Depois de entrar com um agravo regimental no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar reverter a recusa do ministro Alexandre de Moraes em abdicar da relatoria da ação que gerou busca e apreensão contra o ministro do meio Ambiente, Ricardo Salles, a Procuradoria-Geral da República (PGR) disse, nesta quinta-feira (27), que agiu para "preservar o sistema constitucional acusatório".
"O Ministério Público Federal tem feito grande esforço em defesa do sistema constitucional acusatório — que, em linhas gerais, impõe a separação entre as dimensões instrutória, acusatória e decisória no processo penal, para que uma mesma pessoa não acumule as funções de investigar, acusar e julgar", diz um trecho da nota institucional. "Observar esses aspectos é essencial para que não se aleguem, no futuro, nulidades processuais dos atos de investigação, preservando assim eventuais ações penais contra responsáveis por crimes."
Desde que a Operação Akuanduba estourou na semana passada, tornando públicas as suspeitas da Polícia Federal sobre a possível participação de Salles no favorecimento de empresas para exportação ilegal de madeira, a PGR passou a defender que o inquérito deveria ser incorporado ao acervo da ministra Cármen Lúcia. Ela já é responsável por uma ação conexa: a denúncia do delegado Alexandre Saraiva, ex-superintendente da PF no Amazonas, de que Salles obstruiu a maior investigação ambiental em favor de quadrilhas de madeireiros.
"Ao pleitear que apuração sobre Ricardo Salles passasse para a relatoria da ministra do STF Cármen Lúcia, a PGR não discutiu a questão de fundo das investigações. O órgão se ateve à observância da cláusula constitucional do devido processo legal, na qual se incluem o juiz natural, competente e imparcial, a regularidade da distribuição do processo, com respeito à prevenção da ministra Cármen Lúcia, e a autoridade do presidente do Supremo Tribunal Federal, a quem não foi dada a oportunidade de exercer sua função de distribuidor de processos na Corte", afirma a PGR.
A empreitada para tentar tirar Moraes da investigação vem em um contexto de animosidade com o ministro. Isso porque ele deu aval para a abertura da operação contra Salles sem consultar previamente o órgão, como de praxe. Dois dias depois da ação da PF, o procurador-geral da República, Augusto Aras, entrou com ação no STF para que todo juiz sempre ouça o Ministério Público antes de decidir sobre pedidos de prisão provisória, interceptação telefônica ou captação ambiental, quebra de sigilos fiscal, bancário, telefônico e de dados, busca e apreensão, entre outras.
Antes de autorizar as buscas na última quarta (19), Moraes atendeu a um pedido da própria Procuradoria-Geral da República e desarquivou uma notícia-crime, engavetada desde outubro, que atribui ao ministro do Meio Ambiente os crimes de prevaricação, advocacia administrativa e de responsabilidade na reunião ministerial em que ele sugeriu aproveitar a pandemia para "passar a boiada" em medidas regulatórias. Segundo o ministro, o processo, mais antigo, se refere "exatamente aos mesmos fatos" investigados pela Polícia Federal. Por isso, o inquérito da PF teria ido parar nas mãos dele.
Na nota, a PGR aproveita para lembrar o motivo para ter pedido, em setembro do ano passado, o arquivamento da investigação sobre a "boiada" de Salles. "A situação no momento do arquivamento, em 2020, era totalmente diferente da situação atual, uma vez que, somente neste mês, a Polícia Federal juntou diretamente nesse processo indícios de crime envolvendo madeireiros", afirma.
A Procuradoria-Geral da República também "alfineta" Moraes em outra frente, pelo chamado inquérito das fake news — investigação criminal para apurar notícias falsas, calúnias, ofensas e ameaças dirigidas aos ministros do Supremo Tribunal Federal e seus familiares. A apuração foi aberta pelo então presidente do STF, Dias Toffoli, que escolheu Alexandre de Moraes para conduzir as investigações.
"Nesse esforço em defesa do sistema constitucional acusatório, alguns episódios na história recente se destacam, como os questionamentos feitos pela gestão anterior da PGR contra o Inquérito das Fake News (Inq. 4.781) e a atuação da atual gestão na ADPF 572, com o objetivo de que fossem impostas balizas para a continuidade daquele inquérito", afirma o texto.
Quando assumiu a chefia do MPF, em setembro, Aras disse que Toffoli, ao determinar a abertura da apuração, "exerceu regularmente as atribuições que lhe foram concedidas" pelo Regimento Interno do STF. Quando o inquérito começar a fechar o cerco contra apoiadores e aliados do governo, o PGR pediu que o Supremo Tribunal Federal estabelecesse os "contornos e limites" da investigação. Aras chegou a dizer que a ofensiva da Polícia Federal contra bolsonaristas, "sem a participação, supervisão ou anuência prévia" da PGR, "reforça a necessidade de se conferir segurança jurídica" às investigações.