se pode usar todos os recursos possíveis para salvar vidas. Sociedades dão opiniões, não definem orientação do Ministério da Saúde — disse.